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Coletivo de jovens negras lança carta para o Dia Internacional de Luta da Mulher

09/03/2017

Na carta, elas expõem o quão o feminismo branco está distante da realidade da juventude negra

No Brasil, as mulheres negras são as que mais morrem decorrência do feminicídio. Entre 2003 e 2013, houve diminuição da taxa de homicídios de mulheres brancas em 9,8%, enquanto para as mulheres negras, essa taxa aumentou 54,2%, segundo o Mapa da Violência Contra a Mulher 2015.

No dia 8 de março, o HUB DAS PRETAS em São Paulo veio a público se posicionar sobre o Dia Internacional de Luta das Mulheres.

O HUB é um espaço de co-criação e articulação das jovens negras do projeto “Jovens Mulheres Negras fortalecidas na luta contra o racismo e sexismo”, apoiado pela Oxfam Brasil, a quem cabe a coordenação nacional. Em São Paulo, a Ação Educativa e o Pólis estão juntos com a Oxfam Brasil na coordenação ​local ​do projeto. Inesc (DF), FASE (Recife e RJ), Ibase e Criola (RJ) são parceiros dessa iniciativa e coordenadores do projeto nos seus respectivos territórios de atuação.

Leia a carta na íntegra:

Carta gritada de Mulheres Negras

No “Dia Internacional de Luta da Mulher” não poderíamos deixar de dizer que não há uma realidade única a ser questionada no 8 de março.

por Coletivo Jovens Mulheres Pretas para o Portal Geledés

Nós, jovens mulheres negras e periféricas, somos netas daquelas que foram esquecidas no movimento feminista branco por anos. Elas nos  negaram as flores e os bombons; por anos nossas familiares, amigas e companheiras lavaram o seu chão; fizeram a comida; atenderam o telefone no telemarketing; anotaram o pedido no restaurante. Hoje não é diferente, continuamos trabalhando enquanto elas decidem por nós.

E eu, não sou uma mulher? É nessa condição de destaque, que ecoamos nessa carta as vozes das mulheres negras que são silenciadas diariamente pela supremacia branca, gritando que o dia 08 de março será enegrecido,  a luta vai ser contra o SEXISMO e  RACISMO.

Em 2017, a chamada da irmã Angela Davis para uma paralisação internacional é mais do que coerente. Sabemos que somos nós, mulheres negras, que fazemos com que essa engrenagem não pare e parar pode significar reestruturar um sistema racista, machista e excludente. Porém, para que essa paralisação nos atinja de maneira efetiva, precisamos fazer nossa lição de casa com seriedade. A maioria das mulheres negras estão hoje nos empregos menos remunerados, nas empresas terceirizadas, nas casas de família, nas fazendas, na linha de frente do trabalho braçal, e para essas mulheres, parar é deixar de alimentar o filho, marchar é algo impensável. Em dia de semana, depois da marcha, voltar pra casa se torna um desafio e uma preocupação, pois sabemos quem a polícia militar tem como alvo.

É preciso criar meios para que a longo prazo essa chamada faça sentido em cada beco e viela , em cada porão das fábricas de moda que escraviza nossas irmãs, em cada presídio feminino, em cada central  de telemarketing onde as mulheres pretas hoje sofrem todo tipo de violação de direitos, direitos que sempre nos foram negados para que a marcha nos leve para algum lugar pra além do final do percurso.

O nosso 8 de março é mais um dia de luta. Nós não queremos nem bombons, nem flores.

Pois, se terminamos vivas cada dia, é porque nossas guerreiras pretas se mantiveram firmes pelas nossas vidas por séculos e séculos nessa terra. E por elas marchamos. Por elas lutamos!

Lutamos por Marias e Dandaras, por Luisas Mahin e Suelis, por Terezas e Claúdias, pelas que se foram e pelas tantas que virão. Resistiremos por “tantas anônimas guerreiras brasileiras”.

Cansamos, porque há mais de um século nos empurram das senzalas para as favelas e julgam ainda que servir é tudo que podemos fazer.

Ocuparemos lugares de destaques, trocaremos este cenário, porque somos 822 mil mulheres negras trabalhando como empregada doméstica frente aos poucos mais de 11,2%  de negras com ensino superior.

Lutamos pelas meninas pretas mortas pelo abandono do Estado em mesas do SUS após uma tentativa de aborto clandestino, porque sabemos que o sistema, juntamente com a supremacia branca, não nos permite fazer um aborto seguro. E mesmo quando nós decidimos que vamos ser mãezinhas, os médicos nos lembram com violência que mãe preta só pode ser a babá do filho branco. Seu filho, sua gravidez é sem valor. E os dados dizem: mulheres negras são 65,9% das mulheres submetidas a alguma violência obstétrica.

Lutamos por Luana Barbosa! Mãe, preta, sapatão e sem vida pelas mãos da polícia genocida. Ninguém se importou que não teve culpado. Luana, quem?

Diminuiremos os casos em um dos países que mais mata mulheres transexuais. Alguém há de dizer que elas não tem cor? Lutamos pelo direito de existir de Verônica Bolina.

Faremos jus à todas as mulheres negras que atravessam a cidade, “lotação-metrô-busão-trem-carona” para chegar em suas faculdades, cursos extras, escolas e ainda assim, receber 35% do que recebe um homem branco.

Existiremos e resistiremos porque ninguém ouve quando chora uma mulher preta e o nosso choro é calado. Lutamos porque nossas dores têm nomes. E não esquecemos de nenhum deles.

Viva as Mães de Maio. Claúdia Ferreira da Silva, presente!

Não será esquecida Joselita de Souza, morta de…tristeza.

Resistência. Lute. Não ceda. Pela honra e garra de ser mulher negra.

À todas as mulheres esquecidas, sem visibilidade social, sem base política e consciência de direitos trabalhistas. Chegaremos batendo com os dois pés no peito para mostrar que a comunidade preta tem talento.

Cuidaremos dessa geração que está por vir, será como via de mão dupla – ensinaremos e seremos ensinadas.

Não deixaremos que o patriarcado nos maltrate, sentaremos nas salas da USP, que se diz universidade pública, mas 7 CURSOS NÃO TEM PRETO dentro da sala de aula, covardia! E diz que é mimimi lutarmos por cotas em um sistema que não me abre as portas!

Nós, mulheres pretas, resistiremos e existiremos!

Coletivo Jovens Mulheres Pretas contra o Racismo e Sexismo.


O coletivo também gravou um vídeo com o intuito de investigar o que é o 8 de Março para as Mulheres Negras “tendo em vista sua invisibilidade perante alguns movimentos feitos neste dia e o fato que de que a conquista desta data se deu em um período em que mulheres negras ainda eram escravizadas no Brasil e EUA”. O vídeo foi captado com aparelhos celulares, dentro da própria rotina de trabalho das mulheres ouvidas.

Assista ao vídeo: