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Moedas Sociais e os Bancos Comunitários ainda estão num vácuo jurídico e legal

07/04/2011

Em entrevista, o técnico do Instituto Pólis Adriano Borges Costa explica o que são os bancos comunitários e os principais desafios destas experiências hoje.

O que é uma moeda social?

A moeda social possui duas principais funções dentro de uma comunidade. Uma econômica, e outra cultural, ligada à identidade local.

Primeiramente, a moeda social é um circulante local, ou seja uma moeda que só vale para aquela região. O objetivo dela é estimular e fortalecer a economia local, os pequenos comércios: fazer com que em uma região, onde não há muito dinheiro (dinheiro mesmo, de papel, moeda mesmo), exista um objeto de meio de troca para possibilitar ou facilitar as trocas.

Um exemplo: tem uma pessoa nesta comunidade que faz pão, tem uma estrutura simples e ela consegue produzir uma quantidade razoável de pães por dia, mas de forma artesanal, não industrial. Na rural, há um produtor, que vive na subsistência, mas cuja produção consegue gerar uma sobra além do seu consumo familiar. Ambos possuem sobras das suas produções, e ambos também gostariam de ter a parte que sobrou do outro, e no entanto os dois não comercializam e não fazem essa troca (o excedente de hortaliças e o excedente de pães). Eles não trocam justamente porque não tem dinheiro naquela comunidade, falta o meio de troca, falta dinamismo na economia local. Era essa a função inicial do dinheiro: potencializar as trocas de produtos, de forma que os produtos possam ser mais úteis.

Então a moeda social entra para isso: para estimular esse tipo de troca que não acontece justamente porque há uma escassez de moeda naquela comunidade. Ela estimula o comércio local, estimula que as pessoas compram e vendam na sua própria região. Ela estimula que alí se crie circuitos curtos de comercialização, produção e consumo e deixe de ser uma economia exclusivamente dependente de outras regiões.

A outra função da moeda social, como falei, é a da identidade naquela região. Toda moeda social tem um nome vinculado a um elemento local. No Banco dos Cocais, por exemplo, a moeda se chama “cocal”, pois naquela região tem toda uma tradição das quebradeiras do coco. Todo o Banco é voltado pra identidade regional, e a moeda é a forma mais concreta desse simbolismo.

A que modelo econômico ela se contrapõe?
Tem um contraponto fundamental entre o sistema hegemônico e o que essas experiencias de bancos comunitários trazem de proposta: a prática financeira. A lógica hegemônica, dos grandes bancos, é captar a poupança da população em geral, e emprestar buscando as taxas de inadimplência mais baixas possíveis. O problema é que essa lógica faz com que as pessoas que conseguem empréstimos sejam justamente as pessoas que não precisam deste empréstimo, pois possuem garantias para oferecer, estudos técnicos e mostram que já, previamente, podem pagar este empréstimo. E quem precisa de empréstimo? Aquele que já tem recurso?

Outro ponto: essa lógica da moeda de circulação livre gera concentração da presença de moedas em algumas regiões.
Explico: Temos uma moeda nacional que circula livremente por todas as regiões do país e isso faz com que haja uma concentração de moeda pela concentração econômica, que faz com que a produção se concentre em localizações que possuem infraestrutura e condições privilegiadas de produção. Isto concentra a economia em determinadas regiões e acaba com as pequenas produções locais. – Temos no Brasil regiões onde se concentra a produção e grandes áreas praticamente sem produção comercial, que vivem de subsistência. Isto se reflete na situação de moedas: a moeda chega nestas regiões com definhamento econômico por sistemas de transferência de renda e voltam automaticamente para as regiões de concentração econômica, através de consumo de produtos e serviços. Isso acontece também por meio dos créditos, pois os bancos tem suas estruturas de captação de poupança nestas pequenas cidades, mas os empréstimos são sempre feitos para pessoas ou empresas que estão nas grandes cidades e que têm condições prévias de pagar.

Como os bancos comunitários se contrapõem à isso? 
Os bancos comunitários fazem contraponto à isso a medida em que fazem pequenos empréstimos baseados em sistemas de avaliação que usam formas de verificação da capacidade de pagamento baseado na reputação que o sujeito tem na comunidade. Não consultam o SPS ou o SERASA. O sistema de verificação é baseado na conversa com a comunidade. Isso faz com que um mundo de pessoas tenham acesso ao crédito que no sistema bancário não tem porque não tem garantias, não tem bens para dar de garantia, não tem emprego, não tem fiador…
O banco comunitário por sua vez, prevê que o crédito seja pago, porque disso depende a sua sustentabilidade financeira, no entanto faz uma análise qualitativa da capacidade do sujeito de pagar estes empréstimos e não exige taxas absurdas de retorno e excluem a maioria da população.

Além disso, os bancos comunitários levam os serviços bancários a comunidades indígenas, a pequenas cidades, às periferias das grandes cidades onde não existem bancos comerciais. Os bancos comerciais não chegam lá porque não é viável economicamente montar uma agencia, um gerente, com todas as regalias que os bancos criam em suas agencias.

Como são as políticas públicas neste campo?
Não existem políticas públicas para os bancos comunitários. Os bancos comunitários aproveitam, “na tangente”, algumas políticas públicas que foram criadas. Uma delas é o bolsa família, uma vez que muitas pessoas hoje podem sacar seus benefícios nos bancos comunitários, não precisando sair de suas comunidades. Uma outra é a Política Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado, que destina recursos para microcréditos, mas que não foi feita para bancos comunitários, é um modelo mais comercial, mas os bancos comunitários souberam aproveitar essa política e acessar estes recursos. Além disso, há os projetos ligados à economia solidária, no entanto não existe uma política pública voltada para os bancos comunitários. Os bancos comunitários não tem uma figura jurídica própria, uma regulamentação específica. As moedas sociais foram reconhecidas pelo banco central como uma forma legal, no entanto não possui uma regulamentação específica, então hoje os bancos comunitários estão num vácuo jurídico e legal de atuação. Existe uma lei elaborada pela Luiza Erundina que está em tramitação, desde 2007, que busca regulamentar os bancos comunitários. No entanto está parada, não foi aprovada.

Qual é o novo paradigma que se propõe? 
O principal paradigma que é quebrado pelos bancos comunitários, e pela economia solidária como um todo, é o paradigma da maximização de retorno sobre o capital. Através do microcrédito, por exemplo, não se busca maximizar o retorno sobre este capital emprestado. Só de quebrar este pressuposto conceitual e prático estamos incluindo uma série de pessoas que estavam excluídas daquele sistema de créditos.

A segunda quebra é reconhecer a importância, a capacidade que existe em iniciativa que surgem em pequenas comunidades e como isso pode tornar o sistema mais eficiente, de produção, de consumo, de crédito. É olhar para a comunidade e ver que alí, iniciativas que surgem “de baixo para cima”, a partir de atores no local, podem ser mais eficientes em termos de produtividade sistêmica dos resultados, ao invés de iniciativas que são “de cima para baixo”, comerciais, em larga escalada, padronizadas e executadas e implantadas em uma tacada só.

Na lógica da economia solidária, iniciativas comunitárias tem legitimidade para atuar no local, tem acúmulo, respeito e capacidade de mobilização que a gente pode chamar, apesar da contradição que tem no nome, de “capital comunitário”.

Confira a publicação Novos Paradigmas de Produção e Consumo – Experiências Inovadoras organizada por Adriano Borges e Leandro Morais