cobertura vacinal na cidade de sp
cobertura vacinal na cidade de sp outubro 2021
Monitorar o progresso da campanha de vacinação é medida fundamental para planejar políticas e protocolos de contenção da pandemia de forma adequada. Não se trata apenas de acompanhar os números de cobertura vacinal, mas de usá-los para fundamentar decisões de combate à pandemia que, ao mesmo tempo, protejam a população, possibilitem o desenho de estratégias para reabertura gradativa e responsável e que promovam o direito à saúde de modo universal, integral e equânime.
Taxas de vacinação são, portanto, um dos indicadores mais recomendados para avaliar o grau de proteção de qualquer população em relação a qualquer infecção. No caso da Covid-19, não é diferente. A desejada imunidade coletiva (construída através da vacinação e não com o sacrifício de vidas) só será possível quando tais taxas estiverem elevadas o suficiente para conter a disseminação do vírus Sars-Cov-2. Ainda que existam discordâncias entre especialistas sobre qual seria esta taxa ideal, é consenso que não se pode abrir mão de uma cobertura vacinal ampla e universal. Em outras palavras, os objetivos da campanha de imunização contra Covid-19 devem ser taxas muito próximas de 100% da população adulta completamente vacinada.
A expressão “completamente vacinada” não é usada à toa aqui. Vale sempre reforçar a compreensão de que a imunização contra o coronavírus só é completa quando aplicada a segunda dose – exceto, claro, nos poucos casos em que se administra a vacina de dose única. Neste sentido, altas taxas de vacinação em relação à primeira dose podem até ser celebradas, mas sem comemorações desproporcionais à sua efetividade excessivamente limitada. Do ponto de vista epidemiológico, a população brasileira só deve adquirir proteção adequada contra a Covid-19 com uma ampla cobertura vacinal completa: de duas doses.
Tais premissas também valem para cidades brasileiras. No Município de S. Paulo, a taxa de vacinação em segunda dose tem sido acompanhada dia-a-dia com muito interesse. Seu avanço representa a possibilidade de retomada de determinadas atividades que, até então, ficaram suspensas ou muito restritas por conta dos protocolos sanitários de segurança. Contudo, é necessário estar alerta para o adequado processo de monitoramento da cobertura vacinal.
Os boletins diários que divulgam a quantidade de vacinas aplicadas no Município de S. Paulo somam todas as doses administradas pela prefeitura da capital paulista. Primeiras, segundas e doses únicas são devidamente contabilizadas para o cálculo da cobertura vacinal por faixa etária (contando a população adulta e também a de adolescentes). O problema deste método é que o cálculo de doses aplicadas não diferencia se elas foram administradas em pessoas residentes da capital ou de outras cidades. Não fazendo tal distinção, é possível que as taxas de vacinação divulgadas todo dia estejam superestimadas, visto que uma parcela das doses aplicadas pelo Município de São Paulo confere imunização a cidadãos e cidadãs de outras cidades.
O fato de residentes de outros municípios estarem se vacinando na capital de São Paulo não é um problema. Pelo contrário, é fundamental que governos locais não se recusem a administrar doses a quem quer que seja, independentemente do seu município de residência. Criar restrições de vacinação quanto ao local de moradia seria, além da negação de um direito básico inaceitável, uma medida desastrosa que só prejudicaria ainda mais o ritmo de expansão da cobertura vacinal (em segunda dose) que a sociedade tanto deseja. Vacinar seja qual for o endereço de residência é obrigação de qualquer gestão. O problema é contabilizar doses administradas em munícipes de outras cidades no cômputo de suas taxas de vacinação próprias.
Este estudo sistematizou dados do Open DataSUS, plataforma nacional de dados abertos do Ministério da Saúde, e comparou os números de segundas doses e doses únicas aplicadas pelo Município de S. Paulo, diferenciando aquelas que foram administradas em pessoas com residência dentro e fora da capital paulista. Também foram comparadas as doses (segunda e única) aplicadas em pessoas com residência na capital paulista, diferenciando aquelas que foram administradas por estabelecimentos de saúde de outros municípios paulistas.
Os números mostram que, até 20 de setembro de 2021, 1.201.522 doses (entre segunda e dose única) haviam sido aplicadas por estabelecimentos de saúde da Prefeitura de São Paulo em munícipes de outras cidades. Esse volume de imunizantes representa 18,6% do total de segundas doses e doses únicas (6.465.432) que o Município aplicou de acordo com seu boletim da mesma data.
Por outro lado, existem aquelas pessoas com residência na capital paulista que se vacinaram em outro município paulista. Estas, sim, devem ser contabilizadas nas taxas do Município de SP quanto à vacinação contra a Covid-19. No entanto, elas somam um total de 490.013 pessoas completamente imunizadas; um número quase 2,5 vezes menor do que a quantidade de pessoas imunizadas pela capital, mas residentes em outras cidades.
Os números corrigidos apontam que a cobertura vacinal da cidade de São Paulo (considerando segunda dose e dose única) era de 59,8% da população adulta no dia 20 de setembro e não de 70% como anunciado pelo governo local. A diferença não é desprezível (são cerca de dez pontos percentuais) e deveria ser considerada pelas autoridades municipais e estaduais ao tomar decisões sobre reabertura e flexibilização dos protocolos de segurança.
Não custa reforçar que o fato de a Prefeitura de S. Paulo vacinar munícipes de outras cidades não é problemático e, de certa forma, deve ser usado como exemplo. O que se aponta, neste estudo, é a necessidade de ajustar as metodologias que dão conta da produção de indicadores tão importantes ao monitoramento e controle da pandemia – como é o caso das taxas de vacinação. A adoção equivocada de políticas e protocolos de contenção da pandemia pode agravar o número de casos, internações e óbitos, assim como aumentar as condições de reprodução do vírus e de surgimento de novas cepas mais infecciosas, como a variante Delta.
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desigualdades territoriais
Os dados de 20 de setembro foram geolocalizados e demonstraram que as diferenças territoriais quanto à cobertura vacinal persistem.
Existem áreas com taxa de vacinação da população adulta (segunda dose e dose única) de cerca de 18,7%, como Paraisópolis, e áreas com taxa próxima dos 79%, como Pinheiros e Vila Nova Cachoeirinha. Regiões com maior vulnerabilidade social, menor padrão de renda, menor acesso à saúde e com maior concentração da população negra (preta e parda) da cidade seguem anotando piores taxas de cobertura vacinal.
A desigualdade observada na taxa de vacinação é preocupante e mostra uma fragilidade da campanha de vacinação, que não consegue atender os princípios de universalidade e equidade ao sustentar taxas tão desiguais dentro da cidade de São Paulo. A situação é ainda mais grave se considerarmos que muitas das áreas com taxas de vacinação menores também são áreas com alta mortalidade, o que reflete uma preocupante combinação entre uma grande circulação do vírus e uma baixa imunidade coletiva (apesar do avanço médio da campanha de imunização no município). Tal contraste implica uma superexposição de pessoas não protegidas (que não receberam segunda dose) em localidades que registram maior nível de infecção e de mortalidade.
Mapa com a taxa de vacinação completa (2ª dose + dose única), doses aplicadas até o dia 20/09/2021, e calculada a partir da estimativa da população adulta para 2021 (fonte: SI-PNI/Open DataSUS; F. Seade, 2021).
É importante que as estratégias de vacinação considerem os dados territoriais. Concentrar esforços onde a cobertura vacinal está baixa (e onde a mortalidade é mais elevada) é fundamental para reverter a iniquidade que o processo de imunização vem reforçando no combate à pandemia. Também é uma estratégia relevante para otimizar o uso dos imunizantes disponíveis, já que estes seriam administrados prioritariamente nas regiões da cidade mais impactadas pela Covid-19.
A vacinação de adolescentes e o reforço em idosos, sem completar a vacinação de quem ainda aguarda a segunda dose, pode reforçar as desigualdades já observadas no processo de imunização. É importante equacionar as prioridades diante da escassez de doses de modo a promover uma imunização mais condizente com os princípios de equidade do nosso Sistema Único de Saúde. Para tanto, ficam alguns questionamentos. Vale a pena avançar na vacinação de adolescentes quando há pessoas do grupo de risco (60 anos ou mais) que não completaram sua imunização? Não seria mais adequado priorizar e concluir a imunização (com segunda dose) nas áreas onde a cobertura continua baixa, sabendo que, em muitas delas, a população está mais exposta ao vírus? A mesma pergunta cabe para as doses de reforço: não seria importante priorizá-las nas áreas onde, reconhecidamente, o vírus circula mais e causa mais óbitos?
Mapas de comparação entre os números da sobremortalidade por distrito administrativo de São Paulo, considerando [esq.] a população geral, [sup.] a população negra e [inf.] a população branca a partir dos dados sobre óbitos de março de 2020 e julho de 2021 no município de São Paulo (Fontes: Tabnet/DataSUS/SMS-SP)
equipe
Este estudo é uma colaboração entre:
- Danielle Klintowitz, arquiteta urbanista e coordenadora gera do Instituto Pólis;
- Vitor Nisida, arquiteto urbanista e pesquisador do Instituto Pólis;
- Lara Cavalcante, arquiteta urbanista e pesquisadora do Instituto Pólis;
- Deivison Faustino, professor do PPGSSPS da UNIFESP e pesquisador do Instituto Amma Psique e Negritude;
- Olinda Luiz, pesquisadora do HCSP e professora colaboradora da FMUSP;
- Jorge Kayano, médico sanitarista e pesquisador do Instituto Pólis. Participa do Coletivo Intersetorial pela Vida em São Paulo.