o gás na justiça energética

o gás na justiça energética maio 2022

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Estudo sobre o acesso ao gás de cozinha, seu peso desigual sobre o orçamento familiar na cidade de São Paulo e seu papel na promoção da justiça energética

O GLP (gás liquefeito de petróleo) corresponde a cerca de 25% do consumo energético nos domicílios brasileiros: isso significa que ¼ da energia consumida em residências provém do botijão de gás (EPE, 2022a). Também conhecido como gás de cozinha, o GLP é a fonte de energia mais utilizada no preparo de refeições, desempenhando, portanto, um papel fundamental na alimentação da população brasileira. Em 2020, o GLP foi a principal fonte utilizada para cocção em 94% dos domicílios (EPE, 2022b).

Nos últimos meses, o aumento expressivo dos valores de produtos derivados do petróleo tem impactado, significativamente, o orçamento familiar. A decorrente elevação do preço do botijão de gás aumentou o comprometimento da renda familiar com gastos de serviços básicos [1] e alimentação, onerando principalmente a população de mais baixa renda. 

Este estudo tem o objetivo de analisar os impactos desiguais do valor do gás de cozinha, a partir da pesquisa de preços em postos de revenda na cidade de São Paulo. As leituras propostas visam demonstrar, territorialmente, que o aumento do preço do botijão de gás interfere, de forma desigual, no acesso à fonte de energia mais importante para a garantia do direito à alimentação.

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contexto: aumento dos preços e comprometimento da renda

Desde o início da pandemia da Covid-19 no Brasil, em março de 2020, o preço do GLP subiu acima da inflação. Essa desproporcionalidade tem sido uma constante e, desde dezembro de 2021, tem superado também a alta no preço dos alimentos. A razão disso está no aumento global dos valores de combustíveis e na política de paridade de preços que equipara derivados do petróleo aos patamares do mercado internacional. No período entre janeiro e novembro de 2021, o gás de cozinha apresentou um aumento médio quatro vezes superior à  inflação. Sendo poucos os meses em que a variação da fonte apresentou deflação. Nos últimos dois anos, o aumento foi expressivo e, especialmente, no mês de março de 2022 o preço do GLP apresentou alta média  de 6,57%, ou seja, quatro vezes maior que a inflação (1,62%) e duas vezes maior que o aumento de preços de alimentos (2,42%).

[1] Os serviços básicos incluem energia elétrica, água, esgoto, gás de cozinha, telefone e impostos.

Nos últimos cinco anos (2017 a 2022), a média do preço do botijão subiu 85% no Brasil e 90% no Estado de S. Paulo [2]. O maior aumento ocorreu no ano  de 2021: 29% no Brasil e 28% em SP (ANP, 2022). Em 2017, o preço do botijão representava 5,9% do salário mínimo nacional e 4,9% do saláro mínimo do Estado de São Paulo. Para o ano de 2022, essa proporção saltou para 8,5% e 7,9% respectivamente.

[2] No mesmo período, o salário mínimo nacional variou 29% enquanto o paulista variou 19%.

O impacto do valor do gás doméstico no orçamento familiar sempre variou de acordo com as faixas de renda. A Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) indicou, em 2018, que o peso da fonte no orçamento das famílias com a menor faixa de renda (até 2 salários mínimos) era 11 vezes maior do que nas famílias com a maior faixa de rendimento (acima de 25 salários mínimos). 

No atual contexto de aumento das desigualdades socioeconômicas, o impacto do preço do gás de cozinha no orçamento das famílias de baixa renda está ainda mais crítico. A crise econômica atual é definida não apenas pelo aumento do custo de vida, mas também pela queda dos rendimentos nominais médios da população (SALATA, 2022). Como resultado desse fenômeno, a escalada de preços da cesta básica compromete as condições alimentares das famílias brasileiras – principalmente as de baixa renda – o que ainda é agravado pelo fato de o GLP também ter ficado mais caro.

Há ainda um efeito colateral, não menos importante, decorrente do encarecimento do GLP e do empobrecimento da população brasileira. Aquelas famílias que não podem mais arcar com o botijão de gás para cozinhar alimentos têm substituído a fonte de energia por alternativas menos seguras, como o álcool líquido ou a lenha. O resultado é o aumento dos riscos de queimaduras no ambiente doméstico ou até acidentes mais graves.

variação territorial dos preços de GLP no município

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O botijão mais barato foi encontrado em Jd. Vila Formosa (distrito Aricanduva) por R$100 e o mais caro na Vila Carrão (distrito Carrão) por R$145: uma variação de 45 reais ou de 45% em relação ao preço mais baixo. A média municipal foi de R$125,56, praticamente igual à mediana de R$125.

A variação territorial de preços indica que as áreas de maior renda domiciliar observam preços maiores. A média de preço do botijão de gás no quadrante mais rico da cidade é de R$132,50, enquanto a média das demais áreas é de R$123,91. Se forem considerados os preços das áreas que compõem os dois quintis mais pobres da cidade, a média é de R$122,56.

Contudo, não é possível afirmar que, nas áreas de menor renda, os preços sejam necessariamente – nem proporcionalmente – mais baratos. Em algumas regiões, onde a renda média domiciliar é mais baixa, os valores encontrados estavam acima da média municipal.

A espacialização dos valores pesquisados mostra, portanto, que o preço do GLP não é igual em toda a cidade e que ele não varia negativamente conforme o padrão de renda da população residente. Assim como há bairros de menor poder aquisitivo onde o valor do botijão de cozinha está entre os mais baixos da cidade (em torno de R$113 em Cidade Líder, Pq. do Carmo e São Mateus), também há bairros de menor renda onde o botijão é mais caro que a média (cerca de R$130 em Jaraguá, Tremembé, Guaianases e Grajaú). 

É importante notar que, dentro de um mesmo Distrito Administrativo, os preços podem variar significativamente. Essa variação de preços, contudo, é menor quanto maior for a renda média: na região mais rica da cidade, a variação média de preços internos aos distritos é de até R$5,57, enquanto nas demais áreas a variação é de até R$9,45. Os Distritos que anotaram maior variação foram Pedreira (zona sul) com 32,50 reais, Carrão (zona leste) e Vila Andrade (zona sul) com variação de 25 reais. 

Variações maiores ou menores nos Distritos podem ser resultado da concorrência entre distribuidoras, mas também pode ser reflexo da heterogeneidade físico-territorial e socioeconômica de cada distrito administrativo. Vila Andrade é um exemplo ilustrativo, já que o menor preço foi encontrado na favela de Paraisópolis (R$105) e o maior preço foi cotado na área ao lado, onde ficam loteamentos e condomínios residenciais de altíssimo padrão.

[3] Algumas distribuidoras também informaram o preço de retirada (alternativa à entrega na porta de casa), o qual costuma ser mais barato. No entanto, como não foi possível verificar esta alternativa em todos os postos de revenda, esses valores não foram considerados neste estudo.
[4] Áreas de Ponderação do IBGE são conjuntos de setores censitários (as menores unidades territoriais do Censo) e, no Município de S. Paulo, podem corresponder a um bairro ou a aglomerado de bairros, nunca excedendo a área de um Distrito Administrativo da cidade (do total de 96).
[5] +55 0800 701 0123

peso do GLP na renda familiar

Comparando os preços apurados pelo levantamento com o salário mínimo (SM) de 2022, é notável que as famílias mais pobres são as que têm a renda mais comprometida com os preços do GLP. O botijão de gás mais caro de São Paulo (R$145) ocuparia 24% da renda de uma família que tem ½ salário mínimo de rendimento mensal. O botijão mais barato (R$100) comprometeria até 16% da renda desta mesma família – ainda sim uma porcentagem muito alta. Por outro lado, o custo do GLP no orçamento de uma família que ganha até 3 salários mínimos teria uma variação de 2,7% a 4% de sua renda mensal. Em uma família com rendimentos de 5 salários mínimos, as porcentagens estariam entre 1,6% e 2,4% – até 10 vezes menos do que o peso do botijão sobre o orçamento de uma família com até ½ salário mínimo.

É possível identificar territorialmente a população mais afetada pelo aumento do GLP na cidade de São Paulo. Os mapas de renda média domiciliar (Censo, 2010) e de renda média familiar (OD, 2017) mostram a localização das famílias mais pobres, que coincide com os piores índices de vulnerabilidade social.

Os mapas indicam que a desigualdade de rendimentos da cidade é muito maior do que a variação dos preços do botijão de cozinha entre os bairros de São Paulo. O desvio padrão das rendas médias domiciliares é DP = 2.472, enquanto o desvio padrão dos valores do botijão é DP = 7,25 (341 vezes menor). Esses indicadores mostram que a renda varia mais do que o preço do GLP no Município de São Paulo (MSP). O desvio padrão, [6] que mede quão uniforme é um conjunto de valores determinados, é uma demonstração dessa desproporcionalidade. Em outras palavras, as áreas de maior poder aquisitivo coincidem com as áreas onde se concentram os maiores preços do botijão de cozinha. No entanto, as variações da renda e do custo do GLP não são proporcionais no território da cidade

Vale apontar que a metodologia utilizada pode interferir nos resultados, uma vez que a pesquisa realizou uma consulta de preço por Área de Ponderação. [7] Por mais que esta premissa garanta uma abrangência territorial significativa para o Município de S. Paulo, é possível que ela não seja suficiente para que os valores encontrados possam expressar, de forma mais fidedigna e representativa, os preços praticados localmente em cada bairro, onde os preços também podem variar entre os postos concorrentes. Neste sentido, é razoável supor que, há bairros como Grajaú ou Guaianases, – para citar alguns dos exemplos dados acima – onde é possível encontrar botijões de gás por valores menores do que aqueles aferidos por esta pesquisa.

Quanto às áreas onde a média do botijão é mais cara, vale ressaltar que a rede de distribuição de gás natural – na cidade de São Paulo, feita pela Comgás – faz com que muitos domicílios estejam menos suscetíveis às variações de preço do GLP. Em casas e apartamentos ligados ao “gás de rua”, a cobrança mensal é feita de acordo com o metro cúbico de gás natural [8] consumido no período correspondente.

[6] O desvio padrão (DP) caracteriza um conjunto de valores indicando se ele mais uniforme – de valores muito parecidos entre si – ou se ele é mais heterogêneo – com valores muito distintos entre si. Se o DP de um conjunto é maior que o de outro, então o primeiro conjunto é muito mais heterogêneo que o segundo, apresentando maiores variações entre os calores que o compõem.
[7] Ainda assim, o levantamento desta pesquisa é mais abrangente e completo do que o monitoramento semanal feito pela Agência Nacional do Petróleo na cidade de São Paulo.
[8] O gás natural (GN) é diferente do GLP (gás liquefeito de petróleo).

Nos últimos anos, a infraestrutura urbana de distribuição de gás encanado tem se ampliado, incluindo novas regiões da capital. Contudo, mesmo com essa alternativa, algumas famílias preferem manter o gás de cozinha para não arcar com os gastos da instalação e, sobretudo, com os custos fixos da conta de gás mensal. Assim, como a existência da rede de gás natural não implica, necessariamente, o consumo do gás encanado, consideramos que a mera disponibilidade da infraestrutura deste serviço não invalida as questões levantadas sobre o botijão de gás. Ademais, o atendimento dos domicílios pelo gás encanado não alivia o comprometimento da renda com os custos da fonte usada para a cocção dos alimentos. Nos três primeiros meses deste ano, reajustes positivos no custo da tarifa do gás encanado foram determinantes para gerar uma alta da inflação no grupo de despesas de habitação. [9] [10]

Apesar das ressalvas feitas até aqui, é possível afirmar que o levantamento de preços realizado consegue:

  1. Identificar variação significativa entre os preços de GLP praticados em diferentes regiões da capital paulista;
  2. Identificar que os maiores valores do GLP se concentram nas áreas de maior renda média da cidade e;
  3. Constatar que o preço pode variar localmente (entre as diferentes áreas de um mesmo Distrito Administrativo).

Feitos os apontamentos, ainda é importante mensurar (ou ao menos estimar) o peso do GLP no orçamento familiar, considerando a variação territorial observada, e verificar se os preços mais baixos são menores de forma proporcional à renda mais baixa das áreas em que foram feitas as consultas.

[9] Agência IBGE Notícias. Estatísticas Econômicas: IPCA Jan.22, Fev.22 e Mar.22
[10] O grupo Habitação inclui: aluguel e taxas, reparos, artigos de limpeza, combustíveis (domésticos), energia elétrica residencial.

O GLP na balança

Um modo simples de se estimar o peso do GLP no orçamento familiar consiste na comparação do preço do botijão com a renda média do domicílio. Assim, é possível identificar se a variação do valor do gás de cozinha segue proporcionalmente a variação do padrão de renda observado na cidade.

O mapa mostra que as áreas de maior poder aquisitivo sofrem muito menos com o preço do botijão se comparadas às áreas de menor renda. Existem locais em que o valor do GLP compromete cerca de 1% da renda média domiciliar, enquanto, em outras regiões, o botijão chega a ocupar 11% dos rendimentos médios: 11 vezes mais. Portanto, esta comparação inicial sugere que o fato de o preço do botijão ser mais caro nas áreas mais ricas não implica um maior comprometimento da renda das famílias ali residentes: nestas localizações, o poder aquisitivo é proporcionalmente muito maior do que o preço mais caro do gás de cozinha.

O mapeamento também aponta que existem áreas onde o preço do GLP compromete parte significativa da renda média domiciliar, variando de 6% a 11% do total dos rendimentos de uma família. São regiões onde a variação do botijão de cozinha (mesmo sendo negativa, com valores abaixo da média) não acompanha, de forma proporcional, a renda média domiciliar que é muito baixa. 

As áreas que apresentam as maiores faixas de comprometimento da renda também são aquelas que possuem maior percentual de mulheres chefes de família em domicílios de baixa renda e maior concentração da população negra. Em outras palavras, a fonte de energia mais importante para a alimentação de famílias em domicílios urbanos é, desproporcionalmente, mais onerosa para a população em situação de maior vulnerabilidade.

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Outro método de verificar o peso desigual do GLP no orçamento familiar consiste na comparação dos preços apurados com os dados de renda familiar coletados pela Pesquisa Origem-Destino (Metrô SP, 2017). Uma vez que as unidades territoriais das duas pesquisas não coincidem – Zonas Origem-Destino são diferentes de Áreas de Ponderação – só é possível realizar a comparação em uma escala menor de agregação dos dados: o Distrito Administrativo.

As médias de preço e de renda familiar foram calculadas para cada um dos 96 Distritos paulistanos, gerando uma leitura espacial semelhante àquela feita a partir dos dados do Censo 2010. As áreas do quadrante sudoeste da cidade, onde se concentra a renda municipal, apresentam as menores razões entre preço do GLP e rendimento familiar. Nas áreas em que o GLP tem maior peso no orçamento familiar, o custo do botijão de gás chega a ocupar 3,5 vezes mais do que em domicílios de maior renda.

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e se o GLP tivesse um preço proporcional à renda domiciliar?

Para estimar qual seria um valor de GLP proporcionalmente adequado às diferentes áreas da cidade, de acordo com seus respectivos padrões de renda, optou-se por comparar os conjuntos das duas variáveis: (1) preço do gás e (2) rendimento domiciliar médio. Foram calculados valores diferenciados que representassem cada um dos preços e cada um dos rendimentos nominais de acordo com o cálculo do Escore Padronizado. Esta metodologia estabelece uma pontuação proporcional negativa (-) aos valores abaixo da média e uma pontuação proporcional positiva (+) àqueles valores acima da média do seu respectivo conjunto. Assim, cada rendimento médio familiar e cada preço de botijão, originalmente medidos em R$, ganham uma pontuação que indica quão acima ou abaixo estão de suas médias.

A comparação entre os dois Escores Padronizados permite identificar quais preços estão desproporcionalmente distantes da média municipal, usando como parâmetro a proporção da distribuição de renda na cidade. Também é possível identificar onde há equivalências, ou, onde o preço do GLP está acima ou abaixo da média municipal de forma proporcional aos rendimentos médios daquela área. Uma das Áreas de Ponderação no distrito da Vila Mariana foi a selecionada por apresentar uma relação proporcional entre esses dois indicadores. Ou seja, as distâncias em relação à média do município, tanto para renda média domiciliar quanto para o valor ofertado para o GLP, nesta localidade, são equivalentes. Nessa localidade, o preço do GLP corresponde a 2% da renda média domiciliar.

Partindo da premissa de que essa equivalência indica uma referência de preço – sem distorções em relação à renda domiciliar ali observada –  foi feita uma simulação de valores para todas as regiões do município, reproduzindo a proporcionalidade observada naquela área da Vila Mariana. Esses valores finais indicam qual deveria ser o preço do botijão, caso ele variasse de forma proporcional à renda das famílias nos diferentes bairros da cidade de São Paulo. Por este método, a variação territorial dos preços mantém a razão da Vila Mariana de 2% entre o preço do botijão e a renda média domiciliar.

A simulação de preços proporcionais à renda revela a grande disparidade entre as áreas com maiores e menores valores. Enquanto em Moema, Morumbi e Jardim Paulista, o botijão poderia custar de R$240 a R$273 reais, o Jardim Ângela, o Itaim Paulista ou o Grajaú ofertariam o GLP na faixa entre R$24 a R$26 reais, um preço 11 vezes inferior. A média municipal também diminuiria, de R$125,56 para R$69,6. 

É importante ponderar que a simulação de preços não aponta valores que, necessariamente, seriam considerados “justos”. É um método de análise que se propõe discutir as desigualdades de acesso a essa fonte de energia, simulando quais seriam os valores do botijão de gás caso os preços praticados fossem proporcionais à renda média do território. A comparação entre os preços ofertados e simulados revela a disparidade de renda existente no município de São Paulo, mas não só. A diferença entre os dois preços demonstra que o valor desembolsado atualmente, por diversas famílias, está muito acima do que seria admissível ou correspondente à renda.

Essa leitura indica que domicílios no Jardim Helena, José Bonifácio, Perus ou Brasilândia pagam, no momento, mais do que 5 vezes o valor do GLP, caso ele fosse compatível à renda. Já Alto de Pinheiros, Morumbi e Moema pagam um valor que chega a ser a metade do preço correspondente à renda média familiar. 

A simulação de preços e sua comparação com os valores reais coletados nos diferentes bairros da cidade demonstram como essa fonte de energia, essencial para a reprodução da vida, tem comprometido excessivamente os rendimentos das famílias de baixa renda. Políticas públicas voltadas ao combate das iniquidades de acesso ao GLP são essenciais, e devem ser formuladas de maneira a garantir o acesso real e universal.

programas de transferência de renda para a compra do gás de cozinha

O estudo apresentado demonstrou como os preços do GLP levantados pesam desproporcionalmente na renda familiar dos domicílios paulistanos. O mapeamento demonstra que há regiões na cidade de São Paulo onde o preço do botijão compromete até 11% da renda domiciliar, em contraposição a áreas onde esse comprometimento é de 1%. Visto que o GLP é a principal fonte de energia utilizada para a cocção de alimentos nos domicílios brasileiros, a forma atual de precificação do gás de cozinha coloca em risco a segurança alimentar da população vulnerável.

Atualmente, existem políticas paliativas e insuficientes para o acesso da população vulnerável ao gás de cozinha. Governos estaduais e federal iniciaram a implementação de programas de transferência de renda para a população registradas no Cadastro Único para a compra do gás de cozinha. Esses programas foram desenhados para terem uma incidência de curto prazo, apenas para conter as consequências socioeconômicas da crise acentuada exponencialmente pela Covid-19.

Vale Gás

Em junho de 2021, o Governo de São Paulo lançou o Vale Gás, programa de transferência de renda a famílias socialmente vulneráveis para a compra do botijão de 13kg. A primeira fase do programa foi destinada a famílias residentes em comunidades e favelas, inscritas no Cadastro Único, que não recebiam o Bolsa Família, e com renda per capita até R$178,00. Às famílias elegíveis, entre julho e novembro de 2021, foram transferidas três parcelas bimestrais no valor de R$100,00. Em agosto do mesmo ano, o governo anunciou uma ampliação do programa, visando atender também à famílias elegíveis não residentes em comunidades e favelas. As famílias contempladas nesta etapa receberam as parcelas bimestrais de R$100,00 entre setembro de 2021 e janeiro de 2022. Até o fechamento deste estudo, não foram anunciadas novas etapas do programa pelo governo de São Paulo. 

Programa Auxílio Gás dos Brasileiros

Em dezembro de 2021, foi instituído o Programa Auxílio Gás dos Brasileiros do Governo Federal, com duração de cinco anos, destinado às famílias com renda per capita até meio SM ou que recebem o BPC (Benefício de Prestação Continuada). Diferentemente do programa do Estado de São Paulo, não há restrições para famílias que recebem o Auxílio Brasil (que substitui o Bolsa Família). Mulheres chefes de família e/ou famílias com mulheres vítimas de violência doméstica são grupos prioritários. O auxílio também ocorre através da transferência de parcelas bimestrais de valor correspondente à, no mínimo, 50% da média do preço nacional do botijão de 13kg do GLP estabelecido pela ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis). Em dezembro de 2021, o valor da parcela do benefício era de R$52,00. No entanto, reportagem da Folha de São Paulo de abril deste ano, informou que a última transferência do programa foi de R$50,00.

Programa para transferência de renda da Petrobrás

A Petrobrás também lançou um programa para transferência de renda às famílias em situação de vulnerabilidade social para a compra do gás. Com um recurso de R$300 milhões a serem gastos até o final de 2022, a empresa desenhou três linhas de atuação. A primeira visa beneficiar comunidades vizinhas às operações da petroleira, que já são alvo de projetos socioambientais, através da doação de cestas básicas e da entrega de até cinco vouchers de no máximo R$102,00 para a compra do botijão. A segunda linha prevê a doação financeira para a compra de GLP por instituições que forneçam alimentação para pessoas em situação de rua ou em situação de insegurança alimentar. Na terceira linha, a Petrobrás fará doação financeira para instituições parceiras que trabalham com a arrecadação de alimentos e tenham grande capilaridade de atuação para repassar às famílias de baixa renda até cinco vouchers de R$102,00 para a compra do botijão de gás.

balanço final

Apesar de não haver dados suficientes para inferirmos a capacidade de atendimento frente à demanda e a abrangência territorial dos programas aqui apresentados, é inquestionável que eles possam ser, potencialmente, determinantes para o acesso ao gás de cozinha pela população mais vulnerável. Considerando o menor preço encontrado na cidade de São Paulo (R$100) e que a média de duração do gás de cozinhas é de 2 meses, o valor transferido  para a compra de botijão através dos programas do Estado de São Paulo e da Petrobrás reduz a 0% o custo para as famílias que têm ½ e 1 salário mínimo de renda mensal. 

Contudo, quando considerado o botijão mais caro (R$145), os programas não zeram o peso do preço do gás de cozinha sobre a renda dessas famílias. Para as famílias com rendimento de ½ SM, há uma redução de 24% para 7%, no caso do Vale-Gás Paulista ou do programa da Petrobras, ou para 16% com o Auxílio Gás dos Brasileiros. Para famílias com rendimento de 1 SM, a redução é de 12% para 4%, no caso do Vale-Gás Paulista ou do programa da Petrobras, ou para 8% com o Auxílio Gás dos Brasileiros.

Fica claro que o programa do Governo Federal não leva à desoneração completa das famílias mais vulneráveis nem quando considerado o preço mais barato do GLP. No entanto, esse é o único programa que tem duração mais longa: cinco anos, contados a partir de dezembro de 2021. Tanto o programa do Estado de São Paulo quanto o da Petrobrás – que zeram o peso do GLP no orçamento das famílias mais pobres, quando considerado o menor preço encontrado – foram propostos como medidas paliativas e sua possível descontinuidade poderá torná-los insuficientes a médio e longo prazo. 

Apesar da importância dos programas, as três iniciativas avaliadas neste estudo mostram-se insuficientes. As políticas existentes têm uma clara característica paliativa, e não há  planejamento para a implementação de programas que efetivamente garantam o acesso eficiente e justo ao gás de cozinha pela população brasileira. A inexistência de políticas de caráter contínuo para o acesso ao GLP fica ainda mais crítica frente a previsão do Banco Mundial de continuidade do aumento dos preços dos combustíveis e redução do poder de compra das famílias. Por isso, faz-se necessário a formulação de uma política permanente, independente de planos de governo e que garanta a todas as famílias inscritas no CadÚnico o acesso automático ao programa. Também, visto que o preço do botijão de gás compromete uma parcela maior do orçamento das famílias com renda média de até 1 SM, é preciso a formulação de um programa de transferência de renda que contemple diferentes categorias de repasse de valor, de forma a garantir o custo zero com o GLP a esta parcela da população.

equipe

Coordenação de projeto

  • Clauber Leite

Produção técnica

  • Vitor Nisida
  • Lara Cavalcante
  • Maria Gabriela Feitosa dos Santos

Revisão

  • Danielle Klintowitz

Edição

  • Clara Barufi

Apoio

  • ICS – Instituto Clime e Sociedade

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