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Aniversário de São Paulo – Governança e Comunicação
26/01/2012Aniversário de São Paulo – Crescer a qualquer custo? Outro dia numa conversa, eu e uma colega nos perguntávamos se afinal São Paulo estava vivendo momentos mais difíceis do que outrora, no que diz respeito às políticas sociais, ou se estávamos vivendo um certo tipo de expansão do conhecimento sobre os acontecimentos da cidade, pela radicalização das redes sociais e pela popularização das ferramentas de comunicação.
Afinal, não é de hoje que vivemos os impactos de uma lógica política na cidade que privilegia os interesses econômicos de poucos e a concentração de renda em detrimento do bem comum e de uma política social mais democrática e participativa. Episódios recentes como a “Operação sufoco” realizada pelo poder público na região da Luz (claramente relacionada com os empreendimentos imobiliários na região e com os megaeventos da copa e olimpíadas), ou o movimento organizado pela sociedade civil de impedir a implantação de metrô, e de “gente diferenciada”, em bairros como Higienópolis e Morumbi (para me deter em apenas dois exemplos comparativos) não diferem muito, nem no método nem nos objetivos, dos despejos históricos de famílias carentes de áreas centrais para as periferias sem infra-estrutura, que marcam a história da formação de São Paulo.
O que se identifica é a tradição inabalável na cidade não apenas de um governo refém que consente e apóia o império ilimitado dos interesses empresariais (nacionais e internacionais) manifestado em políticas públicas de higienização, abuso de poder e criminalização dos movimentos sociais, como também de uma sociedade civil que ignora as desigualdades políticas da cidade, e participa da produção de uma cidade retrógada e mal planejada. Seja como for, a impressão que dá é que os métodos e objetivos das forças sociais em jogo estão se tornando mais claros para a população de São Paulo, em função da ampliação e dinamização da informação que vem marcando a nossa entrada na “era da internet”.
Não apenas “acontecimentos”, mas associações, nomes, datas, mapas têm se detalhado neste campo de debate privilegiado que é a internet, acompanhado pela popularização dos novos gadgets. Assistimos e participamos, portanto, não apenas da democratização da comunicação na cidade, mas simultaneamente da ampliação da sua consciência política.
Este é um fenômeno que se expande progressivamente não apenas em São Paulo, mas no mundo. Se por um lado é exagero dizer que as redes sociais twitter e facebook foram as responsáveis pela “primavera árabe” em 2011, não considerar o papel estratégico que a transformação dos meios de comunicação assume no campo das transformações políticas atuais seria descaso.
A partir de uma experiência pessoal posso dizer que, primeiramente em momentos de eleição e posteriormente em outros momentos polêmicos da cidade, fui cúmplice de uma apropriação crescente do discurso político por parte da minha rede social facebook de forma impressionante, tanto em quantidade quanto em qualidade. Hoje o que vejo é cada vez menos uma divagação incerta sobre acontecimentos políticos em uma acalorada discussão política desmemoriada, e mais – sujeitos se transformando em cidadãos – procurando incrementar seus argumentos com algum vídeo-arquivo que registrou a fala de um político em determinado contexto, anexando, ainda na mesma conversa, o documento de uma lei específica referente ao assunto, ou ainda, o link para um gráfico ou mapa elaborado por alguma fonte confiável.
Enfim, o que senti de maneira geral foi o crescimento da qualidade não apenas da difusão, mas da produção de informação política pelas mídias alternativas, a ponto de não ter absoluta certeza se continua a ser a “grande mídia” que pauta a alternativa, ou o contrário.
O arranjo inteligente de links em artigos de blogues independentes, a exploração das técnicas mashups em sites que cruzam e sobrepõe diferentes plataformas (juntando Youtube, Flickr, Google maps em uma única página-web), a produção de charges criativas e remix de vídeos (que comparam e associam acontecimentos), a experimentação de fóruns eletrônicos em praças públicas nos “acampas-mundo” são possibilidades desta “nova comunicação política” que não apenas difunde informação, mas mais que isso, produz novas versões sobre os fatos, combinando uma nova disponibilidade pública de dados e novos caminhos criativos.
Por isso seria reduzir desastrosamente a potencia política desta “nova comunicação” apenas falando sobre redes sociais. O fenômeno é mais complexo e envolve o que os movimentos em defesa da cultura livre e digital chamam de revolução da propriedade intelectual em rede peer to peer, contexto onde não somos mais somente consumidores de informação, mas igualmente produtores.
Garantir, portanto, justiça social é garantir também o direito humano à comunicação. E isto significa entender que o Estado não funciona separado da sociedade, mas é expressão dela. Participamos incondicionalmente (de forma mais ou menos intensa) das decisões da cidade, e isto sem dúvida passa pela qualidade da nossa comunicação.
Garantir o direito humano à comunicação significa tomar consciência sobre suas possibilidades e limites e defender a liberdade de expressão, a governança transparente, multilateral e democrática da internet, baseada em padrões abertos que permitam a interoperabilidade e a participação de todos em seu desenvolvimento, o acesso universal e um ambiente legal e regulatório que preserve o aspecto colaborativo e livre da internet, sempre respeitando a privacidade e os direitos humanos.
Concluindo, no aniversário da cidade de São Paulo a questão que se apresenta frente a este quadro é que, na verdade, não importa muito o que são Paulo quer ser, mas como quer ser. Viver uma situação econômica favorável no país e no contexto global pode não dizer muita coisa se este crescimento não vier acompanhado de políticas públicas participativas, distribuição de renda, combate a corrupção etc. Tanto o crescimento econômico da cidade, como a vinda da Copa do Mundo e Olimpíadas podem trazer cada vez mais decepção ou deixar um legado positivo para a cidade como um todo se a sociedade civil renovar seus princípios decadentes e participar de forma mais positiva e ativa politicamente. Isto passa pelo exercício de repensar nossos indicadores sobre a cidade, não mais exclusivamente econômicos, além de fazer valer os espaços políticos participativos como conselhos, fóruns, conferências e audiências públicas, espaços não apenas de ensaio de uma participação social política, mas efetivo, que estenda verdadeiramente à sociedade civil o poder de decisão sobre a cidade.
* Carolina Caffé trabalha na Área de Comunicação do Instituto Pólis e é coordenadora executiva do projeto Pólis Digital – Mídias Livres e Cidadania Cultural