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Por quais mulheres o feminismo luta?

15/04/2016

No mês de março celebra-se o Dia Internacional da Luta das Mulheres. Aproveitando a data, o Instituto Pólis, no âmbito do Programa Jovem Monitor/a Cultural, promoveu no dia 28 a formação com a temática Feminismos – história e contextualização, experiências e trajetórias. Mas, o que é feminismo e por quem ele luta?

“O feminismo surge para libertar as mulheres da mulher”, cita a historiadora Margareth Rago no documentário Corpo Manifesto, referindo-se à mulher enquanto construção social imposta à classe feminina. Ao longo do curta-metragem, produzido por Julia Bock e Simone Elias, manifestações como o Ato 8 de Março e a Marcha das Vadias ilustram a luta das mulheres brasileiras durante o ano de 2015.

A escritora Chimamanda Adichie explica que o perigo da história única caminha junto a poderes. Os próprios movimentos sociais possuem em suas trajetórias marcadas de privilégios. Quando se fala em história do feminismo, não se foge deste perigo. Enquanto no início do século XX mulheres brancas reivindicavam o direito ao voto e ao trabalho reconhecido socialmente, negras e pobres já trabalhavam em fábricas ou como domésticas nas casas daquelas mesmas mulheres que lutavam pelo direito à esfera pública.

Ao mesmo tempo, no movimento negro prevalece um olhar masculino. Neste cenário, onde encontram-se as mulheres negras? Segundo Djamila Ribeiro, mestre em filosofia política e feminista, as mulheres negras estão pensando em outro mundo: um mundo baseado no conceito de interseccionalidade.

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A Jovem Monitora Mônica Oliveira durante a formação sobre feminismo.

Raça, classe e gênero são opressões que estruturam a sociedade e não devem ser pensadas de maneira isolada. O conceito da interseccionalidade serve como uma ferramenta de análise e de ação política. Djamila explica que trata-se de um “olhar para a sociedade sem hierarquizar opressões”, como propunha Audre Lorde, feminista negra e lésbica.

E não é somente no movimento negro onde prevalece um olhar masculino. A poeta e escritora Jennyfer Nascimento, integrante do coletivo feminista Fala Guerreira, afirma que, apesar do movimento Hip Hop ter sido importante para a articulação de questões sociais, ele possibilitou que a periferia fosse vista enquanto espaço masculino. “A periferia não é pensada enquanto lugar onde existem mulheres que lutam para conquistar seu espaço”.

Jennyfer também diz que não há um olhar para as mulheres da periferia que contemple sua multiplicidade, já que não existe apenas uma mulher periférica, mas muitas. Para ela, existe um desafio em se encontrar espaços para essas mulheres refletirem sobre suas subjetividades, já que muitas delas estão imersas no trabalho e na dinâmica familiar. “Como o silêncio atravessa a vida das mulheres da periferia? Quais os espaços que nós, mulheres, temos para falar?”, questiona.

Pensar na interseccionalidade é entender que a maior vítima de violência contra a mulher é a mulher negra, tendo um aumento de 54% nos casos de feminicídio em dez anos, enquanto o número de homicídio contra mulheres brancas caiu 9,8% durante este mesmo período. Compreender os cruzamentos das opressões é também saber que as mulheres negras e pobres são as mais prejudicadas em relação à ilegalidade do aborto.

Segundo Jéssica Ipólito, criadora do blog Gorda&Sapatão, historicamente mulheres negras estão na base da sociedade e, por isso, suas pautas combatem a todas as opressões. Pensar em políticas públicas voltadas para mulheres negras é ter a responsabilidade de atingir mulheres no geral, uma vez que as brancas são menos vulneráveis.

Jéssica iniciou o Gorda&Sapatão há quase quatro anos pela necessidade de expor suas inquietações sobre racismo, lesbiandade e padrões estéticos. Para a blogueira, em uma sociedade que, além de racista, preza por magreza, corpos negros e gordos são territórios políticos. Seu site é repleto de imagens que valorizam esses territórios, com o objetivo de construir e manter a subjetividade e a autoestima de outras mulheres que se identificam com seu blog.

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Jennyfer Nascimento e Amara Moira no debate do PJMC

De acordo com Amara Moira, travesti, doutoranda em teoria literária pela Unicamp, prostituta, feminista e militante dos direitos de LGBTs e de profissionais do sexo, “atualmente o conceito de homem e mulher está se transformando radicalmente”. Segundo Moira, a sociedade ainda não percebe que uma pessoa criada para ser mulher pode reivindicar outra existência que não a de mulher.

O relatório atualizado da ONG Transgender Europe (TGEU) aponta que o Brasil lidera o ranking mundial de assassinatos de travestis e transexuais, contabilizando 802 mortes entre janeiro de 2008 e dezembro de 2015. Segundo Amara, em um país altamente transfóbico, ser lida como uma pessoa trans coloca em risco a sua existência. “Reproduzir estereótipos do que é ser homem e do que é ser mulher às vezes é uma questão de sobrevivência”, denuncia a militante.

Para ela, é importante que pessoas trans tenham voz e ocupem espaços para reivindicar sua existência. “À medida que as pessoas trans aparecem e se impõem na sociedade, vão mostrando que são cada vez mais fortes e que têm o direito de existir da forma como se compreendem”.

Camila Meneses, jovem monitora atuante do Núcleo de Cidadania Cultural, conta que a bagagem cultural apresentada pelas formadoras traz um enorme conhecimento para sua vida enquanto jovem monitora e feminista negra. “[A educação] é uma via importante a ser cada vez mais consolidada, para que esses e essas jovens possam sentar ali na frente e falar a partir de suas perspectivas, formando outros e outras jovens e dando continuidade a esse processo”, explica Jéssica, ao falar da importância em se discutir racismo, machismo e sexualidade com a juventude.

Programa Jovem Monitor/a Cultural

Criado pela Lei Municipal 14.968/09 e o Decreto Municipal 51.121/09, o Programa Jovem Monitor/a Cultural (PJMC) visa a formação teórica e prática de jovens entre 18 e 29 anos que atuam no atendimento, produção e difusão da cultura municipal em equipamentos culturais da cidade de São Paulo.

O programa é uma iniciativa da Secretaria Municipal de Cultura da Prefeitura de São Paulo e é desenvolvido através de gestão compartilhada com o Instituto Pólis e Ação Educativa. O Pólis realiza a formação teórica de jovens monitores/as que atuam em casas de cultura, centros culturais, teatros distritais e gabinete da Secretaria Municipal de Cultura da Prefeitura de São Paulo. A Ação Educativa realiza a formação teórica de jovens monitores/as que atuam nos centros culturais, nas bibliotecas municipais, no Museu da Cidade e no Arquivo Histórico.

O Programa tem a duração de um ano e conta com formações teóricas às segundas-feiras e formações práticas nos equipamentos culturais durante a semana, acompanhados por agentes de formação in loco.

*Foto em destaque: da esquerda para a direita Jéssica Ipólito, Djamila Ribeirto, Julia Bock e Simone Elias

Confira o álbum com as fotos da formação

*Fotos: Leandro Noronha da Fonseca