Rotas de resistência: memória LGBT na cidade de São Paulo

Em outubro de 2019, o Pólis organizou uma volta pelo centro da cidade de São Paulo, com o objetivo de resgatar a história de lugares relevantes para a população LGBTQI+. A caminhada partia da nossa sede, localizada na General Jardim e durava aproximadamente duas horas. Enquanto os participantes eram guiados pelo doutor em ciências sociais e pesquisador sobre espaços urbanos, gênero e sexualidade, Bruno Puccinelli, viam à tona questões como segurança, discriminação e apropriação de espaços públicos.

Recentemente, na tentativa de recuperar este momento e adaptá-lo para um percurso digital nas redes sociais, convidamos o Bruno para reconstituir os passos dados lá atrás, em 2019. Por meio de uma entrevista, ele menciona espaços onde ocorreram momentos protagonizados pela população LGBTQI+, espaços importantes de sociabilidade e encontro durante as décadas passadas, mas que permanecem relevantes ainda hoje, e espaços que resistem cotidianamente apesar das consecutivas tentativas de apropriação e apagamento. Confira a entrevista na íntegra abaixo.

 

Gostaria que você resgatasse a história por trás dos lugares percorridos na caminhada feita em 2019 com a intenção de apresentar regiões do centro relevantes para a população LGBTQI+

Primeiro eu vou fazer uma introdução da ideia toda desse roteiro porque uma primeira dificuldade é pensar num roteiro LGBTQI+ na cidade de São Paulo, tendo em vista que tem espaços muito diversos que a gente poderia incluir nesse roteiro e que inclusive são distantes da região central, que não caberiam numa caminhada, então tem um recorte aqui que era preciso ser feito, que era um roteiro que coubesse numa caminhada, que não fosse muito cansativo e ainda assim só essa volta deu mais ou menos umas 2 horas, uma coisa assim, então é cansativo de qualquer jeito, porque a gente para, a gente conversa, a gente dialoga inclusive, a ideia sempre foi essa, que a gente dialogasse com o que as pessoas conhecem do espaço, estando relacionado a possibilidade de ter que ir mais ou não e o que a caminhada, os pontos que a gente estava parando iam apresentando, tipo quando a gente parava, o que chamava a atenção das pessoas que estavam participando; então eu acho que é bom ter o conhecimento de que esse é um recorte, é uma tentativa de recorte que dialoga com os dados históricos da presença dessa população, mais marcada na cidade, e com questões contemporâneas que estão relacionadas à dinâmica urbana em São Paulo e com a população LGBTQI+. Então, São Paulo tem um material grande de registro histórico dessa população, então é possível observar algumas mudanças; a constituição de algum conjunto de serviços direcionados na região da Paulista, dos Jardins, alguma coisa em Moema também, quando a gente vai pensar mais em comércio, lazer e tal. Nos dias de hoje, também uma concentração bastante grande na zona leste, no bairro de Guaianazes. A gente poderia fazer vários roteiros, inclusive pensando em lugares que tinham bastante vida, relacionado a presença dessa população e que foram assumindo ao longo do tempo por pressões muito diversas, e que estão relacionadas com a política urbana de uma forma geral, criando limitações, relacionadas também com o mercado imobiliário ou com uma certa postura mais moralista, enfim, que fizeram com que essas áreas deixassem de ter essa população tão grande. Esse pedaço que a gente fez o roteiro e a caminhada, a gente pode entender ele como um lugar de resistência, no sentido de que ele existe já há muito tempo, pelo menos 40 anos, na verdade são 50 anos, porque depois que eu entrei nos anos 2000, eu me perco um pouco nessa coisa das décadas, mas enfim, esse período é muito intenso, parece que a década de 90 foi imensa, não foi uma década, mas deve fazer 50 anos. Tem uma produção de pesquisa, outros tipos de registro também, registro memorialista em relação ao movimento social em defesa dos direitos da população LGBTQI+, registros da constituição de um conjunto de espaços de lazer, de encontro, como boates e bares, enfim, registros da constituição de um lugar em que essa população se concentra pra algumas atividades, encontro, lazer, alguma coisa relacionada a trabalho, moradia, mais ou menos, depende um pouco da área, do perfil, é uma área importante, ainda é, historicamente ainda é uma área importante da presença dessa população. No começo dos anos 80 tinha uma característica, especialmente nessa área que a gente recortou, de ter a circulação de uma classe média e a constituição de áreas de encontro de sociabilidade dessa classe média, especialmente de homens gays. Ao longo dos anos 80, por conta da epidemia do HIV, outra área que se esvaziou bastante, teve uma alteração na direção da Bela Vista e da Paulista, das pessoas e dos bares começarem a abrir outros espaços para aquela região, mas apesar desse esvaziamento, nunca deixou de ter circulação dessa população; ai o que tem é uma mudança, uma mudança na região central, de uma forma geral, do perfil das pessoas que circulam, perfil mais popular e do perfil das pessoas que residem, e ai também a possibilidade de morar mulheres trans e travestis que se prostituem, morarem no centro, apesar de terem rendimentos bem módicos, a prostituição, não é todo mundo que fica rico com a prostituição e geralmente não é a pessoa que está na rua que está enriquecendo, então a possibilidade de morar inclusive perto do trabalho… São curiosas essas contradições do capitalismo, essa possibilidade de ter vindo com uma decadência do centro e a saída bastante forte da classe média da região; um desses símbolos é o Minhocão, que margeia ai o lado esquerdo, que é mais ou menos onde a gente termina o roteiro. Essa é uma apresentação mais geral de como o roteiro foi construído e a ideia era jogar o tempo todo com essas informações históricas que a gente tem, como o espaço se constitui, os espaços se constituem. Quando a gente foi realizar, a gente não conseguiu fazer tudo o que a gente queria, não deu tempo, não conseguimos mandar o roteiro inteiro. Aqui, a gente vai poder caminhar relembrando. A ideia era fazer esse paralelo entre essas informações mais históricas e discutir elas à luz do momento que a gente estava e ainda está. Hoje em dia tem outras questões pra gente pensar, a pandemia trouxe outras questões, inclusive acho que dá pra abordar. O ponto A [Rua General Jardim] foi de onde a gente saiu, do Instituto Pólis. Aqui está marcado como Rua General Jardim, que é justamente pra pegar a questão da General Jardim, não necessariamente aquele pedaço onde está o Polis era um ponto, mas a General Jardim já há muito tempo, umas 3 décadas pelo menos, era um ponto importante de prostituição de travestis e mulheres trans. Aqui, também é uma área que a gente pode olhar de diferentes formas, pelos espaços de sociabilidade, a gente pode olhar como uma área de trabalho sexual das prostitutas e dos prostitutos, então tem alguns recortes que atravessam isso que a gente está chamando de temporalidade LGBTQI+. E no momento em que a gente estava, e até hoje, a General Jardim estava passando por um processo intenso de transformação que foi acarretando a expulsão dessas trabalhadoras sexuais dessa rua; não dá necessariamente pra dizer que elas foram todas expulsas da região, ainda tem ruas laterais em que elas trabalham, mas a abertura, isso que geralmente as pessoas, especialmente a mídia mais hegemônica chama de revitalização, que é: um boteco, o boteco virou bistrô, tinha um PF de um prédio que não tinha muita atividade, troca por uma lanchonete e pronto, porque a justificativa que está por trás desses projetos de revitalização, de diversificar a população que circula; geralmente a ideia é que tem uma população mais empobrecida que circula e a diversificação vai trazer gente com maior poder aquisitivo, o que significa que as coisas vão ficar mais caras, então essa diversificação é uma homogeneização tirando os pobres de fora da área, em linhas gerais, claro que tem processos bastante mais complexos; mas a gente pode tomar como exemplo esse pedaço mesmo em que o Pólis está, com a abertura da Casa do Porco (é um restaurante que fica bem na esquina) e com a expansão inclusive de outros comércios, as sorveterias, as lanchonetes, pelas ruas do lado, e outros restaurantes, outros bares que foram abrindo e que foram meio que tirando a parcela mais popular. Na General Jardim, especialmente sob a marquise do IAB, Instituto dos Arquitetos do Brasil, a gente tem um ato muito forte, porque aquela era uma área de prostituição, onde as travestis podiam ficar sob a marquise pra se proteger de chuva e tal, enquanto tinha uma livraria, e ai quando abre a hamburgueria lá, elas são expulsas, porque tem também uma dinâmica relacionada a esse tipo de estabelecimento, que é manter um segurança na porta, o que evita que por exemplo que moradores de rua ou outras pessoas indesejáveis fiquem por lá, e isso vai afastando as pessoas, é uma forma também violenta, mas menos violenta do que a ação direta, se houvesse uma ação direta de ir retirando as pessoas. Em linhas gerais a gente partia daí, discutindo um pouco esse panorama, que é um panorama amplo da região e que a gente pode traçar uns 2, 3 km a partir desse ponto, é meio que algo que se repete na área, com suas diferenças. Do Minhocão pra lá, ai já é mais conhecido como Vila Buarque, Vila Buarque é maior do que esse pedaço que as pessoas chamam de Vila Buarque, mas enfim, começa ai a ir pra Higienópolis, tem um processo semelhante, mas a coisa já tem um outro perfil socioeconômico mais consolidado de classe média, média alta naquela região, então têm algumas diferenças, mas como eu disse, se a gente circular ai a um raio de 3 km, os processos são muito parecidos e são processos que se cruzam. A gente está falando de população LGBTQI+, mas dinâmicas relacionadas à política direcionada à região da Cracolândia também afetam essa área, assim como a valorização do Minhocão, da forma como ele vem sendo apresentado como Parque Minhocão, obviamente também afeta essa área. E ai a gente começava a caminhada, a segunda parada é na Praça da República. A Praça da República também é um ponto importante por vários motivos, na frente da Secretaria da Educação, não na parte de trás, porque a ideia estando neste ponto é que a gente pudesse dar uma olhada em 360º, a partir desse ponto; isso porque a Praça da República hoje em dia é uma área de prostituição de mulheres trans, de travestis e de rapazes também, então é um tipo de trabalho que se mantêm, e ai inclusive quando a gente estava lá, eu sugeri que as pessoas dessem uma volta, olhassem, mas que a gente não ia entrar nas alamedas porque a gente não ia fazer um zoológico, do tipo, “vejam aqui”, com as travestis se prostituindo, são pessoas que estão trabalhando, então a ideia não era ir lá atrapalhar, mas boa parte das pessoas não sabe necessariamente que existe essa atividade, até o momento em que a gente joga uma luz que é uma área de trabalho sexual que está relacionada com essa dinâmica também. Também é uma área de encontro, de encontro que eu digo não é necessariamente sexual, mas de encontro de amigos, que inclui também algumas pessoas mais velhas que se encontram durante o dia e ficam conversando, mas são todas pessoas de perfil mais popular, então não é uma área de se pensar em classe média e tal. Eu gosto de chamar a atenção pra esses recortes porque a gente está falando de processos de identificação e de mudança incluindo a população LGBTQI+, mas não é um trator que muda tudo, inclusive a ideia é pensar em processos, e ai eu pedia também pras pessoas falarem o que chamava a atenção; tem uma instalação que foi colocada nos últimos anos, são os canos marrons e um cano nas cores do arco-íris, que quase ninguém percebe, que é um monumento, podemos dizer assim, mas que não foi um monumento articulado com movimento social, então em termos de representatividade ele é questionável, não sei, não sei se é bem essa palavra, mas o quanto ele faz parte, o quanto ele dialoga com as pessoas; ele dialoga muito com a importância da praça, mas o quanto ele dialoga com as pessoas, e a Praça da República é um desses pontos de encontro que também já existe há uns 30 anos. Nos anos 2000, dentro da praça teve um rapaz que foi assassinado espancado, Edson Neres, foi um caso de homofobia que ficou bastante conhecido, foi bastante divulgado, os agressores foram presos e tal, mas mostra também que era um lugar tanto das pessoas circularem, quanto delas se identificarem, mas não era um lugar tão seguro; e ai tem duas coisas importantes nesse episódio, no caso do assassinato do Edson Neres. Primeiro, ele foi usado como justificativa para a reforma da Praça da República que tirou os bancos, então pra tornar a praça um lugar só de passagem, você anda, você não vê bancos, mas você vê gradil, outras coisas que são usadas pras pessoas sentarem e aumentar um pouco mais a visibilidade e tal. Uma outra coisa que aconteceu, bastante por conta da pressão dos movimentos sociais foi a instalação do Museu da Diversidade Sexual, na Praça da República, mas isso é uma coisa pra gente ter em mente de que ele fica enterrado, ele fica dentro da Estação República, pra você acessar, você precisa entrar na Estação República, não é uma coisa assim das mais fáceis. Outra questão é que ela é uma galeria que o pessoal do museu negocia com o metrô, então é uma situação assim indefinida, me parece que por enquanto vai continuar assim mesmo. Só pra finalizar esse ponto, aqui para a Avenida Ipiranga tem um conjunto de cinemas, já foi um conjunto bastante importante de cinemas pra população em geral, na década de 50, e que parte dele se transformou depois em cinemas que exibem filmes pornográficos. Isso se tornou também parte um pouco desse cenário de circulação da população LGBTQI+, quando a gente pensa como uma outra opção de espaço de lazer, enfim, de encontro. Agora a gente anda um pouquinho e vai pro ponto C. O ponto C é a Praça Darcy Penteado. Darcy Penteado foi um escritor, um artista assumidamente gay, essa é uma das poucas praças, talvez seja a única que eu tenho conhecimento na cidade de São Paulo, que homenageia uma pessoa LGBTQI+. Só que ela não é apropriada dessa forma, a praça ganhou esse nome, é uma praça pequenininha, como dá pra ver pelo desenho, que também tinha bancos e retiraram os bancos. Então assim, uma coisa importante no centro de São Paulo é que quando se reforma a praça, o banco sai, que é pra morador de rua não ficar, pras pessoas não ficarem, enfim, ela tinha bancos e tal e no começo dos anos 90, após a morte de Darcy Penteado, um vereador, não me lembro o nome agora, propôs a alteração do nome ou o batismo da praça, porque as vezes têm áreas ajardinadas que não são tão grandes que não têm necessariamente um nome. Agora não vou me lembrar de cabeça, e ai, se eu não me engano, isso estava relacionado com a questão do HIV, provavelmente o Darcy tinha falecido por conta do HIV… Talvez eu esteja falando bobagem, mas eu acho que não, porque eu lembro quando aquela pesquisa falou disso. A gente parou ai primeiro pra conversar sobre isso, que era uma pessoa LGBTQI+ que dá nome à praça, que pouca gente conhece, pouca gente sabe quem foi Darcy Penteado e lá na praça tinha a plaquinha, a plaquinha azul que fica na esquina pra guiar as pessoas que estão circulando, os carros, mas onde devia estar a placa de bronze com o nome do Darcy, enfim, descrevendo quem ele era e tal, ela tinha sido furtada, provavelmente pra ser derretida e ela não foi recolocada, então é aquilo das marcas que somem, a praça perde a identificação dela. Esse ponto era interessante também porque de um lado estava a Love Story, era uma casa bastante conhecida, não necessariamente pela presença LGBTQI+, mas quando a gente pensa nessa dinâmica do trabalho sexual e da prostituição, é um lugar importante, e na frente está o Copan, que antes de toda a ação dos anos 90 de limpeza do Copan, era um lugar também que mulheres trans e travestis moravam, dividiam apartamento e conseguiam alugar especificamente as quitinetes, que é uma coisa quase impossível hoje em dia, a não ser que você tenha um certo poder aquisitivo e tal. Só que no prédio na frente do Copan, na esquina com a Ipiranga, ainda é um pouco assim, então meio que parte dessas mulheres trans e travestis que moravam no Copan, atravessaram a rua. Então, é muito comum, é um prédio que aluga apartamentos que já são mobiliados, enfim, é mais fácil de alugar, elas têm mais dificuldade de conseguir alugar apartamento, por conta da transfobia, então elas meio que migraram; tem uma questão ai que a gente pode discutir do ponto de que regularizar as unidades do Copan foi um meio que tirar essa população de lá. Aí a gente dava uma ligeira volta para a São Luís e parava na frente da Galeria Metrópole, na Praça Dom José Gaspar, porque a Galeria Metrópole nos anos 80… É interessante assim que eu estou falando muito dos anos 80 pra cá, muitas dessas coisas estão relacionadas dos anos 80 pra cá; a Galeria Metrópole era um lugar importante também de encontro e de circulação de quem tinha carro, aqui onde está marcado era uma rua de carros, então tinha uma dinâmica que era chamada de autorama, que quem tinha carro podia circular e ver as outras pessoas nos carros, indo até mais ou menos o Teatro Municipal e voltando depois pela Avenida Ipiranga, e também procurar os michês, os garotos de programa que atuavam nessa região. Então, aqui era um lugar importante também e que depois se esvaziou e se esvaziou já durante o final da ditadura civil militar no Brasil por conta de batidas que tinham, batidas policiais que tinham na Galeria Metrópole; já que era um lugar conhecido de circulação de homossexuais. Então, mais de uma vez, os policiais fecharam as entradas da galeria e levaram todo mundo pra delegacia, enfim, por motivo nenhum, porque era contra a moral e os bons costumes, essas coisas. E ai a gente entrava na Rua da Consolação. A Rua da Consolação era mais assim pra completar o caminho, pra não fazer tanta volta; aqui esse pedaço da Consolação não tem tantas coisas pra serem discutidas em relação a essa territorialidade, mas onde a gente parava era um ponto interessante porque a gente estava de frente pra casa do Baixo Augusta e do outro lado estava a Praça Roosevelt, e a Praça Roosevelt tanto lá pro final dos anos 80 era um lugar também de prostituição de mulheres trans, travestis e de encontro também dessa população quanto tinha casas noturnas, com apresentações artísticas também das travestis. Enfim, era uma área de encontro; mas recentemente, e ai está relacionado um pouco com a dinâmica da Augusta nos últimos 15 anos, a praça se tornou um lugar importante dos encontros de jovens, então você vai, talvez, a partir de quarta-feira à noite já esteja bastante cheio, mas se você vai na sexta, no sábado a noite, é um lugar que fica bastante gente, tem um fluxo ali bastante importante nessa área. No período do carnaval também, eu já fui em blocos que depois eram dispersados, porque tem um pessoal da Roosevelt que não gosta da Roosevelt tão cheia… A gente vai vendo que essa materialidade também do LGBTQI+ está lidando o tempo todo com forças repressivas, mas é um lugar importante nesse sentido tanto de um uso que tinha quando tinha toda aquela estrutura que o Maluf fez, que fazia parte do projeto do Minhocão, quanto depois quando ela foi reformada e ai já tinha um outro uso, pra outras pessoas e tal. A gente acabou não fazendo esse caminho da lateral do acesso do Minhocão, a gente entrou na Rego Freitas, aqui, bem do ladinho do ponto E [Rua da Consolação]… Acabei esquecendo, a Roosevelt também foi o lugar onde ocorreu a primeira manifestação pública, chamada por movimentos sociais na metade dos anos 90, se eu não me engano foi em 96, antes da primeira Parada teve um grupo de pessoas em 1° de junho que esteve presente na Praça Roosevelt pra se manifestar por direitos iguais, por respeito, então o lugar é uma espécie de Pré-Parada, antes da Parada acontecer na Paulista e tal. Então, é um ponto histórico importante; sem falar no conjunto de teatro, de sátiras, onde tem uma presença importante em relação às peças que eram exibidas e tal. Do lado do ponto E [Rua da Consolação] também tem a saída da Banda Redonda, na frente do Teatro de Arena Eugênio Kusnet, talvez seja esse o nome, talvez eu esteja enganado também, que antes desse boom dos blocos era o bloco de carnaval que ainda podia sair uma semana antes da semana do carnaval, porque ficava bastante gente também, era um lugar super de encontro da população LGBTQI+, então esse ponto E também é um ponto que dá pra juntar muita coisa; ai também é o ponto em que a Parada se dispersa atualmente quando vem da Paulista, enfim. A gente seguiu pela Rego Freitas e a Rego Freitas hoje em dia, mas nem tanto, inclusive por conta desse processo de amplificação que eu tinha citado no comecinho, mas a Rego Freitas nos últimos 20, 25 anos, era um lugar importante por concentrar um conjunto de casas noturnas, bares, direcionados pra essa população e também direcionado para o público de mulheres trans e travestis, então tem uma mudança aqui que é um certo reconhecimento de que a área em que elas estão e que elas podem sair pra se divertir, não só uma área de trabalho sexual; mas isso já não é mais assim, tirando, se eu não me engano a Danger, que é uma boate com apresentação de drags e tal, as outras casas noturnas que tinham ai foram fechando ao longo do tempo, e a Rego Freitas também é uma área de prostituição, só que de rapazes, mulheres trans e travestis se prostituem só no comecinho, da General Jardim pra cá, na Consolação, e os rapazes ficam com o resto da Rua Rego Freitas. Entrando na Amaral Gurgel, a Amaral Gurgel também é uma rua, uma avenida importante, é um lugar de presença para a população trans e de travestis, tanto de trabalho como inclusive era o lugar de moradia, fica de frente pro Minhocão, é bastante desvalorizado. Hoje em dia já não sei, tem prédio sendo construído de frente pro Minhocão, tem uma mudança de significado ali que é morar de frente pro Minhocão; mas na minha época, a minha avó conseguiu comprar um apartamento de frente pro Minhocão porque era mais barato, era um apartamento grande, de um prédio bem antigo, não tinha nem Minhocão, nem nada, mas nessa área mais pra baixo, e ela não abria a janela nunca porque ela tinha pavor de sujeira, então… É engraçado, não tinha o Minhocão… Mas voltando, ai onde está marcado F, hoje em dia… é um outro exemplo dessa dinâmica de mudança que já vem passando nos últimos 15 anos, ai acho que é um bar, uma espécie de um bar, não tenho certeza se isso é uma cama de gato, foi um dos últimos lugares quando eu estava fazendo a pesquisa que eu cheguei a ver que tinha sido aberto, então eu sei pouco mesmo, mas ele foi aberto onde era o Ibidius, que era uma boate tocada e chefiada pela Andréa de Mayo, que era uma travesti bastante importante nessa área, inclusive de receber e cuidar de outras travestis, mas também em algum momento cafetinar e controlar um pouco a dinâmica da marginalidade, digamos assim, dessa área. A Andréa de Mayo o foi uma figura bastante importante, que colocava a cara na mídia, eu lembro nos anos 90 quando ela foi… Ela era jovenzinha, quando ela foi num programa que não existe mais, chamava Programa Livre, apresentado pelo Serginho Groisman, a discussão era sobre o homossexualismo, foi ela e outras pessoas do movimento, inclusive se posicionar contra um deputado, na época acho que ele era deputado estadual, Afanásio Jazadji, ele já morreu, Andréa de Mayo também já é falecida, e ela era uma voz bastante intensa, marcante nesse debate, nos debates agora se parecia muito como pessoas como a Luciana Gimenez fazem, é muito contra produtivo, na maior parte das vezes, mas foi uma das primeiras vezes que eu tive contato com uma pessoa que estava discutindo direitos na mídia. Então, a Andréa de Mayo é importante de uma maneira geral e como relato pessoal ela é também alguém que eu lembro, faz parte da minha memória. Aí a gente andava um pouquinho até a Marques de Itu, a Marques de Itu nesse conjunto, ela era tida como uma rua, já nos anos 80, ela era tida como uma rua mais valorizada, porque tinha casas noturnas de mais bom gosto e tal, e na Marques de Itu ficava… Hoje em dia está o ABC Bailão, que é uma casa noturna mais voltada e com a presença de homens mais velhos, enfim, mas onde é o ABC Bailão ficava a Homo Sapiens, que era uma casa noturna importante, com shows. Tem um documentário chamado São Paulo em Hi-fi, que retrata esse momento, a abertura de outras casas noturnas, a repressão, enfim, quem tivesse pra fora da boate poderia ser levado pela polícia, no começo dos anos 80 e tal, um lugar importante era um lugar que empregava mulheres trans e travestis também, que não fosse pro trabalho sexual, entrando mais como um recorte artístico e tal. Aí a gente seguia até o Arouche. Pro lado esquerdo do Arouche, se a gente fosse seguir pra Santa Cecília, têm também algumas casas noturnas que existiam, ai onde a gente para no Arouche, é um pouco uma área que as pessoas não reconhecem tanto como o Arouche, quando pensam no Largo do Arouche, são umas áreas ajardinadas pequenas, nesse ponto tem uma escultura também, foi destruída e tal, mas o Arouche, também era a ideia que a gente desse uma parada e olhasse em 360º pra discutir um pouco as dinâmicas, os processos de mudança ao longo desses anos, então de um lado a gente tinha uma grande sauna gay, que tinha começado a funcionar há poucos anos, talvez tenha feito 10 anos, não sei, é coisa de um processo recente de mudança. A gente tem ai na frente o Cine Arouche, que é um cinema mais geral, que se converteu em um cinema pornô, e tem toda a discussão sobre a reforma do Largo do Arouche, um pouco mais à direita a gente tem uma área ajardinada maior, que ignora a presença LGBTQI+ histórica; e também naquele momento que a gente estava fazendo esse passeio ignorava essa presença, principalmente porque era uma presença com um recorte mais popular, de menor poder aquisitivo, de pessoas jovens que vinham da periferia pra se encontrar ali no Largo do Arouche; então é um ponto importante de resistência, pensando que tem um processo longo dessa presença que muda ao longo do tempo e não necessariamente vem assim uma passagem continua de “as pessoas vinham antes, outras pessoas vieram e conheceram, passaram a ir”; é uma situação curiosa do Largo do Arouche porque os jovens que passaram a ir a partir de 2010, eles sabiam que era um ponto de circulação da população LGBTQI+, mas eles não chegaram a essa área trazidas por essa população, eu creio que foram ocupando. Quando a gente entra na… que não era o caminho que está ai, porque eu não queria deixar maior do que já estava, e ainda assim a gente fez esse caminho, quando a gente vira na Vieira de Carvalho, é um lugar que até hoje tem um conjunto de bares e que são frequentados por essa população, e ai com um recorte, com outros recortes, especialmente um recorte geracional bastante forte, no sentido de que a gente pensa bar, casa noturna como uma coisa de pessoas muito jovens, e ai tem um conjunto de lugares onde vão pessoas mais maduras, inclusive idosos, por conta disso tem alguns apelidos, tanto pejorativos e tal, irônicos… na verdade não se usa mais, mas no começo dos anos 90 era comum que dissessem que ai só tem o INSS, que só tem aposentados e tal; uma comparação que se fazia inclusive durante a minha pesquisa era que lá no Largo do Arouche era um berçário e tinha um caminho até a Vieira, que as pessoas iam envelhecendo. Ai era o finalzinho e a gente volta pro Polis. Dois pontos, antes de terminar de ver, enfim, dois pontos que são sempre uma questão quando a gente vai falar cidade, LGBTQI+, territorialidade e tal, que esse é um termo guarda-chuva, não dá pra pensar nas pessoas que são dissidentes de uma norma mais ampla em relação a orientação sexual e identidade de gênero, mas tem um recorte, tem vários recortes que eu fui tentando fazer, que tinha a ver com classe social, com raça, pelos rapazes do Arouche, os mais jovenzinhos não iam pra se prostituir, iam só pra se encontrarem mesmo, vindos da periferia, são a maioria negros, tem uma presença importante nesse sentido, mas tem outra dificuldade que é dar conta de cada população, então a gente fala em população LGBTQI+, mas não necessariamente a gente vai falar de toda a população LGBTQI, é mais uma territorialidade de referência em processos históricos mais amplos. No ponto E [Rua da Consolação~], por exemplo, quando a gente olha para além da Roosevelt, se construiu lá no comecinho do Bixiga uma área de presença bastante grande de bares, que eram frequentados ou direcionados para mulheres lésbicas, mas que também já deixou de existir, e ao longo dos anos 90, ai com um perfil mais popular esse do Bixiga, ao longo dos anos 90 e com um perfil mais classe média e tal, na Vila Madalena também se constituiu uma área de presença de mulheres lésbicas, mas hoje em dia, não é que elas não estejam ai, mas é que não tem necessariamente lugares frequentados majoritariamente ou direcionados pra mulheres lésbicas. Então, tanto esse roteiro como outros, têm uma questão que é importante pra gente pensar, que aqui não há necessariamente um conjunto estabelecido, sedimentado, de lugares em que as mulheres lésbicas se encontram na cidade. Isso até seria interessante levantar alguns pontos, enfim, também não tem tantas pesquisas sobre mulheres lésbicas, então esse é outro gargalo; outra questão em relação as pessoas bissexuais que a gente poderia aventar que elas circulam por essa territorialidade sem necessariamente ter marcado assim um lugar de encontro pra essas pessoas. E outra questão é o cuidado no reconhecimento de que essa é uma área de presença de mulheres trans e travestis e é uma área também em que elas se prostituem, não é só uma área de prostituição, tem outras áreas de prostituição na cidade, de mulheres trans e travestis, que não necessariamente se convertem num lugar de referência, digamos assim, pra elas ou pra circulação dessa população. Em relação às outras letras, tem vários outros complicadores, a gente teria que explorar, a ideia era de trazer um panorama tanto do processo histórico quanto de algumas coisas que estavam acontecendo no momento. Acho que de uma forma geral é isso, até porque tem um ponto que é interessante de pensar o quanto as presenças, enfim, dessas populações e dessas outras letrinhas, elas também se dissipam um pouco com a maior popularidade da internet, então é bem provável de que tenha perfis, grupos em redes sociais em que as lésbicas se encontram e marcam pra ir a determinados lugares e tal, talvez na Augusta; a Augusta era um ponto assim importante em que essa circulação era um pouco mais difusa, não tem necessariamente essa coisa de que é gay, é só gay que vem aqui, é só lésbica e tal; essa região, por ela ter, historicamente ela ter essa presença, talvez ela tenha uma coisa um pouco mais marcada. É isso. 

No início você falou sobre a pandemia e as reverberações dela na população LGBTQI+. Eu queria que você comentasse um pouco os efeitos causados pela ausência desses espaços agora. 

Tem algumas questões que a gente pode pensar, inclusive com alguns dados que a gente já tem. Por exemplo, o Largo do Arouche tinha uma casa noturna, que fechou, não é difícil imaginar que tenham outros bares ou outros lugares mais comerciais em que as pessoas se encontravam e que um pouco ajudava a dar cara pra área. Tem lá a Boate X e tal, ajuda um pouco a identificar a área e tal, então tem isso de que tem alguns comércios que estão deixando de existir, isso é uma coisa inclusive pra gente pensar na ausência desses espaços de alguma forma, porque quando a gente coloca em perspectiva era muito comum ter um conjunto de casas noturnas e bares assim que meio que formavam um circuito, isso vem deixando de existir da forma como era sem que tenha um grande impacto sobre as pessoas. O que eu estou querendo dizer é que não tem mais necessariamente uma relação de afeto com esses espaços, tem memória, enfim, memória de quando as pessoas iam, mas um lugar como esses fashion não é mais uma coisa que as pessoas se importam tanto, até porque eu acho, é uma impressão mesmo, um pouco nessa dinâmica do que é essencial e do que não é essencial, esse tipo de comércio acaba caindo um pouco naquilo que pode fechar, naquilo que não é o que de imediato as pessoas tem que se preocupar e faz sentido; por outro lado, quando a gente vai pensar nas circulações, esse conjunto de estabelecimentos ajudavam também a criar um espaço de fluxo e de circulação, que não necessariamente era residencial, então é importante pra gente pensar que as pessoas que estão circulando, boa parte delas não mora ali, essa territorialidade que a gente está falando então não é uma territorialidade de bairro, no sentido mais, quando a gente pensa em bar, quando as pessoas falam Vila, tem esse nome de Vila, quando a pessoa fala, eu moro na Vila tal, é essa ideia de uma área onde você conhece as pessoas, enfim, se identifica, nasceu e morou toda a vida, eu gostaria de continuar morando lá, enfim, a circulação que tem ai, também por ser uma região central, não é uma circulação de bairro, então ela é feita principalmente pelas pessoas que não moram ai; não tendo esse tipo de dinâmica, a gente pode pensar no quanto essa identificação como uma territorialidade LGBTQI+, ela resiste, tem um processo ai também intenso de construção de prédios residenciais, na maior parte deles tem um perfil de morador e de comprador que é bem diferente das pessoas que circulam ai, então isso aponta um pouco para as mudanças que já vem acontecendo. Uma outra questão, que ai talvez mais uma preocupação, não necessariamente algo que já está acontecendo, tem a ver com a repressão; enquanto eu fui falando, nesses últimos 40, 50 anos, esse lugar continua sendo uma territorialidade LGBTQI+ reconhecida pelas próprias pessoas, por outras pessoas também, que não necessariamente fazem parte dessa população, continua sendo essa territorialidade apesar da repressão, então foram muitas as situações de repressão ou de violência; mais recentemente, inclusive, os jovens com os pais que fizeram parte de uma pesquisa, que eram interlocutores na minha pesquisa, deixaram de ir, a maior parte deles no Arouche, por conta de ações de repressão da presença deles lá, como foi o começo dessa coisa da reforma da praça e tal, de, segundo eles relataram, de ação da polícia de revista sem nenhum motivo, então é esse tipo de ação de repressão que eu imagino que seja uma coisa que pode continuar sendo, continuar sendo não, se tornar presente de uma outra forma, quando a gente vai pensar que tem estratégias pra controlar o vírus, que é exatamente desincentivando, impedindo as pessoas de circularem e ai, no que isso pode virar depois quando a gente vai pensar em populações específicas; a gente já tem assim um tipo de entendimento e de discurso que volta a criminalizar a periferia, “mas eles não ficam em casa”, é quase um cortiço, as pessoas descrevem a periferia como se elas estivessem no meio de um cortiço, “vivem todas amontoadas, não tomam banho”, e não é nada disso, tem a ver com as enormes dificuldades e desigualdades que a população da periferia passa, tendo em vista que boa parte das pessoas que circulavam ai eram, ainda são de extratos mais populares, os jovens que fizeram parte da minha pesquisa, em sua maioria também negros das periferias, não é difícil imaginar que esse é um perigo real de algum tipo de ação repressiva pra diminuir a circulação de determinadas populações nessa área, já que essa área mais recentemente voltou a ser valorizada pelo mercado imobiliário e tal, então é uma preocupação; já estava acontecendo na verdade.

Lendo a sua tese você fala um pouquinho sobre esse processo, que o Arouche se diz uma região diversa, só que o mercado imobiliário também se apropria disso.

Eles adoram usar esses termos, diversidade, moderno, contemporâneo, é um tipo de apropriação perversa nesse sentido, porque tem… usa uma linguagem pra tentar criar um tipo de identificação com a região, mas que por outro lado não necessariamente se identifica com a população que de fato está lá, o pessoalzinho mais jovem não vai ficar falando “esse lugar é tão contemporâneo”, não é isso, não é?

Você fala que a República e a Consolação, que você chama de Augusta, são territórios gays, mas são territórios de maneiras diferentes. Quando você se refere a isso, o que você quer dizer, quais são essas diferenças? 

Tem a área da Augusta, a Consolação, a Consolação pensando bairro, mas da Augusta e da Frei Caneca principalmente, entre a Augusta e a Frei Caneca tem um recorte muito claro, tanto nas casas noturnas como nos bares e lanchonetes que estão constituindo um pouco a paisagem… qual é a sua idade?

Eu completei 22 no mês passado. 

Você não pegou essa mudança, a Augusta era um lugar assim, aquele pedaço mais para o centro era basicamente um lugar de prostituição, quase todas as casas noturnas que depois abriram lá eram inferninhos, então era um lugar que assim, inclusive era mais barato morar lá, porque é nessa lógica de que a prostituição desvaloriza, de que o centro iria se desvalorizar, então era um lugar que não tinha esse perfil de classe média, de classe média alta tão forte, que depois foi sendo apropriado pelo mercado imobiliário quando passou a ter uma mudança de sentido assim das pessoas que iam com essa identificação mais alternativa, então começaram a abrir lugares que discutiam anarquismo, revenismo, enfim, só que tem o tipo de uso de classe de algumas dessas discussões, tem um tipo de apropriação que é bastante classista, e o que foi acontecendo foi essa mudança de algumas casas noturnas que eram de rua e tal, pra uma coisa mais classe média, mais limpa, e ai começam a sair as prostitutas, começam a comprar alguns imóveis, começam a derrubar imóveis, o que é muito caro, não é barato abrir um terreno desse jeito, você pegar um estacionamento e fazer um prédio, derrubar um sobrado e tal, e ai tem um processo nesse sentido que está muito ligado a jovem antenado, esse uso perverso de alguns usos. E a Frei Caneca e a Augusta, elas passaram um pouco a ter esse perfil; isso aparece principalmente na minha dissertação, nem tanto na minha tese, porque ao longo da pesquisa, a interlocução com os jovens que iam no Arouche de domingo, foi me mostrando que eles circulavam muito também na Augusta e pela Frei Caneca, a diferença era de que eles não entravam nas casas noturnas, nem nos bares, porque eles não tinham dinheiro; então tinha o pessoal que ia pra balada, entrando nos lugares, com circulação e entrada no lugar privado e tinha o pessoal que comprava a Catuaba, depois o Coyote, também a moda das bebidas vai mudando, aquelas vodcas com o nome esquisito, mistura Tang e tal, fica aquele negócio colorido… É que ficava na rua, a coisa era na rua, e que tinha uma coisa também de tentar, “eu vou ficar na rua sim, eu não tô nem ai”, enfim, tinham várias situações também de chamar a polícia pra tirarem esses jovens que estavam na rua de lá, então o problema não era necessariamente ter gay, poderia ter, desde que ficasse dentro do bar, dentro da balada, na rua não pode. Tem  uma coisa mais recentemente, antes de começar a pandemia e tal, que aconteceu no vão-livre do Masp, meio que aquele pessoal que eu fazia pesquisa, estava lá no Largo do Arouche, eles foram pro vão-livre do Masp, que é uma área aberta, se eu não me engano a Lina Bobardi também imaginou que ela fosse uma área das pessoas estarem, senão faria um prédio… enfim, eles iam lá se encontrar, bebiam, pegava caixinha, tocava funk, enchia de gente; no dia que eu fui acompanhar alguns desses jovens, eles me falaram que estava tendo… “Agora está tendo encontrinho no MASP, vamos lá, vamos lá pra você ver, você vai gostar”… É impressionante, porque a coisa no Arouche, eu acabei nem comentando, mas a minha pesquisa tinha dias que tinham 1.500 pessoas no Arouche, era muita gente e vindo de todos os lugares da cidade; nesse dia que eu fui no vão-livre do MASP, tinha mais ou menos umas 2.500 a 3 mil pessoas lá circulando. É uma loucura, mas ai como é que o pessoal em volta e o Estado, inclusive o museu lidaram com isso? Joga bomba de gás e não deixa mais essas pessoas entrarem. O que de ruim que essas pessoas estão fazendo lá? Nesse ponto tinha alguma confusão, mas assim, Vila Country tem confusão também, mas ninguém impede as pessoas de irem lá. São dois pesos e duas medidas. Eu achava muito massa, mas é um pouco a dinâmica da cidade, assim, certas pessoas não podem estar em certos lugares, eles adoravam estar lá e tocar funk, no vão-livre do MASP, na Paulista, era muito legal. Saudades.