Diante da crise do Coronavírus, Danielle Klintowitz e Felipe Moreira (coordenadora e pesquisador do Instituto Pólis respectivamente) discutem as perspectivas de mudança social durante e depois da fase mais grave da pandemia.
A cobrança de um Estado mais ativo, que tome medidas assertivas e adequadas às profundas desigualdades de nossa realidade, é reivindicação permanente. Além das ações emergenciais, é preciso repensar o modelo liberal de austeridade fiscal para construir uma nova perspectiva de futuro, em que as transformações sociais sejam possíveis.
“Não há dúvidas de que a pandemia da COVID-19 produzirá mudanças estruturais em diversas áreas da nossa sociedade. Tudo indica que teremos a curto prazo um futuro desolador. No entanto, caberá à nossa geração e ao nosso tempo decidir se consolidaremos um ‘futuro que repete o passado’ ou se iremos, coletivamente, enfrentar os desafios de acabar com esta pandemia e com a extrema desigualdade. O que será que vamos construir?”
Para conferir o texto na íntegra, publicado no Le Monde Diplomatique, clique aqui.
A indústria da incineração tenta entrar nos sistemas de tratamento de resíduos no Brasil desde o início dos anos 90, sempre com o argumento de que é “a melhor solução” para destinação dos resíduos domiciliares. Inicialmente as tentativas foram na cidade de São Paulo, mas a forte resistência da sociedade organizada não permitiu que isso acontecesse. Mais recentemente, essa investida das incineradoras está acontecendo em várias partes do país.
Com a pandemia do COVID 19, vimos a Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos recomendar ao governo federal, mais exatamente ao Ministro da Saúde, a queima de lixo contaminado. Porém, o texto na verdade indica que o melhor será destruir todos os resíduos urbanos. Destacamos aqui o ponto que diz: “são necessárias medidas para a imediata eliminação do lixo hospitalar, seja por meio da incineração, fornos industriais, ou autoclave, com o objetivo de conter a proliferação do COVID 19…”.
Chama atenção essa colocação sobre o “lixo hospitalar”, como se não houvesse sistema de tratamento operando no país. De fato tem-se diversas formas de tratamento dos resíduos sólidos de saúde sendo implementadas nos municípios e estados brasileiros, conforme vemos no gráfico abaixo (Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil (IBGE/Abrelpe, 2018-2019).
Observando o gráfico, o que é preciso ser feito é resolver os 36,2% dos resíduos de saúde que ainda são destinados sem tratamento prévio para aterros sanitários, valas sépticas e lixões. Isso é “uma coisa” e não cabe absolutamente misturar essa questão com “outra coisa” que é a defesa da queima de todos os resíduos passíveis de reciclagem e compostagem gerados em nossas casas, o que seria um verdadeiro absurdo!
Assim, no médio e longo prazo o que o Brasil espera é que os fabricantes, distribuidores, comerciantes e importadores assumam definitivamente sua responsabilidade, estabelecida na lei de 2010, de garantir o retorno dos 30% dos recicláveis para a cadeia da reciclagem, ou seja, custear os serviços de coleta de recicláveis e a remuneração justa pelo trabalho de classificação feito pelos catadores e suas cooperativas e associações. Às prefeituras caberá investir na estruturação de condições de trabalho dos 800 mil catadores avulsos e organizados, provendo espaços para a triagem com equipamentos adequados. Além disso, já está na hora das Prefeituras implementarem, a partir de hoje, a coleta separada da matéria orgânica e a compostagem dos resíduos residenciais gerados diariamente, dado que essa é sua atribuição. Imaginem 50% do total que geramos a cada dia virando um nutriente natural para regenerar nossos solos, garantindo alimentos saudáveis!
Pelo menos 80% dos resíduos são passíveis de reaproveitamento e poderão incrementar enormemente a cadeia da geração de trabalho e renda e trazer inúmeros benefícios ambientais e para a saúde humana.
Como o Brasil pós-covid 19 tratará os resíduos sólidos urbanos?
A pandemia do COVID 19 desvelou as condições precárias, estruturais de trabalho das cooperativas de catadores. Dada a ameaça de serem infectados pelo vírus, pela falta de condições dignas e adequadas de trabalho, essas trabalhadoras e trabalhadores viram-se em situação de extrema vulnerabilidade e fragilidade e a coleta seletiva operada pelo poder público foi suspensa na grande maioria dos municípios. 80% dos catadores pararam suas atividades. Um grande número de catadores avulsos continuou a coletar materiais nas ruas, correndo sérios riscos de contaminação, por necessidade absoluta de sobrevivência. Essa população, por sua vez, não teve até hoje programas públicos que promovessem sua integração em cooperativas estruturadas.
Leia aqui o texto de Elisabeth Grimberg, coordenadora da área de resíduos sólidos do Pólis, no Archdaily Brasil.
Moção pelo fortalecimento da coleta seletiva
Buscando preservar as condições para continuidade do trabalho dos catadores e de suas associações e cooperativas no contexto da pandemia da COVID-19, o Pólis, junto com outras organizações, apresenta as seguintes considerações e propostas. Leia aqui.
“…há também um vasto território com condições críticas de urbanidade onde moram os ‘longe de tudo’. A população desses lugares tem menor renda, está mais exposta às consequências da crise climática, às muitas horas de deslocamento casa-trabalho, à maior dependência dos serviços públicos, à precarização das condições de moradia e da saúde física e mental, e à Covid-19. A precariedade desses territórios é cotidiana e estruturante”
No primeiro mês da pandemia do Coronavírus no Brasil, o cenário de isolamento e os desafios para o enfrentamento da crise foram tema desta reflexão publicada no Jornal Nexo. Danielle Klintowitz (coordenadora), Jéssica Tavares (pesquisadora) e Felipe Moreira (pesquisador) do Instituto Pólis escreveram para a série Debates em 31 de março, enfatizando a necessidade de medidas especiais e adequadas à gravidade e à dimensão da pandemia, que se soma a tantas outras crises urbanas potencializando os efeitos das desigualdades na cidade.
“Se é verdade que não sairemos os mesmos desta quarentena, também é verdade que precisamos estar atentos para não sairmos “quase os mesmos”, sem resolver problemas estruturais que se agudizam em momentos de crise.”
O fortalecimento do Estado é apontado como caminho não apenas para o combate à crise do Coronavírus, mas também às crises estruturantes que tornam nossas cidades tão desiguais. Para conferir o texto completo, clique aqui.