Instituto Pólis apoia manifesto contra a criminalização da infância e juventude

O Instituto Pólis se uniu a causa erguida pelo Grupo de Trabalho (GT) Criança e Adolescência da Rede Nossa São Paulo. O recém elaborado manifesto da organização vai contra a redução da maioridade penal e convida diversas entidades e associações da sociedade civil a aderirem a causa.  O documento está em debate no Congresso Nacional e permanece aberto a filiações.

Disponibilizamos nesse espaço a  íntegra do manifesto:

 

Manifestação pública da Rede Nossa São Paulo contra a redução da maioridade penal

Contra a criminalização da infância e juventude.

Vivemos um cenário preocupante no Brasil em que para combater a impunidade e aumentar a segurança, vem sendo apresentadas, desde a década de noventa, alterações legislativas que endureceram o sistema penal.

Todavia, mesmo com a aplicação destas medidas, não houve de fato uma diminuição da violência e da criminalidade no país.

Agora a grande panaceia é a redução da maioridade penal. Trata-se da crença coletiva equivocada de que os “cidadãos de bem” estão à mercê de crianças e adolescentes perversos que são tratados de forma branda pelas leis do país. Acredita-se que um processo de aprisionamento que se inicie mais cedo, aos 16 anos de idade, resultaria na diminuição da violência quer seja pela via da punição exemplar e uma possível inibição do comportamento antissocial, quer seja pelo confinamento do adolescente nas unidades de privação de liberdade.

Tal perspectiva desconsidera que a violência é um fenômeno sistêmico de causas multifatoriais e que as abordagens devem ser, portanto, complexas e direcionadas não somente para o resultado, mas para as causalidades. Em países como a Espanha e a Alemanha em que houve a redução da maioridade penal, constatou-se que não ocorreu a diminuição da criminalidade.

A redução da maioridade penal vai frontalmente contra a Convenção sobre os Direitos da Criança ratificada pelo Brasil e por quase todos os países do mundo, com exceção dos Estados Unidos. Fere também a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Na Constituição Federal de 1988, os adolescentes com menos de 18 anos são considerados inimputáveis penalmente. Mas a lei não é branda! O ECA já responsabiliza o adolescente – de 12 a 18 anos de idade – autor de ato infracional, por meio de seis diferentes medidas socioeducativas, sendo que nas situações de maior gravidade, ele cumpre medida socioeducativa de privação de liberdade. Nos atos infracionais contra a vida, os adolescentes costumam ficar um período maior privados da liberdade, se comparado ao tempo de pena para adultos que cometeram crimes equivalentes. Não é simplesmente uma questão de alteração na lei. Cabe-nos, na verdade, promover a humanização do sistema de justiça para que realmente possibilite a reinserção do adolescente na sociedade.

As estatísticas desmentem a crença de que a sociedade é vítima destes adolescentes que cometem atrocidades. Os dados do UNICEF apontam que no universo de 21 milhões de adolescentes brasileiros, apenas 0,013% comete atos contra a vida.  E a Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), do Ministério da Justiça, publica um estudo em 2014 indicando que os jovens de 16 a 18 anos são responsáveis por 0,9% do total de crimes praticados no país. Ao considerarmos apenas os homicídios e tentativas de homicídio, o percentual cai para 0,5%. Em contrapartida, o Brasil ocupa o segundo lugar no vergonhoso ranking mundial de homicídios de adolescentes. Enquanto os homicídios na população total correspondem a 4,8%, este número salta para 36,5% ao considerarmos as causas de morte por fatores externos entre adolescentes. Segundo o Índice de Homicídios na Adolescência, se não houver mudanças conjunturais, teremos 42 mil adolescentes assassinados no Brasil até 2019. Os adolescentes e jovens são as principais vítimas e não os principais autores da violência na sociedade. Na maior parte, eles são negros, pobres, moradores das periferias dos grandes centros urbanos. E este fenômeno social vem se intensificando também nas cidades menores.

Na proposta da redução da maioridade penal existe uma máxima de que a justiça é feita quando se pune o agressor através de uma sentença que implique em sofrimento, em castigo. Quanto mais dura a pena, entenda-se, quanto mais “cruel a pena”, mais “justiça se fez”. Não é incomum ouvirmos expressões como: “quero que a justiça seja feita e ele apodreça na prisão”. O problema é que nesta perspectiva a justiça se transforma em ato de vingança e retaliação.

Se o objetivo é a reinserção dos nossos adolescentes na sociedade, não podemos concordar com o ingresso precoce deles nas prisões. O sistema carcerário do país está em colapso e não dispõe de mecanismos socioeducativos para a recuperação de um adolescente.  Nos últimos 25 anos, acompanhamos a promulgação de leis como a dos crimes hediondos (Lei nº 8.072/90) e de drogas (Lei n° 11.342/2006), o que resultou na superlotação das prisões, sem uma correspondente diminuição da criminalidade. Um modelo baseado no recrudescimento das leis e no aprisionamento em massa não resolve a questão da violência. É preciso que se construam políticas de segurança pública mais amplas.

A redução da maioridade penal é uma solução simplista e tira a responsabilidade do Estado e da sociedade na proteção integral e no compromisso de garantir as condições para o desenvolvimento da criança e do adolescente. É apaziguar momentaneamente os clamores populares, só que fechando os olhos para a roda que alimenta este sistema de injustiças, de violações de direitos e de violência: o descaso do Estado que não garante o acesso das nossas crianças às creches e à educação de qualidade; a falta de áreas de esporte, cultura e lazer; a ausência de políticas públicas efetivas em saúde mental para o atendimento da dependência química; a ausência de políticas de combate ao desemprego e subemprego para os pais e jovens.

A nossa proposta, portanto, é que o tema do combate à violência seja tratado na sua complexidade. E que a redução da maioridade penal não se apresente como uma medida compensatória pela insuficiência ou ineficácia das políticas públicas desde a primeira infância até a juventude e pela ausência de política de segurança pública no país.”