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20 anos do Estatuto da Cidade: entrevista com Renato Cymbalista

25/06/2021

Há semanas estamos nos aquecendo para um dos aniversários mais esperados de 2021, pois no dia 10 de julho, o Estatuto da Cidade completará duas décadas de existência! É ele que regulamenta o planejamento e execução das políticas urbanas de todas as cidades brasileiras, com a finalidade de assegurar que a função social da cidade e da propriedade sejam devidamente cumpridas, atendendo ao interesso social e ao bem coletivo.

Para celebrar o Estatuto e conhecer mais um pouco de sua história, conversamos com o urbanista Renato Cymbalista que, à época, era pesquisador do Pólis e acompanhou de perto toda a movimentação em torno da aprovação desta Lei Federal. Confira a seguir, a entrevista na íntegra:

  1. Como você descreveria os momentos que antecederam a aprovação do Estatuto da Cidade?

    Vendo em retrospectiva, no período que antecedeu a aprovação tínhamos a sensação de uma democracia em plena consolidação. Depois da Constituição de 1988 tivemos a aprovação de uma série de leis e regulamentação de sistemas federativos de políticas públicas, como o SUS (Saúde) e o SUAS (Assistência Social). A aprovação do Estatuto da Cidade nos indicava que as áreas de habitação e desenvolvimento urbano estavam no mesmo caminho de construção de um sistema, e isso nos deu muita energia e esperança.

  2. Qual foi a importância dos atores sociais neste processo e como se deu a participação da equipe do Instituto Pólis?

    O Estatuto da Cidade tornou lei uma das bandeiras mais importantes do movimento pela reforma urbana, que é a gestão democrática da cidade. Isso significa que todos podem ter voz nos rumos do urbanismo e do planejamento da cidade, principalmente os que sempre foram excluídos das instâncias mais técnicas, os mais pobres. Isso foi possível porque no início do século 21 a gente tinha movimentos de luta por moradia extremamente ativos e organizados em rede, em escala nacional e que puderam, mais do que ocupar esses espaços, construí-los.

    A participação da equipe do Pólis no processo foi em dois níveis. No primeiro deles, foi um momento de consagração para os técnicos mais sêniores do Pólis, que estavam lutando pela aprovação do Estatuto há muito tempo, e que estavam experimentando na esfera local muito do que o Estatuto propunha. De um grupo periférico no planejamento, assumiu um lugar de centralidade.

    Ao mesmo tempo, o Estatuto foi um momento excepcional para jovens urbanistas e advogados do Pólis, que estavam começando suas vidas profissionais, e tiveram um campo imenso de trabalho e projeção, algo fundamental no inicio de uma carreira profissional. Eu me incluo nesse grupo.

  3. O que se esperava a partir da aprovação do Estatuto? Você diria que essas expectativas foram atendidas ao longo de sua implementação?

    Podemos falar de dois tipos de expectativas: a primeira, do copo meio cheio, que esperava a partir do Estatuto ter maiores condições de legalidade para aplicar instrumentos com potencial de democratização da terra urbana, como o Parcelamento e Edificação Compulsórios, o IPTU Progressivo no tempo, as ZEIS, entre outras. Essa expectativa se cumpriu, esses instrumentos são aplicáveis. Por outro lado, expectativas mais utópicas, que esperavam uma revisão estrutural das desigualdades das nossas cidades, se frustraram em grande medida, pois as cidades são tão desiguais quanto eram há 20 anos em vários aspectos.

  4. Quais foram os principais desafios e entraves enfrentados desde a sua criação e quais instrumentos urbanísticos geraram mais conflitos?

    Em relação aos desafios e entraves, têm sido muitos. Dentro do próprio campo democrático, o Estatuto e as perspectivas de revisão das práticas de planejamento e planos diretores foi atropelada pelo Minha Casa Minha Vida, que não priorizou a localização central de empreendimentos habitacionais nem desafiou as dinâmicas de especulação com a terra urbana.  De um ponto de vista mais administrativo, a aplicação dos instrumentos mais democratizantes como o IPTU Progressivo revelou-se lenta e difícil. E, para finalizar, a onda recente de criminalização dos movimentos sociais colocou sob suspeita o agente mais importante em todo o processo, isso não era esperado há 20 anos.

  5. 20 anos depois de sua aprovação, quais são as mudanças notáveis? Você acha que as cidades de hoje são mais democráticas do que as do passado?

    As cidades mudaram muito nos últimos 20 anos. Vou analisar até a pandemia, porque depois disso o mundo virou de ponta cabeça e não dá para prever muita coisa. Teve mudanças para melhor e para pior. Para melhor, as cidades (pelo menos as maiores) estavam em um caminho de desafiar o transporte individual, tanto pelo caminho das redes de transporte de maior capacidade (corredores de ônibus, metrô, monotrilho) quanto pelos aplicativos, que estavam dando novas possibilidades de estar na cidade, não ter carro não era mais sinônimo de subcidadania. Outra melhoria foi a possibilidade de espaços mais instantâneos e performáticos, como a paulista pedestrianizada em São Paulo ou a Praia de Estação em Belo Horizonte. Esses espaços foram conquistados pela população que quis produzir e ocupar uma cidade, na marra, com diversos graus de adesão do poder público.Por outro lado, esse mesmo movimento de volta à cidade acabou agravando processos de segregação e gentrificação, fechando espaços de moradia para os mais pobres no centro das cidades.