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20 anos do Estatuto da Cidade: entrevista com Nelson Saule Júnior

02/06/2021

Fruto de muita luta e mobilização popular, a Lei Federal 10.257, mais conhecida como Estatuto da Cidade, está prestes a completar duas décadas. É nela que encontram-se as principais regras do desenvolvimento e planejamento urbano, para a construção de cidades mais justas, democráticas e sustentáveis, onde todes tenham acesso aos recursos, benefícios e oportunidades por elas oferecidas de maneira plena e igualitária.

Para dar início às celebrações, convidamos algumas pessoas que fizeram parte de sua criação, aprovação e implementação para compartilharem os momentos, desafios e expectativas desta trajetória. Essas pessoas fazem parte não apenas da história do Estatuto, mas também da do Pólis, que completa 34 anos em junho.

A seguir, vejam na íntegra a entrevista feita com o especialista em direito urbanístico, Nelson Saule, à época coordenador-geral do Pólis:

 

Eu tenho 5 perguntas. A primeira delas seria mais um resgate dos momentos que antecederam à aprovação do Estatuto da Cidade. Então, a gente gostaria que você contextualizasse um pouco esse momento, quais eram os movimentos que estavam acontecendo?

Pra fazer essa contextualização eu acho que é importante estabelecer claramente uma conexão de um processo que foi da elaboração da Constituição de 88, no final da década de 80, a Constituinte, onde o movimento na época da reforma urbana apresentou uma emenda popular pra inserir, uma agenda de reforma urbana na Constituição. Três elementos estavam nesse período como os elementos chaves, um era o reconhecimento dos direitos dos habitantes da cidade, naquele período a gente estava propondo como direitos urbanos; o segundo, um fortalecimento institucional, principalmente do Poder Público, mas em especial do município pra promover uma política do desenvolvimento urbano voltada para uma efetivação do cumprimento da função social da propriedade urbana, em especial e das cidades, e um terceiro sobre uma concepção de cidade democrática e inclusiva, com o princípio da justa democrática da cidade, e o reconhecimento da situação fática de como a maior parte da população das cidades vivem na sua relação com sua área onde vivem, o território, o bairro, que era a questão da posse social pra fins de moradia, principalmente pra população que vive nas favelas, nas ocupações, nos assentamentos informais de baixa renda consolidados, enfim, teve esses principais elementos. O Estatuto da Cidade é um desdobramento dessa proposta e também do próprio tratamento que houve na Constituição de 88, que alguns desses elementos estão presentes, como o fortalecimento do município pra promover essa política de desenvolvimento urbano, pelo instrumento do Plano Diretor, é obrigação dos municípios, passam a ter necessidade de fazer planejamento territorial pra todos os municípios com mais de 20 mil habitantes, os princípios da função social da propriedade das cidades ser incorporados como princípios da política urbana, a situação fática reconhecida pelo usucapião, do direito da moradia para quem está na posse de áreas urbanas por pelo menos 5 anos, pra essa finalidade, e vários elementos foram incorporados; o que não teve uma incorporação imediata, de forma importante, foi a questão dos direitos urbanos, que envolve principalmente a concepção do direito à condições de vida urbana digna, incluindo ai os elementos da moradia, do transporte, infraestrutura, energia elétrica, iluminação pública, saúde, enfim, todos os elementos inerentes e fundamentais para uma condição digna de vida nas cidades. E para a promoção dessa política, foi uma decisão da Constituinte de que era necessário para a promoção dessa política, em especial pelo município, uma lei federal de desenvolvimento urbano. Isso então foi um processo que desencadeou a construção e a elaboração do Estatuto da Cidade; depois logo da Constituição foram se apresentando alguns Projetos de Lei pra instituir essa lei federal, o que é importante ressaltar é que não foi nenhuma iniciativa de governo da época; naquele período era o governo Collor, quando foi estabelecido já o período para a elaboração dessa lei federal, depois o governo Fernando Henrique Cardoso, mas nenhum governo teve a iniciativa de apresentar um Projeto de Lei; na verdade foram parlamentares que passaram a ter essa iniciativa, e ai como marco referencial foi aprovado, já no ano de 90, um projeto de lei de um senador na época, Pompeu de Sousa, que ai justamente esse projeto já batizava com esse nome Estatuto da Cidade. Então, na década de 90, esse movimento da reforma urbana teve uma… que é formado por organizações de movimentos populares que se formam até hoje, ele continua ativo e atuante, o Instituto Pólis continua participando ativo do Fórum Reforma Urbana e desse movimento, então congrega também Organizações Não Governamentais, na época, além do Pólis, importante como organizações tinha a Fases, uma organização histórica que atuava em várias cidades brasileiras, com destaque principalmente no Rio de Janeiro e o próprio Ibase, fazia parte desse Fórum, associações profissionais de arquitetos, engenheiros, geógrafos e organizações de advocacia popular, no campo do direito, também grupos acadêmicos participavam da articulação, e também grupos de acadêmicos, que hoje até são de certa maneira representados pelo Observatório das Metrópoles, naquela época eram grupos mais de ativistas acadêmicos que participavam dessa articulação, desse movimento. Então esses atores buscaram durante toda a década de 90, eu não vou entrar em detalhes do processo na Câmara dos Deputados, mas o que é importante dizer é que sempre teve muita resistência de ser aprovado essa legislação, porque ele estaria gerando uma auto aplicabilidade do tratamento da política urbana na constituição e principalmente fortalecendo ai os municípios pra promover essa política pra cumprimento, principalmente da propriedade urbana ter a sua função social, então até teve deputados que eram ligados a Sebic, setor da construção civil, tinham seus representantes e ficou praticamente 4 anos segurando o processo pra emitir um parecer como relator, então teve muitas… um processo político muito tenso, intenso, durante mais de 10 anos para a aprovação do Estatuto. Esses foram atores favoráveis e atores contra e a condição favorável para a provação do Estatuto foi que conseguimos, na época, articular uma bancada de parlamentares de diferentes partidos, mais no campo progressista, principalmente, que principalmente no final dos anos 90 começaram uma articulação junto com o Movimento Reforma Urbana e até começaram pra ter uma mobilização mais forte na aprovação do Estatuto, a realizar conferências da cidade no Congresso Nacional, que foi uma articulação muito importante de mobilização da sociedade civil, tendo como um foco principalmente a aprovação do Estatuto da Cidade naquele período.

 

Eu queria resgatar o que você disse logo no começo da sua fala, que foi sobre usucapião, a gente sabe que no processo de formulação do Estatuto da Cidade alguns instrumentos geraram muito conflito, um deles foi o usucapião e também a outorga onerosa, que foi visto mais como mais um imposto ou algo do tipo. Eu queria que você comentasse um pouco mais sobre esses conflitos que se acirraram durante esse período.

Na verdade o usucapião não teve tanto conflito, porque ele já estava na constituição e era mais a questão dele ser incorporado na perspectiva dele ser reivindicado e declarado de forma coletiva, o que teve mais polêmica, na verdade foi porque na constituição, essa polêmica vem desde a verdade do processo da constituinte, é que o usucapião foi proibido pras áreas públicas. Aqui em São Paulo, por exemplo, como vocês sabem, a maioria das favelas estão situadas em áreas públicas, são mais de mil favelas, pelo menos naquela época já tinha um mapeamento, sem ser das favelas, então mais de mil favelas estavam todas situadas em áreas públicas, e a maioria municipais, isso também é uma realidade de várias outras cidades brasileiras, então como foi proibido o usucapião pra reconhecer direito de posse social pra moradia da população dessas favelas se consolidasse, como é o caso de Heliópolis, já tem mais de 50 anos, como um exemplo clássico, essa era uma questão fundamental de como ficaria a situação dessa população toda, de reconhecer uma proteção do seu direito à moradia. Esse acho que foi realmente um ponto chave na discussão do Estatuto, de como seria reconhecido esse direito; no final foi aprovado o instituto da concessão de uso pra fins de moradia no Estatuto da Cidade, que reconhecia, mas nos mesmos termos do usucapião, esse direito, nos mesmos requisitos estabelecido; mas foi sempre polêmico, se colocava que isto estaria sendo inconstitucional, porque estaria legislando sobre patrimônio e bens públicos de outros entes federativos, por ser uma lei federal, então estaria ferindo a questão da competência dos estados federados e municípios, e também ferindo o meio ambiente, porque essas áreas públicas são áreas que são consideradas formalmente como áreas verdes, praças principalmente, são a maioria, e estaria então lesando todo esse tratamento da proteção dessas áreas públicas; mas se logrou no final, até com pareceres que a gente conseguiu articular na comissão de justiça, a condicionalidade dessa proposta, ela foi aprovada, só que no final, quando foi pra sanção, na época o governo Fernando Henrique, o governo vetou esse instituto, e depois teve uma negociação com o governo, ai direto, porque antes, como eu falei, o Estatuto não tinha uma relação direta com o governo, era uma lei que tinha sido construída basicamente pela Câmara, pelo parlamento Senado – Câmara, e só no final mesmo que o governo teve que se manifestar pra poder sancionar a lei, e ai foi vetado tanto esse aspecto com esses argumentos de que ia incentivar novas ocupações nas áreas públicas, reconhecendo esse direito; no final, não vou entrar em detalhes, foi feita uma Medida Provisória, logo em seguida a aprovação do Estatuto, que é a 2220/2001, que então instituiu a concessão de uso especial pra moradia, que é a Coem, só que com uma limitação que teve na época, enfim, mas que foi fruto da negociação com o governo de que só teria esse direito as pessoas, enfim, as comunidades que tivessem atendido aqueles requisitos da posse até o ano da edição da lei; quer dizer, até 2001 quem tinha a posse, como o caso do pessoal da favela do Heliópolis, por exemplo, poderia reivindicar esse direito, agora, as novas ocupações que passariam a ocorrer a partir de 2001, não seriam reconhecidos; e também trazia problemas, por exemplo, se você tinha 4 anos até 2001, ai mais um ano você já completaria os 5 anos, ai essa população que deveria ter o direito, não teve, então esse foi um ponto crítico, mas no final foi avaliado que era melhor ter a Coem, que já ia incorporar a maioria das favelas situadas em áreas públicas, do que não incorporar, então foi uma conquista, depois foi bem importante a conquista da Coem dentro do Estatuto da Cidade. Eu diria que esse foi um ponto crítico; outro ponto crítico que se estabeleceu foi a questão da gestão democrática, tinha sido proposto também um sistema nacional de desenvolvimento urbano, com essa perspectiva da gestão democrática, e esse capítulo não foi incluído no Estatuto, e ai nessa negociação que teve, nessa Medida Provisória, se instituiu o Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano, que praticamente foi embrião, com relação ao Conselho das Cidades, que depois foi criado no primeiro governo Lula, quando foi criado o Ministério das Cidades, logo em seguida foi criado o Conselho das Cidades, mas também foi fruto desse momento político com relação à questão do estabelecimento de um sistema, chamado democrático, pra política urbana. A questão metropolitana também foi bem polêmica de se tratar no Estatuto da Cidade, no final não se tratou e ai foi um problema, eu acho que esse é um dos problemas críticos também de ter deixado praticamente sem nenhum tratamento a questão das regiões metropolitanas, isso gerou um problema que ai vários estados começaram a criar vários tipos de regiões, áreas metropolitanas, sem nenhum requisito, esse é um problema que se tem até hoje, dessa problemática da questão metropolitana. É claro que o ponto mais crítico, na verdade foi a regulamentação dos instrumentos para o cumprimento da função social da propriedade, esse que era o ponto de negociação chave de como seriam tornados autoaplicáveis esses instrumentos, e principalmente no sentido de fortalecer, principalmente o município, pra aplicar os instrumentos, então desde os conceitos de subutilização, o que seria subutilização, estava em disputa, ai principalmente tinha um lobby forte das igrejas de não considerar o outro instrumento importante que também foi colocado, que era o relatório de estudos impacto e vizinhança, que não fosse atingido as igrejas como atividade de incômodo, então esses pontos foram os mais críticos. Eu diria que esses outros instrumentos vinculados ao direito de construir, na verdade outorga onerosa foi até uma proposta que veio, que era também defendida pelo próprio movimento de reforma urbana até como base na perspectiva justamente, o ponto tenso era de você tornar o direito de construir como um direito público, separando do direito de propriedade, esse foi um debate bem intenso também, principalmente naquela perspectiva de que o direito de construir fosse considerado como um direito para apenas um coeficiente igual a 1, quer dizer, então todas as pessoas poderiam construir uma vez a metragem do seu terreno, e tudo o que fosse acima desse direito igualitário passaria a ser praticamente como um direito, vamos dizer assim, ou uma atribuição do poder público, então esse ponto foi bem polêmico, principalmente essa questão de uma separação ou de estabelecer como um direito público, o direito de construir. Esse eu destacaria também como uma discussão bem importante que foi na época, e ai no final a outorga onerosa foi reconhecida, tem um coeficiente único estabelecido, mas ai se jogou essa arena política de decidir como seria esse coeficiente, se seria único, se seria 1, para os municípios, na elaboração dos processos do Plano Diretor; e, claro, boa parte da aplicação desses instrumentos foi claramente condicionados a edição do Plano Diretor, que também teve um tratamento importante no Estatuto, principalmente com relação ao que deveria ser o conteúdo mínimo, um processo de participação popular, enfim, a ampliação dos municípios que deveriam ter a obrigatoriedade do Plano Diretor, vários elementos que o Estatuto trouxe também de forma importante.

Pra você, além de toda esses conflitos e de toda essa disputa de narrativas, quais eram as expectativas que rodeavam aquele momento, o que era esperado de fato do Estatuto da Cidade e você acha que hoje, analisando todo o decorrer de sua implementação, ele cumpriu com o esperado? Como foi?

Então, acho que na época tinha uma… vamos dizer assim, uma questão muito importante que foi inserido no Estatuto da Cidade, que era a concepção de direitos, então esse foi um elemento fundamental do reconhecimento do direito à cidade, dentro do estatuto, o movimento da reforma urbana, ele foi se desenvolvendo e foi evoluindo na sua agenda, principalmente nessa década de 90, com uma perspectiva de defender o direito à cidade, que como eu falei, na Constituinte a visão era um pouco diferente, eram direitos urbanos numa perspectiva mais dos direitos individuais dos habitantes da cidade, e foi evoluindo, foi progredindo na construção da visão do direito à cidade, na própria agenda do movimento reforma urbana para a perspectiva de um direito coletivo, como um direito humano coletivo, muito similar ao direito ao meio ambiente, mas com a perspectiva de ser um direito dos habitantes da cidade, fazendo uma conexão com o elemento, condições de vida digna na cidade, funções sociais da cidade e a gestão democrática da cidade, esses 3 pilares do direito à cidade; foi bem importante, foi bem celebrado e praticamente a partir dessa aprovação do Brasil, se virou uma referência o Estatuto da Cidade pra toda a perspectiva de internacionalização do direito à cidade como um direito humano; foi bem praticamente no mesmo período em que começou os fóruns mundiais, aqui no Brasil, em Porto Alegre, e ali nesse espaço do fórum se articulou também toda essa temática sobre as questões urbanas e o direito à cidade, pra construção da carta mundial do direito à cidade, que teve uma base de referencial importante justamente daqui da experiência do Brasil, que virou um marco referencial. Eu lembro que até o Instituto Pólis, vale a pena se resgatar e levantar na biblioteca, tem umas publicações do Estatuto da Cidade em inglês, que foi publicado logo em seguida, juntamente com o Uni Habitat, junto com o Instituto Pólis, justamente por causa desse reconhecimento internacional. O outro, claro, era a questão se fortalecer a perspectiva da democracia e da participação política nas cidades, com a questão da gestão democrática eu acho que esse foi um ponto fundamental e que gerou, logo depois do Estatuto, quando teve a obrigatoriedade de se elaborar os Planos Diretores, pelo Estatuto, que ele tinha dado o prazo de 5 anos na época, de construção e articulação de processos políticos nas cidades, pra ter planos diretores em consonância com essa agenda de reforma urbana, do direito à cidade, do Estatuto e que foi o que ocorreu, ai já até com uma condição de ter o Ministério das Cidades, que incorporou essa agenda e até fez uma campanha, na época muito importante, que era do Plano Diretor Participativo, então isso só foi possível porque estava inserido dentro do Estatuto, e é claro que ai tem que se fazer o balanço, a avaliação de como foi o resultado desse processo político, mas numa perspectiva de disseminação da visão, da concepção que estava no Estatuto da Cidade, eu particularmente considero positivo esse período da década passada, quando foi esse processo da elaboração desses primeiros planos diretores, com base já no Estatuto da Cidade. Houve um terceiro, que o ponto crítico foi a questão fundiária que tinha muita expectativa, já que tinha sido adotado o usucapião, a própria Coem, a diretriz da regularização fundiária e da urbanização dos assentamentos de baixa renda, acho que havia uma perspectiva de ter tido um… vamos dizer assim, bem  ampla a aplicação e a adoção dessa política nas cidades brasileiras de forma, vamos dizer assim, mais massiva, tentando ser um pouco mais claro, e esse acho que é um ponto crítico que precisa ser avaliado porque não se chegou a um processo de uma política estratégica urbana e de habitação que incorporasse claramente esses dois elementos, a urbanização e a regularização fundiária; é claro que tem muitas experiências, se alastrou bastante nos planos diretores com a inclusão de várias áreas como zonas de interesse especial social, em várias cidades como aqui em São Paulo mesmo, enfim, praticamente as grandes cidades teve lutas para essa questão da regularização fundiária, mas enquanto uma perspectiva de uma política consolidada, nós não temos essa questão, mesmo para a aplicação dos institutos, então um a programa que apoiasse as comunidades pra entrar com usucapião, uma ação mais articulada até do próprio governo com o setor do judiciário pra fins da sensibilização e tratamento dessa temática fundiária, enfim, teve iniciativas, mas ela não gerou o impacto que deveria, na minha opinião. E o terceiro ponto que me parece importante é que teve vários instrumentos que se tinha a perspectiva de serem utilizados pra também promover ações  de maior igualdade social e territorial, reversão dos investimentos e considerando a aplicação dos instrumentos do Estatuto, e isso praticamente não ocorreu, com raras exceções, São Paulo é uma exceção, que utilizou a outorga onerosa pra fazer vários projetos de urbanização, regulação fundiária na cidade, mas considerando a realidade do Brasil, essa perspectiva desses instrumentos serem voltados pra esses objetivos mais sociais, esse acho que é um ponto crítico da aplicação do Estatuto.

 

Você comentou sobre as publicações internacionais e todo o reconhecimento do Estatuto. Por último, eu gostaria que você falasse um pouquinho mais sobre o papel desses atores sociais e também do Instituto Pólis, tanto na criação, que você já comentou, quanto na consolidação do Estatuto da Cidade.

Acho que com relação a atuação do Fórum e do movimento reforma urbana, sem dúvida teve um papel relevante nesse papel todo histórico da formulação do Estatuto, mas também na própria perspectiva da sua implementação, principalmente quando se estabeleceu o Conselho das Cidades, que era um conselho voltado pra atuar na construção dessas politicas habitacionais, vinculado ao Ministério das Cidades, e teve uma articulação muito grande desse movimento pra construção de processos mais participativos de mobilização, então as conferências das cidades que foram realizadas, pra construção dessas politicas, eu acho que foi fundamental a participação de todas as organizações do Fórum da Reforma Urbana, com certeza, e na construção da formulação dessas politicas, com essa visão da agenda da reforma ter sido incorporada, ai eu destaco, por exemplo, em 2010 nós tivemos um fórum da reforma urbana mundial aqui no Brasil, que é o fórum organizado pela ONU Habitat, de 2 em 2 anos, pra estabelecer um diálogo com todos os setores, segmentos que atuam nessa questão dos assentamentos humanos, cidades, agenda urbana, e esse Fórum Urbano Mundial teve justamente como o tema principal o direito à cidade, justamente por essa articulação que foi feita destes movimentos e das organizações que estavam no fórum, o Instituto Pólis já tinha uma articulação internacional enquanto redes e outros movimentos internacionais, e a gente conseguiu articular institucionalmente a temática do direito à cidade, que vinha dessa mobilização toda dos fóruns sociais mundiais, com a Carta Mundial de Direito à Cidade […] de ter construído um fórum institucional, com a temática do direito à cidade, que criou a primeira condição de ter realmente um destaque, uma relevância da discussão do direito à cidade numa esfera mais internacional da própria Nações Unidas, e  o Instituto Pólis contribui pra principalmente… tem contribuído desde a época da Constituinte na construção, na formulação dessa visão, dessa concepção do direito à cidade, participando ativamente na construção da Carta Mundial de Direito à Cidade, participando depois ativamente na construção dessas politicas nacionais junto ao Conselho da Cidade, e seguindo, porque hoje a gente, dentro dessa perspectiva, até do próprio balanço dos 20 anos, como nós estamos já há 6 anos atuando na coordenação da plataforma global pelo direito à cidade, nós conseguimos levar um pouco essa experiência desse trabalho aqui do Brasil, de advocacy, de mobilização, pra conferência que houve em 2016, o Habitat 3, que constituiu a nova agenda urbana e nós, o Pólis, atuamos dentro dessa plataforma com muita… com bastante capacidade, condição de ter construído dentro dessa rede internacional, uma condição política de ter inserido na nova agenda urbana a visão de direito à cidade, que ela está inserida; e agora nesse balanço dos 20 anos já está desenhado, como também está se fazendo um balanço da nova agenda urbana, nós nesse ano, provavelmente no segundo semestre, vamos fazer alguns diálogos, alguns debates públicos, principalmente aqui na América Latina e Caribe, desse balanço, tanto da nova agenda urbana e dos 20 anos do Estatuto da Cidade, no sentido de estar fazendo essa avaliação, esse balanço, uma dimensão mais articulada, pelo menos aqui na América Latina e Caribe, e vamos também construir essa perspectiva mais no campo internacional também, dentro da plataforma global.

 

Você gostaria de acrescentar alguma coisa?

A questão do balanço do Estatuto da Cidade, está tendo muitos eventos, acabei de participar de um agora de manhã, o Seminário Internacional de Direitos Humanos, então acho realmente que dentro desse balanço é importante a gente pensar que questões são chaves hoje, que na época quando se discutiu o Estatuto, não estavam tão presentes, assim, quanto às prioridades. Então pensando nesse balanço hoje do Estatuto da Cidade tem alguns temas que a gente já tem trabalhado no Instituto Pólis, que me parece que precisam ser destacados; acho que a própria compreensão e consolidação do que é a visão do próprio direito à cidade, acho que é fundamental nesse momento, considerando tudo o que a gente está vivendo, todos os problemas que a gente está tendo aqui no Brasil nesses últimos anos, com a pandemia, a questão também da dimensão do meio ambiente, toda essa problemática das mudanças climáticas, me parece que é uma questão chave hoje pra gente aprofundar nesse balanço; a questão da discriminação, é uma questão que agora está emergindo em vários estudos, debates, principalmente a questão racial, a questão da cor, essa temática não foi um tema que entrou na época da discussão do Estatuto da Cidade, mas hoje a questão da cidade sem nenhum tipo de discriminação é fundamental; a dimensão da cidade e diversidade cultural, inserindo também a questão da dimensão cultural e os espaços públicos também; claro, questão de gênero, mas eu acho que nesse aspecto está mais avançado, até nas próprias agendas globais isso é bem colocado, a própria nova agenda urbana, mas eu acho que a questão racial realmente é uma questão chave hoje pra pensar como aplicar o Estatuto da Cidade na nossa cidade. E também em razão da pandemia, fortalecer mais o papel significado hoje da atuação do Poder Público, que nos últimos períodos estava sendo muito questionado essa questão da atuação do Poder Público principalmente no campo econômico, aí entrava claramente a questão da propriedade, propriedade da terra, propriedade fundiária, então em razão da pandemia tem um novo paradigma de fortalecimento e de atuação, realmente da intervenção do Estado pras questões sociais, e me parece que a gente tem que aprofundar mais o que nós queremos enquanto papel do Estado e da intervenção nas cidades, das politicas nas cidades que foi se enfraquecendo, a meu ver, na visão do próprio papel e responsabilidade do Estado nas questões sociais, me parece que esse é um elemento chave pra discutir hoje o que deve ser uma política urbana de desenvolvimento territorial e de construção de uma cidade, na concepção da justiça social, do direito à cidade e dos direitos humanos, e da democracia.  Seria só isso a acrescentar.