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A economia solidária e a crise europeia

27/07/2016

Especialistas trocaram visões e experiências acerca da economia solidária ao redor do mundo

Já há algumas décadas, inúmeras experiências de Economia Solidária têm sido desenvolvidas no Brasil. São moedas sociais, cooperativas, coletivos, e diversas outras formas que se materializaram na busca de um novo modo de vida, mais justo, libertário, democrático e sustentável. Tais experiências surgem lideradas por aqueles que, ao se virem excluídos desse sistema, buscam garantir a inclusão e a participação da sociedade civil na resolução de problemas surgidos de uma economia política e socialmente desigual.

Na Europa, que luta para sair de um período de crise que se iniciou nos Estados Unidos há quase dez anos, organizações sociais se uniram no projeto SUZY – Sustainable and Solidarity Economy (Economia Social e Solidária – SSEDAS, em português). Trata-se de uma rede financiada pela União Europeia para a troca de experiências em Economia Solidária e de uma união de forças para impulsionar iniciativas nesse âmbito. O SUZY nasce para exigir políticas públicas de apoio a esses projetos e ações voltadas para a garantia de direitos políticos, econômicos e sociais. Elisabeth Grimberg, coordenadora de Resíduos Sólidos no Instituto Pólis, participou do Tour Economia Social e Solidária 2016, promovida no âmbito do projeto SUZY, que percorreu doze cidades em quatro países europeus: Bulgária, Eslovênia, Croácia e Portugal. Levando exemplos de prática de economia solidária no Brasil, Elisabeth ministrou 11 palestras sobre o tema Políticas Públicas e Inclusão das Cooperativas de Catadores.

Foram trinta e cinco dias compartilhando experiências  vindas de vários lugares do mundo, do dia 20 de maio ao dia 24 de junho. Grimberg teve a oportunidade de conhecer 13 práticas de economia solidária no âmbito rural e urbano por meio de visitas técnicas. Em entrevista, a coordenadora de Resíduos Sólidos comenta sobre o tema e como foram esses dias compartilhando informações e experiências.

beth na tour

Instituto Pólis: O que significa a Economia Solidária?

Elisabeth Grimberg: Esse é um conceito que surge em meados da década de 90, cunhado pelo professor Paul Singer, para denominar um conjunto de iniciativas originadas na sociedade civil para a geração de trabalho e renda com gestão autônoma. Sob forma de gestão coletiva e com relações horizontais, as cooperativas garantem a distribuição igualitária dos recursos advindos dessas iniciativas.

IP: A Economia Solidária é vista como uma das alternativas de solução para a crise econômica?

EG: Acredito que cada país está se adaptando de diferentes formas. As visitas que realizei na Bulgária e na Croácia mostraram um número significativo de iniciativas de entidades atuando junto a pessoas em situação de vulnerabilidade: pessoas com necessidades especiais, idosos, pessoas de baixa renda etc. Senti que muitas dessas iniciativas têm caráter de assistência social e são fundamentais para dar suporte às pessoas, mas na visão do Pólis seriam mais exemplos de entidades que substituem o papel do Estado e não promovem exatamente a emancipação social, ainda que o valor deste trabalho seja inquestionável. Já na Eslovênia, as iniciativas apresentadas são voltadas para o questionamento do sistema capitalista e trazem ferramentas para pressionar o Estado e a União Européia, e partem principalmente dos jovens, que pautam, por exemplo, decrescimento econômico (“Degrowth), o pagamento de impostos devidos por grandes empresas (“Justice Tax”) e o comércio justo (“Fair trade”).

No caso de Portugal, pude interagir com experiências de economia solidária, como em Rio Maior, na Terra Chã, em Lisboa, no CIDAC, em Palmela, na Adrepes, onde estão acontecendo ações concretas no território, visto que há uma vitalidade e multiplicidade de iniciativas em curso. Isso embasa fortemente o argumento de que outro tecido socioeconômico é possível ser fortalecido para fazer frente à crise econômica e social que vive a Europa e a grande maioria dos países dos outros continentes.

IP: Como a presença do socialismo soviético nos países do leste influenciou o investimento em Economia Solidária no país?

EG: Na Bulgária, foi fundamental entender o impacto negativo do socialismo no que diz respeito a como foram formadas as cooperativas neste período, dado que foram impostas pelo Estado. Foi interessante esclarecer as diferenças entre a construção imposta e os processos, como por exemplo no Brasil, de criação desde a base das cooperativas, que é um dos significados de Economia Solidária – a iniciativa coletiva, autogestionária, democrática, igualitária. Foi forte constatar as marcas negativas do socialismo sobretudo sobre as pessoas mais velhas. Os jovens que se manifestaram veem alguns aspectos positivos no socialismo e são abertos ao cooperativismo. Existem, portanto, visões divergentes em relação aos benefícios e perdas no período socialista. Já na Eslovênia, os jovens de diversas instituições com os quais tive contato se colocam favoráveis ao cooperativismo e à economia solidária.

IP: O que o Tour trouxe de novo em questões relacionadas à Economia Solidária?

EG: Creio que o cruzamento de projetos que foram apresentados na Eslovênia e em Portugal, especialmente, mas também na Bulgária e Croácia poderia trazer uma nova perspectiva para a discussão de economia solidária, porque trazem para o debate internacional novos rumos para a transformação profunda da sociedade capitalista. O inovador do campo da economia solidária é a existência concreta de projetos, ações em rede e cooperativas que indicam a viabilidade concreta de desenvolvimento com base em modos de vida mais justos, libertários e ambientalmente duráveis.

IP: Qual é a realidade dos catadores de materiais recicláveis nos quatro países?

EG: Na Bulgária e Portugal, parece haver realidades similares ao Brasil, onde existem  catadores avulsos que coletam recicláveis nas ruas, mas sem estarem organizados de forma associativa. Foi possível ver várias cenas, especialmente em Gabrovo, na Bulgária. Também surgiu nos debates a reflexão de que este serviço ser realizado não apenas pelas grandes empresas, em geral multinacionais, mas também por redes de cooperativas, o que geraria uma nova frente de trabalho socialmente inclusivo.

 

Assista também ao vídeo elaborado pelos organizadores da Tour Economia Social e Solidária:

Elisabeth Grimberg faz um balanço da Tour Economia Social e Solidária 2016 e deixa sugestões para a conciliação da preservação ambiental e da inclusão social, no âmbito da gestão de resíduos sólidos urbanos.

Veja também:

(Vídeo) Cooperativa de catadores é exemplo em Economia Solidária