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Apropriarte – A arte como reencantamento da cidade
01/09/2011Era mais uma tarde de sábado comum na Praça da República. Garoava o tempo todo, e um vento gelado cortava o rosto de todos. Apesar disso, a feira estava a todo vapor, com barracas vendendo todo tipo de coisas: bijuterias, bolsas, acessórios para cachorro, tempurá, fogazza, yakissoba… foi então que uma barraca diferente se ergueu, para oferecer, gratuitamente, algo às pessoas que não havia na feira: arte e cultura.
Tinha início o evento Apropriarte, organizado pelo Pontão de Convivência e Cultura de Paz do Instituto Pólis em conjunto com o Ponto de Cultura Tá na Rua (RJ), com o intuito de discutir, através da arte, a apropriação do espaço urbano. Durante a tarde inteira, os trabalhadores da feira, transeuntes e moradores de rua ouviram música, poesia, depoimentos; assistiram e participaram de danças e performances. O evento também foi transmitido ao vivo via webrádio.
Alexandre Santini, ator do Tá na Rua, apresentou o espetáculo, anunciando e entrevistando as pessoas que faziam as intervenções artísticas e convidando às pessoas a participarem: “Para quem está alimentando o corpo na feira, depois venha para cá, alimentar o espírito”.
A música foi diversificada: de duetos de violão ao saxofone, do DJ do grupo Vinil é Arte à uma bela dança cigana do Pró Cultura Cecap de Guarulhos. Os poetas, Hamilton Faria e Raquel Naveira declamaram seus poemas sobre a cidade, o mundo e sua vida pessoal.
Além disso, representantes de movimentos culturais e movimentos sociais discursaram, expondo suas bandeiras de luta, e moradores de rua também tiveram espaço para se manifestar.
Confira abaixo entrevista com Hamilton Faria, Coordenador do Pontão de Cultura e Convivência de Paz e membro do Instituto Pólis:
O que é o Apropriarte?
Hamilton Faria: A ideia do Apropriarte é se apropriar dos espaços urbanos através de arte de qualidade e diálogo público. Assim requalificamos os espaços urbanos. Quando o Pontão de Cultura de Paz começou a entrar no seu segundo ano, nós programamos duas experiências, uma no Rio e outra em São Paulo, com uma proposta de conversa e diálogo público, para construirmos uma
Artemedologia de intervenção urbana. É uma coisa simples, com uma rádio Web, um animador que vai montando as entrevistas, os diálogos, as intervenções artísticas e conversas com o público sobre temas variados.
Apesar da simplicidade, é preciso ver com que público e em que lugar você está dialogando, como tornar este lugar um espaço de arte e educação, como utilizar as novas tecnologias para potencializar essa ação e como usar a linguagem artística para comunicar melhor. Esse evento, que foi feito no Rio e São Paulo é na minha visão extremamente importante no contexto das cidades no mundo contemporâneo.
Muitas coisas acontecem hoje com jovens e novas tecnologias, no espaço da rua. Você vê isso na Inglaterra, nos países árabes, aqui. O grande ingrediente é o diálogo e a convivência e cultura de paz. Os eventos não querem simplesmente se apropriar artisticamente do espaço público, mas também desenvolver esse trabalho com cultura de paz.
O que é a artemedologia? Como surgiu esse termo, e como é possível criar uma?
Hamilton: A artemedologia foi uma criação do Pontão, porque percebemos que metodologia é algo científico, com técnica. A arte é portadora do sensível, da criatividade, do imaginário. Então tínhamos que juntar as duas coisas. Não é uma metodologia rígida; se não entrar o espontâneo, a criação, o anárquico, você não consegue se comunicar nesse caos urbano que vivemos. Por isso utilizamos esse termo: é uma arte com método, um método com arte.
Como o Apropriarte se insere no trabalho de cultura de paz?
Hamilton: No Rio tivemos uma experiência interessante, porque a polícia chegou para impedir o evento. A associação de Santa Tereza não estava convencida de que era um evento legítimo, e não tínhamos todas as garantias legais para realizar o evento. Então a cultura de paz entrou ali no próprio diálogo, dando espaço para a associação e a polícia se manifestarem; no final o evento foi liberado, após conversas com deputados e com o comandante da polícia, tudo dentro de uma lógica de não enfrentamento, procurando reeducar e sensibilizar as pessoas sobre a importância do evento, e no limite até desobedecer a uma determinada regra que julga-se injusta.
Aqui em São Paulo a cultura de paz esteve presente em vários diálogos, discursos e dando voz tanto aos moradores de rua quanto movimentos culturais (poetas, músicos etc).
Essa proposta tem potência do ponto de vista de desenvolvimento sustentável das cidades, da população se apropriar com liberdade, decidir sobre a cidade no sentido de participar da vida dela, de culturalizar a cidade, e também criar um certo viver poético, espaços habitáveis artisticamente com música, arte, diálogos, celebrações, encontros emotivos; A arte e cultura contribuem para um imaginário de cidade mais potente, mais forte, diferente. Então não é apenas uma ação cultural a mais. Se desenvolvermos essa metodologia, essa intervenção consciente no espaço público é algo novo.
Qual a importância de ocupar o espaço público por meio da arte?
Hamilton: Ocupar através da arte é reencantar a cidade, é dar uma dimensão diferente à dureza do cotidiano, criar campos de convivência diferenciados para as pessoas, de forma que elas se comuniquem de outras formas; o tambor tocando é diferente do apito do policial ou do barulho dos carros, é algo que realmente encanta esses espaços e transforma a rua no reino das pessoas. Ela não presta apenas para o deslocamento, se torna um espaço de convivência cultural.