notícias

Cabe a nós dar outro sentido para o lixo

21/05/2013

Do Portal Bota para Girar!, 17 de abril de 2013

Sancionada em 2010, a Lei 12.305/2010 instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos, que dispõe sobre princípios, objetivos e instrumentos, bem como sobre as diretrizes relativas à gestão integrada e ao gerenciamento de resíduos sólidos em âmbito nacional. Para ajudar os municípios a se planejarem, pois os lixões não são mais permitidos, O Ministério do Meio Ambiente assim como o Programa Cidades Sustentáveis vem colaborando para o aprendizado. Por meio de uma parceria com o Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis os municípios signatários do Programa Cidade Sustentáveis publicou um guia para ajudar de forma efetiva e inclusiva na implantação da Política Nacional de Resíduos Sólidos nos municípios brasileiros. O conteúdo foi elaborado de acordo com o resultado de encontros realizados com os diferentes atores sociais – poder público, universidade, ONGs, empresas e especialistas em geral.

 

O Atitude Sustentável publicou o resultado de uma pesquisa realizada pelo Programa Água Brasil. Foram 2002 pessoas entrevistadas e 85% delas afirmou estar disposta a separar o lixo em suas casas se a coleta seletiva fosse praticada em seus municípios, 13% declararam que não realizariam a separação e 2% não responderam. Outro dado importante é que 64% dos entrevistados não possui em sua cidade serviços de coleta sustentável dos resíduos. Em oposição, 9% alegam que não separam o lixo mesmo com serviços de coleta seletiva disponíveis nos locais em que moram.

Pois é, já aqui no Rio de Janeiro a coleta seletiva é uma realidade, mas a adesão é baixa. Foi necessário ser criada uma lei para obrigar edificações com mais de três andares a fazerem coleta seletiva. Apresentada pelo deputado Luis Paulo, a lei nº 6408, de 12 de março de 2013, começa a vigorar contando 90 dias de sua publicação. E sobre a conservação do passeio público? Para coibir os porquinhos que semultiplicam a olhos nus, o prefeito Eduardo Paes, com base na Lei orgânica de 2001, a partir de julho, em um trabalho conjunto com a Comlurb, multará o cidadão, seja ele brasileiro ou estrangeiro, que jogar lixo na rua. Não sabemos qual será a repercussão disso. Já ouvi muita gente dizendo que não vai dar certo, porque acima de tudo faltará contingente de fiscais para fazer valer a lei.

Mas o ponto que quero chegar é: como, além da obrigatoriedade do cumprimento da lei, podemos conscientizar as pessoas para ressignificação do lixo? Como conscientizá-las que colaborando com as políticas públicas estarão interferindo diretamente no bem estar social de pessoas que ainda vivem na linha da pobreza e dependem do lixo para se manter? Como fazer com que as pessoas entendam que ao reciclar, ao lavar os produtos recicláveis e acondicioná-los de forma correta estarão interferindo diretamente no ambiente de trabalho dos recicladores e em suas funções?

Há muito o lixo é trabalhado pelos catadores – antes nos lixões agora declarados ilegais -, nas ruas, nas praias e nas cooperativas. Coube a classe de catadores de resíduos sólidos o início do movimento de ressiginificação do lixo. Por todo lugar, até bem pouco tempo, eles não se davam conta de sua contribuição para a sociedade, assim como não se davam conta que ao extraírem do lixo matéria prima reciclável e colocando-a à venda no mercado, contribuíam com a sociedade e reiteravam a ideia da ressignificação do lixo. Mais aí veio o Vick Muniz, com seu Lixo Extraordinário e trouxe luz à classe. Hoje, se conversar com um catador autônomo ou de cooperativa eles sabem o valor que tem. Mas este valor preciso ser percebido por toda a sociedade.

Elisabeth Grimberg, coordenadora da área de RS e executiva do Instituto Pólis, integrante da coordenação do Fórum Lixo e Cidadania da Cidade de São Paulo, em artigo intitulado Confronto de tecnologias, publicado no Le Monde Diplomatique Brasil, em 2009, levantava essa questão social, “Um questionamento costuma surgir quando as redes e fóruns organizados da sociedade apresentam a proposta de ´100% de coleta seletiva com inclusão social no Brasil´: os catadores são capazes de integrar um sistema público de gestão de resíduos urbanos com eficiência? Como resposta, pode-se indicar a realização recente da Expocatadores 2009 – Reviravolta, que reuniu cerca de 3 mil pessoas, sendo que 1.700 eram catadores de 19 estados do país, além de representantes de outros países. O Movimento Nacional de Catadores de Recicláveis amplia sua capacidade de estruturar os trabalhadores como categoria, com direito a prestar serviços de coleta seletiva nos municípios de forma remunerada.”

Ela deu como exemplo a Expo2009, que de lá pra cá vem acontecendo com sucesso. O evento é uma oportunidade de negócios, onde há troca de experiências, disseminação de conhecimentos e tecnologias para a gestão eficiente dos resíduos sólidos e fundamentação para razão de existirem. De tudo o que é descartado diariamente, 80% poderia ser reciclado ou reutilizado das mais diversas formas. No Brasil, reciclamos menos de 10 % do lixo urbano, contra 40% que é reciclado na Europa e nos Estados Unidos. No Brasil, gasta-se R$ 12,8 milhões por dia com a coleta e destinação do lixo. Esse investimento poderia ser diminuído com o trabalho cooperado com o catador que tira os resíduos das ruas, reduzindo o volume dos lixões e aumentando a vida útil dos aterros, chamando a atenção do cidadão para o lixo que não é lixo, educando para o consumo consciente.

Eles nos educam para o consumo consciente, mas quem nos educa para a importância da coleta seletiva? As leis só não bastam. Há 4 anos pesquisei com os porteiros aqui na rua Bulhões de Carvalho, em Copacabana sobre a coleta seletiva. Dos 60 prédios que visitei apenas 13 reciclavam 100%. Um dos motivos alegados para o condomínio não reciclar 100%, segundo os porteiros, é que não cabia a eles este serviço. Hoje no meu prédio, que tem coleta seletiva há mais de 6 anos, os porteiros reclamam dos moradores, que não estão nem aí para coleta. Ao invés de separarem os lixos, jogam fora de qualquer jeito, meio que passando a bola do trabalho pra eles que por sua vez tem nojo e não estão com vontade de assumir o digamos “trabalho sujo”. Nas ruas da zona sul, converso com muitos catadores na intenção pensar um logística funcional. Por exemplo, muitos dizem que o lixo não seria tão revolvido se os condomínios descartassem o lixo em sacos transparentes e separados. Desta forma facilitaria a triagem do lixo por eles, que coletam todos os dias os reciclados.

Recentemente visitei a CoopQuitungo, em Brás de Pina, uma cooperativa com 16 mulheres associadas e recentemente 4 homens. Eu as conheci quando fazia minha blitz de conscientização no carnaval. Elas foram contratadas pela Ambev para coletar as latas de alumínio da cerveja patrocinadora do Carnaval. Elas trabalharam na praia, debaixo de sol a pino – mulheres com idade média de 55 anos – de 10 a 12 horas, por cinco dias e uma diária de R$70,00, sem tirar o sorriso do rosto, o mesmo sorriso com que me receberam quando as fui visitar.

Carminha, presidente da cooperativa, com metro e meio de altura é uma dessas mulheres fortes, cheia de energia e com o objetivo de vida, melhorar a vida dos que estão ao seu entorno. Seria fácil um dos exemplos dos Contos de Paixão, tema da palestra de Isabel Allende em sua participação no TED (organização sem fins lucrativos dedicada às “Ideias que merecem ser compartilhadas”). Sua batalha pela inclusão social das pessoas começou há mais e 10 anos, quando ela criou um balcão de emprego na comunidade onde morava para ajudar as pessoas sem escolaridade.

O trabalho foi tão diginificante e eficiente que em 2002 ela foi convidada por Caritas, uma confederação de 162 organizações humanitárias da Igreja Católica que atua em mais de duzentos países, para trabalhar com reciclagem. Em 2005, depois de participar de muitos cursos de capacitação, ela já estava pronta para implementar a gestão de um negócio de reciclagem, uma cooperativa. Conforme plano de negócios, ela precisava contar com 30 cooperados. A captação de pessoas foi feita nas missas e pela comunidade, mas ela se lembra o quanto encontrou resistência nas pessoas depois de saberem que trabalhariam com o lixo. A primeira turma, após o curso de capacitação, desistiu toda alegando vergonha.

Predestinada, Carminha não esmoreceu, formou a segunda turma e partiu pra campo. Parte da turma, responsável pela coleta, aproveitava a ida à casa das pessoas para ensiná-las como tratar o lixo e separá-lo corretamente. O trabalho engrenou e vieram apoiadores com aporte financeiro, como a Petrobrás. De lá pra cá muita coisa aconteceu. Em 2007, com o Projeto Catação ela recebeu ajuda para formalizar a cooperativa, chegaram a montar uma rede para venda consorciada do material reciclado, visando aumentar o valor agregado do produto pela quantidade e conseguiu, em parceria com o Mova Brasil, alfabetizar seus cooperados.

A CoopQuitungo, que foi reconhecida pela ONU através do trabalho de coleta e pelas palestras ministradas pela Carminha sobre reciclagem na Rio+20, está sediada em um galpão de dois andares, em terreno cedido pela Igreja do Bairro e conta com, além da mão de obra humana: 16 mulheres e 4 homens, tem um caminhão, duas prensas, o elevador de cargas, o triturador de papel, a balança para até mil quilos de resíduo e a esteira elétrica, equipamento comprado com repasse de R$200 mil feito pela Fundação Nacional de Saúde – Funasa – para a cooperativa.

Hoje, essa cooperativa de trabalhadores é o ecoponto da região. Eles coletam, separam o lixo por espécie, prensam, vendem e rateiam igualmente o valor arrecadado com a venda. A doação dos resíduos, como eles falam, vem da comunidade, do rodízio que participam para a coleta de lixo seletivo dos órgãos públicos estaduais e municipais, autarquias e fundações, e de empresas privadas. Na semana boa, cada um dos integrantes chega a tirar R$200,00, mas com ou sem féria boa, elas não deixam de cuidar dos animais de estimação que abrigam no galpão, assim como dos animais da rua, juntamente com os vizinhos.

Guerreiros, os catadores precisam de nossa contribuição para terem mais dignidade no exercício da profissão. Precisam receber produtos em melhor qualidade para que não seja aproveitado apenas 50%, mas a totalidade da doação, afim de que não ganhem só R$200,00 de vez em quando. Ao contribuirmos fazendo a coleta seletiva de forma correta, separando os tipos de resíduo: recicláveis, orgânicos e cinzas (que são os rejeitos urbanos, como modes, fraldas, papel higiênico) estaremos contribuindo para o incremento na economia desse mercado e para dignidade no ambiente de trabalho dessas pessoas.

 

 

Fonte: Site Bota para Girar!