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Comida pobre para pobres: uma violação do Direito Humano à Alimentação Adequada!

16/10/2017

 

Diversos movimentos sociais, ONG’s, redes, fóruns de várias partes do mundo, assim como camponeses, populações indígenas, jovens, mulheres, consumidores, etc, se dedicaram nos últimos anos a elaborar, desenvolver e colocar em prática, uma visão ampla e holística sobre o direito humano à alimentação, reunindo um conjunto diverso de atores e segmentos associados à questão alimentar.

O Brasil, em 2006, aprovou a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (LOSAN), Lei Federal nº 11.346, que instituiu a responsabilidade dos poderes públicos na promoção do direito de todas as pessoas ao acesso regular e permanente a alimentos, em qualidade e quantidade. A LOSAN também instituiu o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan) e a Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan). O país vem trabalhando a implementação do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional e seus correspondentes, no nível estadual e municipal (Lei Nº 15.920 de 19 de Dezembro de 2013) e essa experiência vem se tornando uma referência internacional.

Nos últimos anos, a cidade de São Paulo vinha obtendo reconhecimento de organizações especializadas por mostrar que mesmo uma grande cidade de 12 milhões de habitantes é capaz de melhorar o acesso à alimentação saudável por meio da construção de circuitos curtos de produção e consumo.

Neste contexto, foi com extrema surpresa, e com sensação de túnel do tempo, que a notícia da aprovação da Lei n° 16.704 (de 08/10/2017) foi recebida durante o encontro da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) em Roma.

Esta lei institui as diretrizes da Política Municipal de Erradicação da Fome e de Promoção da Função Social dos Alimentos da Prefeitura de São Paulo (PMEFSA) e lançou o projeto Alimento para Todos, que pretende produzir uma espécie de ração com restos de alimentos para a população de baixa renda.

Trata-se de “uma iniciativa pelo menos 15 anos atrasada e vai na contramão de tudo o que se está produzindo para promover saúde”, conforme Ana Carolina Feldenheimer, professora de Nutrição Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e membro da Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável.

Comida pobre para pobres é um retrocesso inadmissível e violação óbvia do direito humano à alimentação!

A matéria publicada no site da Prefeitura no dia 09 de outubro de 2017 mostra que a parceria entre a Gestão Municipal e a Plataforma Sinergia prevê a destinação de todos os tipos de alimentos de boa qualidade e dentro do vencimento para a produção de um granulado nutritivo a ser entregue às populações que enfrentam carências nutricionais no município e um dos itens disponibilizados nas cestas básicas distribuídas pelos Centros de Referência de Assistência (CRAS) para famílias em situação de risco e vulnerabilidade social.

Rosana Perrota, executiva da Plataforma e que trabalhou anteriormente na Monsanto e na Mead Johnson Nutrition, empresa que produz suplementos alimentares e leites infantis artificiais, afirma que mesmo estando em datas próximas ao seu vencimento ou fora do padrão de comercialização, isso não irá interferir na qualidade nutricional ou na segurança do alimento.

Contudo, compreendemos que Segurança Alimentar e Nutricional é a realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis.

A 5ª Conferência Nacional realizada em 2015, trouxe o lema “Comida de Verdade no Campo e na Cidade” procurando fortalecer o consumo de produtos agroecológicos, a agricultura familiar, a alimentação saudável, a diversidade de nossa cultura alimentar e a redução no consumo de produtos ultraprocessados, conforme o Guia Alimentar para a População Brasileira.

Os índices de sobrepeso e obesidade, ao lado da epidemia de doenças crônicas é que são os verdadeiros e atuais problemas de saúde pública em São Paulo. A fome é uma dívida localizada, com nome e endereço.

É flagrante ainda a falta de diálogo sobre este projeto com a sociedade, com o Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (Comusan) e a desconexão com os processos já existentes no município. Uma cidade com a magnitude de São Paulo e os compromissos em redes, programas e articulações, além da complexidade que envolve a participação de tantos diferentes atores, não pode ficar refém de “boas ideias”.

Precisamos de políticas públicas!

Não se trata de um supermercado nem de uma liquidação. Há processos permanentes, construídos durante anos seguidos, por um conjunto diversificado de segmentos sociais que se ocupam do tema alimentar.

VEJA TAMBÉM

Leia aqui o posicionamento da Associação Brasileira de Nutrição (Asbran) sobre o programa Alimento para Todos da Prefeitura de São Paulo.