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FNRU: MP 700: desapropriação por ‘utilidade público-privada’?
04/05/2016A Medida Provisória 700/2015 prevê desapropriação por utilidade pública. A partir da mudança, grupos de setores privados poderão conduzir processos administrativos e judiciais de desapropriação. O Fórum Nacional de Reforma Urbana se posicionou por meio de uma nota pública contra a medida. Segundo as entidades que compõe o FRNU, a MP contraria princípios constitucionais ligados à política urbana das funções sociais da cidade e da propriedade e afeta, também, o direito à cidade.
Confira a nota do FNRU na íntegra:
MP 700: desapropriação por ‘utilidade público-privada’?
As alterações promovidas pela Medida Provisória 700/2015 no regime das desapropriações delegam poder a grupos do setor privado para aplicar o instituto da desapropriação, conferindo maior poder aos empreiteiras nos assuntos de interesse público e social justo no momento em que estas são foco de questionamentos, denúncias e investigações sobre as relações promíscuas que mantêm com os governos e partidos políticos, fragilizando ainda mais a esfera pública no país. Destacamos como medidas que causam uma clara violação ao regime constitucional da desapropriação e da governança pública e democrática as seguintes:
1. Ampla delegação para que empresas concessionárias, autorizatárias e contratadas conduzam o processo administrativo e judicial de desapropriação, podendo, inclusive, desapropriar áreas maiores do que a obra pública planejada, para depois explorá-las comercialmente, o que amplia seu controle sobre o processo de produção do espaço e definição dos rumos das cidades, atentando contra a função social da propriedade urbana (art. 182, CF/88).
2. Possibilidade de revenda para “qualquer interessado” dos imóveis já desapropriados, até mesmo para sócios da parceria público-privada (que então poderão implantar seus projetos particulares), quando houver suposta “perda objetiva do interesse público”, ou seja, quando o poder público “desiste” de parte ou de toda a obra, em nome da qual deslocou ou despejou os moradores da área, caracterizando um grave desvio de finalidade e dos princípios da moralidade e impessoalidade da administração pública (art. 37, caput, CF/88).
3. Permissão para que, na desapropriação por zona, a receita da exploração imobiliária integre “projeto por conta e risco” da iniciativa privada, estimulando a especulação e ofendendo o princípio da justa distribuição dos benefícios e ônus da urbanização, que é diretriz e pilar da política urbana (art. 2o, IX do Estatuto da Cidade).
4. Carta branca para entrada à força e sem prévia autorização judicial nos imóveis de interesse, apenas com base em declaração genérica de utilidade pública, ignorando a inviolabilidade constitucional do domicílio (art. 5o, XI, CF/88).
5. Compensação para as famílias com posse do imóvel limitada às benfeitorias construídas, mesmo em comunidades consolidadas e que já tenham direito à usucapião (art. 183, CF/88), invertendo a prioridade da regularização fundiária (Lei 11.977/2009), ameaçando a segurança jurídica e contrariando a jurisprudência dos tribunais superiores.
Essas mudanças descaracterizam o instituto da desapropriação previsto na Constituição brasileira como forma de intervenção pública na propriedade para fins de interesse público ou social. Também ferem os princípios constitucionais da Administração Pública previstos no Artigo 37 e o direito fundamental do devido processo legal na esfera administrativa e judicial.
Essas mudanças também contrariam os preceitos constitucionais da política urbana das funções sociais da cidade e da propriedade e pode resultar numa lesão ao direito à cidade estabelecido no Artigo 2, inciso I do Estatuto da Cidade.
Em razão de atingir de forma ilegal os preceitos constitucionais da Administração Pública e da Política Urbana, o Fórum Nacional de Reforma Urbana se manifesta contrário à conversão da MP 700/2015 em lei e apela aos membros do Congresso Nacional referentes a esta MP ser rejeitada pelos motivos acima expostos.
Fórum Nacional de Reforma Urbana, 16 de março de 2016.
fonte: Fórum Nacional de Reforma Urbana