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Quais as implicações de chamar as situações de violência que existem no Brasil de guerra?

12/03/2014

Quais as implicações de chamar as situações de violência que existem no Brasil de “guerra”? Guerra, guerra do tráfico, guerra do Rio, guerra das favelas, guerra de facções, guerra contra o crime, guerra no morro e todos os seus similares.

“Guerra” é um conflito armado entre as forças armadas de dois ou mais países. Logo, não há uma guerra no Brasil. Um jornalismo de qualidade deveria, portanto, zelar pelo uso correto deste termo tanto quanto o faz na editoria de esporte, já que ninguém chama uma falta cometida fora da área de pênalti.

A guerra é regida pelo Direito Internacional Humanitário. Quando estas normas entram em vigência, elas reduzem alguns direitos humanos. O principal deles é o direito à vida, que, embora permaneça vigente mesmo num Estado de Guerra, tem seu alcance reduzido, já que passa a categorizar as pessoas que teriam direito à vida: como os civis, os combatentes capturados, rendidos, feridos ou enfermos, o pessoal médico e humanitário, enfim, categorias existentes somente numa situação de conflito armado, definida como tal.

O uso das armas também muda muito entre estas duas situações. Se numa situação de violência, a polícia – ou mesmo as forças armadas, caso fossem empregadas – deve usar a arma de fogo como último recurso, numa guerra, essa pode ser a primeira opção. Se numa situação de violência interna, a força pública é obrigada a buscar alternativas ao uso letal da força, numa guerra, isso não é preciso, bastando o ataque ter um alvo definido e ser proporcional ao objetivo militar pretendido, só para citar dois indicadores.

Ora, alguém aqui acha que alguma parte de alguma cidade brasileira possa ser considerada como “território inimigo”? Alguém acha que esse “território inimigo” possa ser atacado pela força pública com munição suficiente para se alcançar uma vantagem militar? Alguém acha que nesta situação, poderemos fazer a cobertura jornalística assumindo danos militares colaterais à população civil e seus bens? Algum jornalista ou empresa de comunicação gostaria de ter sua liberdade de movimento e de expressão legalmente restringidos, como pode acontecer numa guerra?”

 

João Paulo Charleaux é coordenador de comunicação da Conectas Direitos Humanos, escreve sobre cultura e direito internacional humanitário para a Folha de S. Paulo, além de manter uma coluna mensal no site jurídico Última Instância, que é parte do maior portal de notícias do Brasil, o UOL. Entre 2001 e 2008, foi porta-voz do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) para Brasil, Argentina, Chile, Uruguai e Paraguai e há 10 anos coordena os cursos de jornalismo em situações de conflito armado e outras situações de violência realizados em São Paulo pelo CICV, a Oboré e a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), em parceria com as principais escolas de jornalismo de São Paulo.