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quem são as pessoas mais afetadas pela pandemia?

27/05/2020

A pandemia do covid-19 acirrou as desigualdades no Brasil. Além do acesso a aparelhos de saúde, os marcadores de classe, gênero e raça  mostram quem são as pessoas que tem condições de fazer ou não quarentena, e de seguir as recomendações de higiene e isolamento da Organização Mundial da Saúde. 

Pessoas negras são a maioria (60%) das que trabalham informalmente, sobretudo as mulheres negras (IBGE). Com a forte precarização do trabalho, muitas destas pessoas terão de escolher entre ficar sem nenhuma renda, ou sair de casa correndo o risco de ser contaminada ou de propagar o vírus.

O Brasil tem mais de 3 milhões de famílias vivendo em situação de cohabitação, isso é, quando mais de uma família divide a mesma casa e quase 320 mil vivendo em situação de adensamento excessivo, ou seja, quando há mais de 3 moradores dormindo no mesmo cômodo (FGV 2015). Estas situações são mais recorrentes em favelas e cortiços dos grandes centros urbanos, onde cerca de 70% da população é negra.

No município de São Paulo, 11 distritos não tem nenhum leito hospitalar (Rede Nossa São Paulo, 2019). Não é coincidência que estes também sejam os distritos onde moram mais pessoas não brancas e com menor rendimento. Justamente aquelas que mais dependem do SUS.

Em quatro anos, a população em situação de rua em São Paulo cresceu 53%: passou de 15,9 mil em 2015 para 24,3 mil em 2019. Deste total, cerca de 7 mil tem 50 anos ou mais e são ainda mais vulneráveis ao contágio por Covid-19. A falta de acesso a banheiros e saneamento básico dificulta ainda mais a prevenção. Parte dessas pessoas dormem em albergues e por isso não conseguem evitar aglomerações. Afinal, quem tem direito ao isolamento?

Segundo o mapeamento do Observatório de Remoções, só na Região Metropolitana de São Paulo mais de dez mil famílias foram removidas de suas casas no último ano e mais de duzentas mil estão ameaçadas de remoção. Por conta disso, o Instituto de Arquitetos do Brasil, o Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico e a Federação Nacional de Arquitetos Urbanistas estão solicitando ao sistema de justiça a suspensão imediata do cumprimento de despejos, reintegrações de posse e remoções de qualquer natureza. Em março, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), que integra o Ministério Público Federal, também solicitou ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a suspensão dos despejos em nível nacional. Aqui em São Paulo, o Ministério Público pediu à Justiça a suspensão das ordens de reintegração de posse. Essa é uma questão humanitária, que visa evitar a disseminação do coronavírus, e a preservação de inúmeras famílias e da saúde pública do país.

O trabalho informal é a forma de rendimento de mais de 40% da toda população trabalhadora do Brasil (IBGE). Esses profissionais ganham cerca de 40% a menos do que pessoas com carteira assinada, e são em sua maioria mulheres negras (60%). Além disso, as condições de moradia de quem trabalha informalmente e tem rendimento menor também são mais difíceis, com menos acesso à saneamento básico, por exemplo. Babás, motoristas de ônibus, motoboys de aplicativos, atendentes de padaria… Essas pessoas estarão mais expostas ao contágio e a disseminação do vírus. Onde essas pessoas moram? Qual o plano do governo para conter essa tragédia anunciada?

Nossa sociedade patriarcal delega às mulheres 75% do trabalho de cuidado não remunerado em todo o mundo (OXFAM, 2020). Ou seja, cabe a elas o cuidado com os familiares, os afazeres domésticos ou os deslocamentos para abastecer a casa, por exemplo. Por conta disso, cerca de 30% das mulheres acabam por deixar seus trabalhos para cuidar dos filhos, enquanto apenas 7% dos homens tomam a mesma decisão. Neste cenário de pandemia, onde crianças foram liberadas das creches e escolas para evitar a disseminação do vírus, e da flexibilização do trabalho com subtração de direitos, quantas mulheres serão forçadas a abdicar dos seus trabalhos e dos seus rendimentos? Como este contexto afetará a vida das mulheres?

Em uma reportagem da BBC Brasil, Gilson Rodrigues, uma das lideranças de Paraisópolis (SP) alerta sobre como as as favelas estão sendo totalmente ignoradas e as políticas de governo, ao invés de melhorar, só agravam a situação. Esta não é uma realidade só de Paraisópolis. Outras favelas de São Paulo, e lideranças de favelas do Rio de Janeiro, como Raull Santiago, têm demonstrado a mesma preocupação em reportagens ou em suas redes sociais.

As 30 cooperativas que prestam serviços à cidade de São Paulo pararam suas atividades pelos riscos de contaminação dos trabalhadores diante da pandemia provocada pelo Coronavírus Covid-19. A cidade tem o maior foco de infecção no Brasil e reúne o maior número de mortes. Essas famílias não tem outra fonte de sustento. 

Vale lembrar que os materiais recicláveis – papel/papelão, metais, vidros, plásticos – que a cidade desvia dos aterros sanitários resultam da atividade que essa categoria de trabalhadores desenvolve há mais de 60 anos. Mas, é fundamental destacar que se o setor empresarial – fabricante, distribuidor, comerciante – já tivesse assumido sua responsabilidade pelo custeio da remuneração dos catadores pelo serviço de classificação dos materiais, assim como pelo custeio da coleta seletiva da fração reciclável dos resíduos domiciliares (30%), como determina a Política Nacional de Resíduos Sólidos de 2010, a situação de absoluta vulnerabilidade dessa categoria não estaria acontecendo.

Para colaborar na arrecadação de recursos para compra de cestas básicas para catadores e catadoras de cooperativas de reciclagem, clique aqui

A epidemia de COVID 19 tem pressionado os sistemas de saúde de todos os países com casos notificados. O Brasil é o único país do mundo com mais de 100 milhões de habitantes com um sistema de saúde gratuito e universal à toda população. Porém, mesmo antes da epidemia, este sistema já estava sob pressão. ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀

O SUS é mais procurado, sobretudo, por mulheres, crianças, pessoas negras, sem plano de saúde, com baixa escolaridade e renda. Embora universal, há deficiências em seu atendimento. Por exemplo, há 30 milhões de pessoas no Brasil que estão a mais de 100km de distância de um leito hospitalar e 14 milhões a mais de 120 km de leitos em Unidade de Terapia Intensiva (UTI). 

Estas distâncias não afetam da mesma forma a população como um todo. Há diferenças regionais (com a região sudeste liderando o número de leitos e de população), mas também intra regionais e até intramunicipais. O Município de São Paulo, por exemplo, apresentava em 2019 11 distritos sem nenhum leito hospitalar (Rede Nossa São Paulo, 2019). Não é coincidência que estes também sejam os distritos onde moram mais pessoas não brancas e com menor rendimento. Justamente aquelas que, como vimos, mais dependem do SUS.

Para além de superar os desafios regionais, o enfrentamento desta pandemia também têm outro desafio: a Emenda Constitucional 95 aprovada em 2016 e que estabelece um teto para os gastos públicos, inclusive na área da Saúde. Naquela época, muitas ONGs e movimentos já alertavam que ela seria a “PEC da morte”. Devemos reverter esta emenda o quanto antes, ou então, assistiremos nosso corpo médico tendo que fazer escolhas impossíveis: eleger quais serão os pacientes que serão atendidos e quais que serão desassistidos.

No Brasil de 2020 há cerca de 4 milhões de pessoas que moram em domicílios sem banheiro! 4 milhões! Para agravar a situação, 35 milhões de brasileiras(os) vivem sem acesso a água tratada e 100 milhões não possuem rede esgoto, segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento em 2018 (SNIS – 2018).

Este cenário é mais estrutural no norte do país, onde cerca de 80% dos domicílios não estão conectados à rede geral de esgoto e no nordeste, onde quase 30% dos domicílios não têm acesso diário à rede de água. Estas duas regiões são aquelas que também abrigam a maior porcentagem de pessoas negras (cerca de 79% da população da região norte e 64,5% da região nordeste é negra) É também mais grave nas favelas e cortiços dos grandes centros urbanos, onde cerca de 70% da população é negra. ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀

Essa realidade, além de comprimir a qualidade de vida, também facilita não só a propagação do COVID 19, como também de outras doenças como tuberculose, por exemplo.

Apesar da quarentena em São Paulo, ainda é possível observar muitas pessoas nos ônibus e metrôs da cidade.. 

Para termos uma ideia da importância do coletivo no cotidiano da cidade – sobretudo para as mulheres negras que, não só tem o menor rendimento familiar, moram mais longe e dependem mais do transporte e de outros serviços públicos – só na Região Metropolitana de São Paulo são realizadas diariamente 15,3 milhões de viagens seja por trem, metrô ou ônibus (Pesquisa Origem Destino, 2017)

Esta mesma região tem três das dez linhas de trem e metrô mais lotadas do mundo (Google Maps, 2019) e nem todas as estações oferecem condições para que suas usuárias e usuários possam se higienizar, seja porque muitas estações se quer oferecem banheiros públicos, seja porque, as que oferecem, muitas vezes não têm sabonetes e toalhas de papel.

Além disso, o tempo médio destas viagens é de quase 2,5 horas e com pelo menos 1 baldeação. Todos estes fatores aumentam os riscos de contaminação das pessoas que usam diariamente o transporte público e que, no final do dia, ainda terão que chegar em casa e cuidar da casa, dos filhos e, pior, das pessoas mais vulneráveis ao COVID 19, as pessoas idosas da família.