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Relatos de uma ocupação

08/08/2014

Relatos de uma ocupação

Terça, dia oito de novembro. O prédio número 613 da São João com a Ipiranga fora um dos dez ocupados pelo movimento de moradia. Um antigo hotel de quatro andares. Naquela tarde, o clima no prédio era um misto de alegria com tensão constante; alegria pelo fato das ocupações terem chamado a atenção da população e da imprensa, tensão por existir quatro viaturas da Guarda Civil Metropolitana (GCM) na rua ao lado.

Um jornalista entra no prédio para tirar fotos e entender mais sobre o funcionamento da ocupação. Ao entrar na portaria, nota que o ambiente estava agradável.

– Queriam dar este prédio aos artistas, nós viramos artistas, de tanto que estamos aparecendo – brinca M., integrante do movimento.

O jornalista começa a entrevistar L., outro membro do movimento:
– O movimento é importante porque queremos questionar a situação da habitação em São Paulo…

– O que está acontecendo ali? – Alguns integrantes interrompem a conversa e correm para a porta, observando cautelosamente a movimentação dos policiais.

Terminada a entrevista, o jornalista sobe com Dona N. para ver a estrutura do prédio. Nos quartos ocupados pelo movimento, a limpeza e a organização imperavam: os quartos e banheiros estavam bem cuidados aconchegantes. Nos quartos e salas restantes, havia só o abandono. Banheiros sujos, pedaços de entulho espalhados pelo chão, equipamentos quebrados.

– E ainda dizem que alguém pode morar aqui – diz N.

Em torno de 50 pessoas estavam no prédio naquele momento, dentre as quais a maioria era composta de crianças e idosos. O resto dos integrantes havia saído para trabalhar.

O marido de N. faleceu no ano passado, e ela, que compõe o movimento há dez anos, tem mais três filhos. Com lágrimas nos olhos ao falar de sua história, diz que:
– Não estamos pedindo nada de mais, só um lugar digno para morar. Não queremos nada luxuoso, apenas uma moradia decente.

Nesse momento, uma das viaturas da GCM atravessa a rua e pára na porta do hotel. Todos correm apressados para a porta, e trancam a entrada com um cadeado. Do lado de fora, oficiais da GCM e da Polícia Militar estavam a postos, enquanto que um oficial de justiça entregou ao movimento a ação de reintegração de posse do prédio. A rua, vista do vidro embaçado da entrada do hotel, estava lotada de policiais, militantes do movimento que estavam em outros prédios, e curiosos.

O movimento pediu tempo para ler o documento e, em reunião, decidir o que fazer. A apreensão contaminou todos no prédio, que escutavam a leitura do documento.

-Estão pedindo para a gente desocupar, mas temos que receber assistência antes, está escrito aqui – disse o integrante que lia o documento.

Todos ficaram aliviados, afinal, a desocupação iria ocorrer se as pessoas fossem assistidas. A negociação, no entanto, não foi tão fácil; o oficial de justiça se mostrava irredutível em dar assistência aos integrantes do movimento:
– Tenho 30 anos de profissão, e vocês querem me ensinar a fazer meu trabalho? Não vai ter assistência, e se vocês não saírem por bem, vou entender que só querem sair a força.

Enquanto o bate-boca entre representantes do movimento e o oficial continuava, o medo de que o pior ocorresse pairava sobre todos. Se a polícia fizesse uso da força, o que aconteceria com aquelas crianças e idosos?

Chamou-se uma assistente social para discutir os termos da reintegração, e acordou-se que o termo tinha inconcistências e deveria ser revisado. A polícia e o oficial de justiça, assim, foram embora. As portas se abriram, e os integrantes do movimento que estavam do lado de fora entraram, para comemorar a vitória temporária. O jornalista saiu furtivamente do prédio, ofegante e assustado, e filmou as manifestações do lado de fora. Conversou com alguns integrantes do movimento, que temiam a volta da polícia à noite para realizar a reintegração, quando não existiria tantas testemunhas.

A reintegração do 613 não ocorreu à noite, e sim na quarta daquela semana, com a presença da tropa de choque. Felizmente, a polícia não se utilizaou da força contra crianças, idosos e trabalhadores, que apenas lutam para obter uma moradia digna na qual possam morar.