raça e covid no Município de São Paulo

raça e covid no município de são paulo julho 2020

Como medir o impacto desigual da epidemia de COVID-19 na cidade de São Paulo, observando os diferentes grupos populacionais definidos por raça/cor?

Uma das formas de se analisar esse impacto é o uso dos dados sobre óbitos, que podem informar as diferentes taxas de mortalidade no município. Entretanto, este indicador precisa ser lido com muita cautela, uma vez que a infecção do novo coronavírus tem efeitos muito distintos nas diferentes faixas etárias, sendo muito mais agressivos em idosos, sobretudo em pessoas com 60 anos ou mais.

A taxa de mortalidade bruta da população do MSP é de 133,4 óbitos por 100 mil habitantes [1]. Entre a população branca é de 134 mortes (para cada 100 mil habitantes brancos) e entre a população negra é de 121 óbitos (para 100 mil habitantes pretos e pardos). Uma análise superficial desses indicadores poderia concluir que a epidemia teria maior gravidade nas pessoas brancas, já que morrem menos pessoas pretas e pardas a cada 100 mil habitantes. A taxa bruta, entretanto, desconsidera que brancos e negros são grupos populacionais de perfis etários muito diferentes, o que influencia na forma como as leituras devem ser feitas, já que a infecção por  SARS-Cov-2 afeta mais, notadamente, pessoas de mais idade.

evolução da taxa de mortalidade bruta de brancos e negros no MSP entre março e julho de 2020

fonte: Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM – DataSUS Tabnet/SMS PMSP, 2020) / elaboração: Instituto Pólis

[1] Taxa calculada com dados de mortalidade tabulados até 31 de julho de 2020.

A população branca concentra mais pessoas do grupo de risco – com 60 anos ou mais – e, portanto, sujeitas aos efeitos mais graves da COVID-19. No sentido inverso desta mesma análise, a taxa de mortalidade da população negra pode mascarar o real impacto da infecção neste grupo, pelo fato de ele ser relativamente mais jovem, sugerindo de forma equivocada, que ele estaria mais protegido dos impactos da doença. 

Ficam as perguntas:  

  • A taxa das pessoas brancas é maior porque se trata de um grupo demográfico mais vulnerável aos efeitos da epidemia, ou porque seu perfil mais envelhecido distorce os valores finais sem levar em consideração toda sua composição etária?
  • Se a população negra é mais jovem e, por esse motivo, é razoável esperar que haja menos mortes entre pessoas pretas e pardas (quando comparadas a pessoas brancas), os registros de óbitos de pessoas negras correspondem à valoração dessa expectativa?

ajuste da régua

Para construir leituras mais representativas da realidade desigual que a epidemia revela – e também agrava – é imprescindível a padronização [2] das taxas de mortalidade. Este método, a padronização, é utilizado na epidemiologia para, justamente, ponderar a composição heterogênea de um determinado grupo demográfico diante de fenômenos como uma epidemia viral, que tem efeitos também diversos dependendo do perfil etário da população em questão.

Com a padronização, é possível comparar os óbitos da COVID-19 entre diferentes populações, considerando as suas diferentes composições etárias. O resultado do procedimento é um número de óbitos esperado para cada faixa etária dos grupos comparados e também a taxa de mortalidade padronizada de cada um deles.

fonte: Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM – DataSUS Tabnet/SMS PMSP, 2020) / elaboração: Instituto Pólis

Utilizando os dados sobre óbitos até o dia 31 de julho de 2020, a taxa de mortalidade padronizada de pessoas brancas cai para 115 óbitos a cada 100 mil habitantes e a de pessoas negras sobe para 172 mortes a cada 100 mil.

A padronização, portanto, inverte a posição das taxas de mortalidade originais, revelando uma diferença para mais de 57 pontos percentuais entre negros e brancos, sugerindo que, na realidade, o impacto desigual da epidemia vem se revelando mais favorável a pessoas de raça/cor branca.

elaboração: Instituto Pólis

A taxa padronizada de pretos e pardos (172 mortes/100 mil hab) indica que, no Município de São Paulo, seriam esperados um total de 4.091 óbitos entre pessoas negras caso suas condições de vida e sua pirâmide etária fossem iguais às da cidade como um todo. Entretanto, foram registrados 5.312 mortes de pessoas pretas e pardas até 31 de julho: uma sobremortalidade de 1.221 vítimas (29,85% a mais do que se esperaria). A mesma padronização aponta que seriam esperados 11.110 óbitos de pessoas brancas até 31 de julho, sendo que, até essa data, foram registradas 9.616 mortes de pessoas dessa raça/cor: 1.494 pessoas ou 13,4% a menos [3].

[2] A padronização permite a comparação das taxas de populações com composições etárias distintas. O método parte do cálculo das taxas de mortalidade brutas para negros e brancos e segmenta o mesmo cálculo para cada uma das faixas etárias das duas populações – neste caso, de cinco em cinco anos. Assim, obtém-se uma taxa de mortalidade para cada faixa etária de cada população. Em seguida, adota-se uma população padrão (daí o nome do método) que servirá de referência enquanto perfil demográfico. A pop. padrão adotada é a do próprio MSP. Com uma regra de três simples, extrai-se o número de óbitos para cada cem mil habitantes que cada faixa etária de cada população deveria ter se aquele grupo tivesse as mesmas caracterísitca da pop. padrão adotada. A somatória do números obtidos para cada faixa de idade resulta na taxa de mortalidade padronizada daquela população como um todo.

ajuste da régua

Embora mais jovem, a população negra é proporcionalmente mais afetada pela epidemia. Em outras palavras, o fato de ter um perfil etário mais  jovem do que o da população branca não garante uma proteção ou mais segurança contra a COVID-19. A padronização mostra que, justamente por ser mais jovem, o número de óbitos esperados entre pessoas pretas e pardas deveria ser significativamente menor do que o observado pelos registros oficiais.

Esse dado global para o Município de São Paulo revela, portanto, que existe uma clara iniquidade racial diante dos efeitos da epidemia, uma vez que morrem mais pessoas negras do que seria esperado. Vale marcar e reforçar que estamos falando dos “efeitos da pandemia”, os quais não dizem respeito à infecção em si ou ao comportamento do vírus em diferentes indivíduos ou diferentes organismos. O indicador aponta diferenças sociais, isto é, diferenças de como cada grupo analisado (brancos e negros) consegue responder à epidemia, o que, envolve outros fatores como acesso à saúde, possibilidade de isolamento e outras variáveis que indicam maior ou menor vulnerabilidade socioeconômica. 

Se os indicadores padronizados mostram que morrem mais negros comparativamente aos brancos, é fundamental entender como as condições gerais de vida (renda, trabalho, moradia, mobilidade) e de acesso à saúde interferem nos riscos de infecção e no desenvolvimento da doença com maior gravidade – incluindo casos que terminam em óbito. Idealmente, ações de combate a epidemia que se proponham encarar as desigualdades e o racismo institucional deveriam buscar a redução das mortes até que não houvesse a diferença observada entre as taxas de brancos e negros.

raça/cor e gênero

Estudos mostram que as mulheres apresentam taxas de mortalidade menores do que os homens (BERMUDI et al., 2020), mas ao desagregarmos as informações por gênero (campo de informação “sexo”) e cor da pele dos óbitos, revela-se a gritante disparidade das taxas padronizadas de óbitos entre os homens negros e mulheres brancas.

elaboração: Instituto Pólis

Ao padronizar as taxas para homens e mulheres por raça/cor, observamos um aumento nas taxas de homens negros e mulheres negras, reproduzindo uma tendência das análises anteriores. Após a padronização, a taxa de mortalidade de homens negros sobe para 250 óbitos/100 mil (número quase três vezes maior que a taxa padronizada de mulheres brancas), e um aumento de 88% entre os óbitos esperados e os observados. Para as mulheres negras, a taxa chega a 140 óbitos/100 mil e a sobremortalidade é de 3,2%. 

A padronização não apenas revela a distância entre os grupos (definidos por sexo e cor da pele) em relação à mortalidade como também ajuda a visualizar que o comportamento ao longo do tempo também é muito diferente. Embora todas as taxas tenham crescido durante o período analisado, o movimento ascendente da curva de homens negros é nitidamente mais intenso, refletindo um impacto relativo da epidemia muito maior.

A taxa para homens brancos aumenta para 157 óbitos/ 100 mil, e quanto aos óbitos esperados e observados, há um acréscimo de 17,6%, confirmando o indicativo, que as taxas brutas apresentaram, de que homens são mais afetados, tendo em vista que nos dois grupos (populações brancas e negras), a sobremortalidade foi observada. O grupo de mulheres brancas, o único que apresentou queda, cai para 85 óbitos/100 mil e o número de óbitos observados é 34,6% inferior ao esperado.

A padronização indicou uma sobremortalidade muito grave para a população negra, mas especialmente entre homens negros. Quando comparamos as taxas de mortalidade de mulheres brancas e homens negros vemos uma diferença de 165 pontos percentuais, indicando um verdadeiro abismo entre esses dois grupos. 

A comparação entre mulheres brancas e negras, com taxas que distam 55 pontos percentuais, demonstra que apesar de a doença acometer mais homens, a raça/cor é um indicativo da diferença do acesso à saúde entre os dois grupos (brancos e negros), tendo em vista a sobremortalidade observada no grupo de mulheres negras. Apesar dos homens serem mais afetados, o comportamento da pandemia para mulheres negras é mais semelhante ao de homens brancos do que de mulheres brancas, mais um fator que aponta a desproporção da infecção por SARS-Cov-2 entre população branca e negra.

diferenças territoriais

A seguir, partimos para a territorialização dos resultados da padronização, realizando o procedimento indireto, para cada um dos 96 distritos administrativos do MSP considerando as populações branca e negra. O objetivo é analisar o padrão espacial dos coeficientes calculados, possibilitando visualizar a diferença entre óbitos registrados e óbitos esperados em cada distrito da capital paulista por raça/cor. O método ajuda a explorar as nuances da iniquidade racial observada na cidade, podendo indicar causas e comportamentos heterogêneos.

A espacialização dos coeficientes padronizados das populações branca e negra mostra a diferença percentual entre a quantidade de óbitos registrados e óbitos esperados. Quando negativa, indica que morreram menos pessoas do que se esperaria (tendo como referência a cidade como um todo) e, quando positiva, indica que as mortes registradas ultrapassaram o número esperado para determinado distrito.

elaboração: Instituto Pólis

Nos distritos onde ocorreram menos mortes de pessoas brancas do que o esperado, observamos uma diferença total de 2.279 óbitos a menos (que correspondem 23,7% do total de mortes para essa população). Nos distritos em que morreram menos pessoas negras do que se espera pela padronização, foram computados 100 óbitos a menos (1,9%), uma parcela bem menos expressiva em relação ao total de mortes entre a população negra.

O número geral do Município de SP aponta que os óbitos da população branca estão abaixo dos valores esperados, dada sua composição etária. Contudo, a padronização de cada distrito indica que a constatação não é válida para todo o território municipal, revelando diferenças significativas entre distritos.

Há 27 distritos na capital (28% do total) onde as mortes de pessoas de raça/cor branca por COVID-19 superaram o número esperado. Na zona leste, Lajeado (53,4%), Guaianases (52,1%), Iguatemi (40,2%), Cidade Tiradentes (37,2%), Vila Curuçá (32,1%) apresentaram as cinco maiores diferenças. Na zona norte, as maiores diferenças foram observadas na Brasilândia (34,8%), Cachoeirinha (19,7%) e Perus (14,9%). Na zona sul, as diferenças percentuais dos distritos que se destacaram são bem menores: Capão Redondo (9,7%) e Jd. Ângela (5,1%).

elaboração: Instituto Pólis

A sobreposição dos indicadores ao Índice Paulista de Vulnerabilidade Social (Seade, 2010) mostra que distritos com áreas de maior vulnerabilidade também são áreas onde as mortes pela infecção de SARS-Cov-2 de pessoas brancas superam os números esperados. Entretanto a correlação não é absoluta, já que há muitos distritos com áreas de alta vulnerabilidade e que registraram bons indicadores.

elaboração: Instituto Pólis

Dos 23 distritos que tiveram menos mortes de pessoas negras do que o coeficiente padronizado indica, 15 estão localizados no quadrante sudoeste da capital, onde o padrão de renda é notadamente superior e, por consequência, o acesso a serviços de saúde seria maior e mais qualificado.

Há outro fator que poderia ser considerado preponderante, mas que se aplica à realidade de apenas algumas áreas da cidade: a própria composição racial dessas localidades. Alguns dos distritos que apresentaram as maiores diferenças percentuais, apontando menos mortes observadas em relação a mortes esperadas, têm uma população preta e parda muito diminuta. Nestes casos, os coeficientes padronizados refletem uma população tão predominantemente branca, que a morte de pessoas negras tornou-se estatisticamente improvável, por quase não haver ali pessoas pretas e pardas residindo. É o caso de Moema, distrito “mais branco” da capital com apenas 5,8% de pretos e pardos, onde não houve sequer um óbito de pessoa negra até 31/07. Alto de Pinheiros, Itaim Bibi, Jardim Paulista e Vila Mariana completam a lista de distritos mais brancos, tendo cada um menos de 9% de pessoas negras, e registrando de 30,9% a 48,2% menos óbitos de pretos e pardos. Para além do número pouco expressivo de pessoas negras nesses distritos, é importante considerar também que os números absolutos de mortes abaixo do esperado indicam que essa população preta e parda está entre as de melhores condições de vida (renda, trabalho, acesso a serviços, etc). Embora exceção à regra, exemplifica como renda e escolaridade maiores ajudam a diminuir as distâncias impostas pelos marcadores raciais.

Entretanto, nem todo distrito com bons indicadores de mortalidade e também com áreas de alta renda se explica pela composição racial. É possível que a organização comunitária combinada com ações locais possam conter a mortalidade, ainda que só por um determinado período, o que ajudaria a explicar os bons resultados em alguns distritos que apresentam áreas de alta vulnerabilidade. Outros distritos como Jaguara, Anhanguera, Campo Limpo e Pedreira, apresentam bons indicadores padronizados de mortalidade da população negra, mas não têm explicação óbvia ou imediata para as taxas padronizadas observadas. O fato de conterem áreas de alta vulnerabilidade, novamente, mostra que não há correlação forte entre essa variável e os impactos da epidemia sobre a população negra.

[6] O DataSUS (Ministério da Saúde) atualiza os dados de hospitalizações por COVID-19 e SRAG (casos confirmados e suspeitos) em seu banco de dados disponível online. Entretanto, somente a atualização do dia 18/05/20 continha a informação do CEP dos pacientes, sendo a única versão que permitiu a geolocalização detalhada da epidemia.

A seguir, partimos para a territorialização dos resultados da padronização, realizando o procedimento indireto, para cada um dos 96 distritos administrativos do MSP considerando as populações branca e negra. O objetivo é analisar o padrão espacial dos coeficientes calculados, possibilitando visualizar a diferença entre óbitos registrados e óbitos esperados em cada distrito da capital paulista por raça/cor. O método ajuda a explorar as nuances da iniquidade racial observada na cidade, podendo indicar causas e comportamentos heterogêneos.

A espacialização dos coeficientes padronizados [4] das populações branca e negra mostra a diferença percentual entre a quantidade de óbitos registrados e óbitos esperados. Quando negativa, indica que morreram menos pessoas do que se esperaria (tendo como referência a cidade como um todo) e, quando positiva, indica que as mortes registradas ultrapassaram o número esperado para determinado distrito.

elaboração: Instituto Pólis

Nos distritos onde ocorreram menos mortes de pessoas brancas do que o esperado, observamos uma diferença total de 2.279 óbitos a menos (que correspondem 23,7% do total de mortes para essa população). Nos distritos em que morreram menos pessoas negras do que se espera pela padronização, foram computados 100 óbitos a menos (1,9%), uma parcela bem menos expressiva em relação ao total de mortes entre a população negra.

O número geral do Município de SP aponta que os óbitos da população branca estão abaixo dos valores esperados, dada sua composição etária. Contudo, a padronização de cada distrito indica que a constatação não é válida para todo o território municipal, revelando diferenças significativas entre distritos.

Há 27 distritos na capital (28% do total) onde as mortes de pessoas de raça/cor branca por COVID-19 superaram o número esperado. Na zona leste, Lajeado (53,4%), Guaianases (52,1%), Iguatemi (40,2%), Cidade Tiradentes (37,2%), Vila Curuçá (32,1%) apresentaram as cinco maiores diferenças. Na zona norte, as maiores diferenças foram observadas na Brasilândia (34,8%), Cachoeirinha (19,7%) e Perus (14,9%). Na zona sul, as diferenças percentuais dos distritos que se destacaram são bem menores: Capão Redondo (9,7%) e Jd. Ângela (5,1%).

elaboração: Instituto Pólis

A sobreposição dos indicadores ao Índice Paulista de Vulnerabilidade Social (Seade, 2010) [5] mostra que distritos com áreas de maior vulnerabilidade também são áreas onde as mortes pela infecção de SARS-Cov-2 de pessoas brancas superam os números esperados. Entretanto a correlação não é absoluta, já que há muitos distritos com áreas de alta vulnerabilidade e que registraram bons indicadores.

elaboração: Instituto Pólis

Dos 23 distritos que tiveram menos mortes de pessoas negras do que o coeficiente padronizado indica, 15 estão localizados no quadrante sudoeste da capital, onde o padrão de renda é notadamente superior e, por consequência, o acesso a serviços de saúde seria maior e mais qualificado.

Há outro fator que poderia ser considerado preponderante, mas que se aplica à realidade de apenas algumas áreas da cidade: a própria composição racial dessas localidades. Alguns dos distritos que apresentaram as maiores diferenças percentuais, apontando menos mortes observadas em relação a mortes esperadas, têm uma população preta e parda muito diminuta. Nestes casos, os coeficientes padronizados refletem uma população tão predominantemente branca, que a morte de pessoas negras tornou-se estatisticamente improvável, por quase não haver ali pessoas pretas e pardas residindo. É o caso de Moema, distrito “mais branco” da capital com apenas 5,8% de pretos e pardos, onde não houve sequer um óbito de pessoa negra até 31/07. Alto de Pinheiros, Itaim Bibi, Jardim Paulista e Vila Mariana completam a lista de distritos mais brancos, tendo cada um menos de 9% de pessoas negras, e registrando de 30,9% a 48,2% menos óbitos de pretos e pardos. Para além do número pouco expressivo de pessoas negras nesses distritos, é importante considerar também que os números absolutos de mortes abaixo do esperado indicam que essa população preta e parda está entre as de melhores condições de vida (renda, trabalho, acesso a serviços, etc). Embora exceção à regra, exemplifica como renda e escolaridade maiores ajudam a diminuir as distâncias impostas pelos marcadores raciais.

Entretanto, nem todo distrito com bons indicadores de mortalidade e também com áreas de alta renda se explica pela composição racial. É possível que a organização comunitária combinada com ações locais possam conter a mortalidade, ainda que só por um determinado período, o que ajudaria a explicar os bons resultados em alguns distritos que apresentam áreas de alta vulnerabilidade. Outros distritos como Jaguara, Anhanguera, Campo Limpo e Pedreira, apresentam bons indicadores padronizados de mortalidade da população negra, mas não têm explicação óbvia ou imediata para as taxas padronizadas observadas. O fato de conterem áreas de alta vulnerabilidade, novamente, mostra que não há correlação forte entre essa variável e os impactos da epidemia sobre a população negra.

conclusões

O estudo sugere que raça/cor – ainda que não seja o único fator – é determinante à desigualdade de acesso à saúde, que, por sua vez, interfere nas consequências da infecção por Sars-COV-2 em cada um dos grupos populacionais. O “rejuvenescimento das vítimas de COVID-19” no Brasil, em comparação com outros países assolados pelo coronavírus, pode estar ligado a um “enegrecimento” da pandemia entre nós. Os dados sobre prevalência do vírus na população periférica [3], onde se concentram a população negra e de baixa escolaridade mostram que estes grupos estão mais expostos à infecção, enquanto os coeficientes padronizados de mortalidade por raça/cor mostram que também as pessoas negras são as que, proporcionalmente, mais morrem na maioria dos distritos do MSP. Se é verdade que a doença afeta mais pessoas idosas, constatar que a população preta e parda é mais atingida porque jovens estão morrendo mais do que deveriam é um sinal claro da desigualdade e do grave problema de maior exposição ao coronavírus, piores condições de vida e acesso ao sistema de saúde. O rejuvenescimento dos óbitos tem cor e localização na cidade.

A negligência em relação à atenção básica do Sistema Único de Saúde pode explicar parcialmente a situação observada.  O sistema montado pelo SUS já reconhece a heterogeneidade territorial nas cidades e está presente com uma capilaridade muito maior do que a rede privada – mais seletiva e concentrada. Ao estabelecer a rede básica distribuída em UBSs que funcionam como a porta de entrada ao sistema único, é garantido que mesmo territórios sem infraestrutura hospitalar tenham acesso à saúde. Uma das figuras principais das UBSs e da atenção básica são os agentes comunitários de saúde, profissionais que atuam diretamente com a população tratando as especificidades dos territórios e comunidades que estão inseridos. No entanto, neste momento da pandemia, a rede de atenção básica de saúde está relegada, esquecida, realizando suas atividades por teleatendimento, o que dificulta muito o acompanhamento dos pacientes.

Padronizar as taxas de mortalidade e fazer o recorte de raça/cor são movimentos imprescindíveis para o monitoramento e a vigilância da pandemia. Voltar os esforços, recursos e políticas públicas, para diminuir o contágio e mortalidade na população negra, é mitigar os efeitos da pandemia na cidade como um todo.

[3] O inquérito sorológico de prevalência do Sars-Cov-2 no MSP pode ser consultado no <https://www.monitoramentocovid19.org>

equipe

  • Vitor Nisida, arquiteto urbanista e pesquisador do Instituto Pólis;
  • Lara Cavalcante, estudante de arquitetura e urbanismo e estagiária do Instituto Pólis.

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