sampa em foco
sampa em foco - raio-x da cidade de sp a partir do direito à cidade outubro de 2024
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apresentação
Esse estudo, realizado pelo Instituto Pólis, tem por objetivo definir indicadores do direito à cidade para analisar a atual realidade socioterritorial da cidade de São Paulo.
A inspiração para este trabalho foi a iniciativa da Plataforma Global pelo Direito à Cidade (PGDC) e do Observatório DESC (Espanha), que definiram 22 indicadores do direito à cidade e os aplicaram na avaliação de Barcelona (Espanha). A metodologia utilizada foi sistematizada no documento “Rumo à implementação do direito à cidade: Guia para a aplicação de indicadores sobre políticas municipais para o direito à cidade”, publicado em 2022.
A ideia central que se pretende difundir com a realização desse estudo é a relevância de usar indicadores de direito à cidade para analisar as realidades urbanas, com o intuito de poder informar a população e o próprio poder público, para a formulação de políticas públicas baseadas em evidências e que contribuam para uma cidade mais justa, democrática, diversa e sustentável. A definição de indicadores conectados aos aspectos do direito à cidade é de fundamental importância para compreendermos como as desigualdades sociais são territorializadas e reproduzidas nas cidades.
sobre o direito à cidade
O Instituto Pólis entende que o direito à cidade destaca a integralidade dos territórios e a interdependência de todos os direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais. É um compromisso ético e político de defesa de um bem comum essencial a uma vida digna em oposição à mercantilização dos territórios, da natureza e das pessoas.
trabalho decente e salário digno
A variação de renda familiar chega a 577% entre o bairro mais rico e o bairro mais pobre da cidade. Jovens, mulheres negras, indígenas e LGBTQIAPN+ estão em situação de maior vulnerabilidade no mercado de trabalho, seja pelo não acesso ao emprego, seja pela precariedade das condições laborais.
Ainda que o Município de São Paulo apresente, de uma forma geral, dados melhores em relação à média nacional, é necessário territorializá-los e compará-los entre os diferentes grupos demográficos para compreender como as desigualdades se apresentam na cidade.
A taxa de desocupação em São Paulo é maior entre mulheres (8,9%) do que entre homens (6,3%). Dentre a população adulta, a maior taxa está na faixa etária entre 18 e 24 anos, com 17,3% de pessoas desocupadas. Considerando o nível de instrução, a maior taxa está entre as pessoas com ensino médio incompleto: 17,9%.
moradia digna e adequada
A população em situação de rua cresceu 31% em apenas dois anos. Para além do atendimento ao déficit habitacional, a efetivação do direito à cidade também depende da promoção de condições urbanísticas e construtivas para uma moradia adequada. Assentamentos precários, como favelas, precisam de investimentos para urbanização e regularização fundiária como forma de garantir infraestrutura básica e segurança da posse às famílias de baixa renda.
A crescente população em situação de rua também é uma realidade e reflexo da crise habitacional na cidade. O censo divulgado pela Prefeitura de São Paulo em 2021 indica uma população de 32 mil pessoas – dados considerados subnotificados pelos movimentos
sociais.
despejo zero
165 mil famílias foram atingidas por ameaças ou despejos e remoções efetivados desde 2017. A Campanha Despejo Zero, criada por movimentos sociais e organizações da sociedade civil por conta da sistemática ação de remoções e despejos mesmo durante a crise sanitária de COVID-19, mapeou 333 mil famílias atualmente ameaçadas de despejo no Brasil. O estado de São Paulo lidera o ranking, com mais de 42 mil famílias nessa situação.
O Observatório de Remoções, coordenado pelo LabCidade da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), mapeou, entre 2017 e junho de 2024, na região metropolitana de São Paulo, 248 mil famílias ameaçadas de remoção, e mais de 36 mil famílias removidas totalmente. Ainda que expressivos, esses dados são considerados subestimados, tendo em vista as dificuldades para quantificação das pessoas atingidas. O Observatório considera que essa realidade é parte de uma reprodução sistemática da lógica de remoções, conformando um “ciclo vicioso”.
justiça socioambiental e climática
Bairros com microclima urbano adequado concentram população branca e de alta renda. A ocorrência de eventos climáticos extremos já é uma realidade frequente nas cidades brasileiras, sendo seus impactos vivenciados de formas desproporcionais por pessoas negras, mulheres, comunidades periféricas e indígenas.
O município de São Paulo vem sentindo de forma intensa os efeitos das mudanças climáticas. Segundo o Plano de Ação Climática do Município (2020-2050), as projeções apontam para o aumento da recorrência de chuvas volumosas concentradas em menos dias, intercaladas por períodos mais longos de secas. Também aponta que as temperaturas podem variar em até 10°C em locais diferentes da cidade o que, como se verá adiante, está conectado diretamente à predominância de áreas verdes e, consequentemente, da renda média da população residente.
por comida saudável no prato
Mais da metade da população de São Paulo está em insegurança alimentar. A insegurança alimentar e nutricional ainda é uma realidade persistente no Brasil, principalmente em relação à dramática situação da fome, que assola 33 milhões de pessoas, segundo o II Inquérito de Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 (II VIGISAN).
Em termos de domicílios, segundo dados da PNAD contínua divulgados pelo IBGE em 2023, 21,6 milhões estavam em situação de insegurança alimentar. O grau mais grave de insegurança alimentar, que representa situações de fome, afetava a 3,2 milhões de domicílios. Ainda que os dados da PNAD apontem maior incidência de insegurança alimentar nas zonas rurais, o acesso a alimentos saudáveis nos centros urbanos ainda é um desafio persistente, principalmente para as famílias de baixa renda e periféricas.
territórios de cuidado
A oferta de vagas nos centros para crianças e adolescentes (ccas) é muito desigual. Os dados da PNAD-Contínua (2023) sobre “Outras formas de trabalho 2022” confirmam as disparidades geradas pela divisão sexual do trabalho no Brasil: mulheres dedicam mais horas semanais para realização de afazeres domésticos e/ou de cuidado que os homens, independentemente de sua situação ocupacional. Mulheres ocupadas despendem uma média de 17.8 horas/semanais realizando essas atividades, em comparação com 11 horas/semanais dos homens na mesma situação. Já as mulheres não ocupadas gastam 24.5 horas/semanais e os homens 13.4 horas/semanais.
Nesse sentido, a existência de serviços de cuidados – integrando os sistemas de saúde, educação e assistência social – ajudaria a desonerar as mulheres cuidadoras. A deficiência de oferta de serviços para contraturno escolar e/ou de educação básica integral é parte desse gargalo das políticas de cuidado.
Esse contexto define padrões diferenciados de mobilidade urbana entre homens e mulheres. Em relação aos modais mais utilizados, a tendência discutida por especialistas se verifica: mulheres paulistanas tomam mais o transporte público coletivo (56%) e caminham mais (54%), o que está diretamente conectado à realização de deslocamentos curtos para as atividades de cuidado.
acesso equitativo à energia de qualidade
53% das famílias de baixa renda têm metade ou mais da metade de seu orçamento comprometido com gastos energéticos. Pesquisa Justiça Energética, do Instituto Pólis (2023), aponta que a conta de luz é um dos gastos que mais impacta o orçamento das famílias brasileiras. Para 50% da população, a conta de luz pesa tanto quanto os gastos com alimentação, e 36% das famílias destinam metade ou mais de seus rendimentos para pagar a energia.
Uma análise desses indicadores para o Município de São Paulo demonstra que a qualidade do serviço de energia elétrica ofertado na capital paulista não ocorre de maneira homogênea. Em outras palavras, a territorialização desses indicadores, obtidos no Banco de Dados Geográficos da Distribuidora (BDGD) da ANEEL para o ano de 2016, permitem observar que os territórios populares e as áreas de maior concentração da classe residencial baixa renda (RE2) apresentam piores índices no que diz respeito à qualidade de fornecimento de energia elétrica, colocando em risco o acesso a suprimento mínimo de energia para assegurar a refrigeração de alimentos e a iluminação dos ambientes desses domicílios.
resíduo zero
3 em cada 10 ruas da cidade não possuem coleta seletiva, majoritariamente, na periferia da cidade. O conceito resíduo zero surge nos anos 70 e significa desenhar e gerir produtos e processos para sistematicamente evitar e eliminar o volume e toxicidade de resíduos e materiais, conservar e recuperar todos recursos naturais, e não os incinerar ou aterrar.
Na cidade de São Paulo foram coletados 3,37 milhões de toneladas de resíduos domiciliares pelo serviço de coleta convencional em 2022, conforme dados do SP Regula. No entanto, a proporção da coleta seletiva nos modelos porta a porta com caminhões compactadores teve uma taxa de apenas 2,1%. A maior geração de resíduos sólidos ocorre nas subprefeituras com maior renda com menor proporção de pessoas pretas e pardas. Essas subprefeituras possuem também a maior oferta de serviços públicos, concentrando Pontos de Entrega Voluntária (PEVs) de resíduos, levando a maior taxa de coleta seletiva.
mobilidade segura e adequada
As principais vítimas do trânsito em São Paulo são homens, jovens e motociclistas. A mobilidade urbana é um aspecto central para a garantia do direito à cidade, já que viabiliza o acesso à serviços públicos e oportunidades de formação, trabalho e lazer que a cidade pode oferecer. No entanto, o preço alto das passagens, insegurança, desconforto e lotação são fatores que criam obstáculos relevantes para a mobilidade, principalmente para a população vulnerabilizada.
A Rede Nossa São Paulo, a partir da pesquisa “Viver em São Paulo: Mobilidade” (2023) revelou que o tempo médio de deslocamento para realização da atividade principal na cidade é de 1h53. Além disso, segundo a mesma pesquisa, 3 em cada 10 pessoas já deixaram de visitar familiares/amigos, realizar atividades de lazer ou ir a consultas médicas por conta do valor da tarifa.
pelo direito de existir
70% das vítimas de intervenção policial são negras. O espaço público é em sua essência o espaço do encontro e da convivência da diversidade. No entanto, não é o que experienciamos no contexto brasileiro, onde o espaço público se tornou lugar de passagem e não permanência, sendo associado à insegurança e à violência principalmente para mulheres, LGBTs, pessoas com deficiência e corpos racializados.
A cidade de São Paulo enfrenta desafios significativos no que tange à violência contra a população jovem negra e LGBTQIAP+. Dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo e de estudo do Instituto Pólis (2024), sobre violência lgbtfóbica, revelam um cenário alarmante, onde a marginalização e a exclusão social convergem para criar um ambiente hostil, especialmente em territórios periféricos.
considerações
Esse estudo buscou analisar a realidade socioterritorial do município de São Paulo a partir do olhar do direito à cidade, de forma a mobilizar a opinião pública para questões urgentes e orientar o poder público na formulação e/ou aprimoramento das políticas públicas. Conforme indicado anteriormente, esse estudo não se pretende exaustivo no que tange a proposição de indicadores relevantes vinculados à perspectiva do direito à cidade.
As recomendações indicadas em cada um dos temas, ainda que se direcionem majoritariamente à necessária atuação do poder público, não se restringem a ele, e buscam suscitar uma mobilização coletiva mais ampla, a partir, por exemplo, do acesso à informação e sensibilização da opinião pública e da incidência e participação da sociedade civil de uma maneira geral.
Uma abordagem do direito à cidade implica necessariamente em uma visão integral e transversal das dinâmicas e vivências na cidade, sempre tendo como âncora a garantia de direitos humanos nos territórios.
acesse os dados completos do estudo
Para acessar os dados sobre o estudo e os indicadores do direito à cidade, baixe o arquivo disponível!
equipe responsável pela formulação da pesquisa
Instituto Pólis
Diretoria Executiva (2023-2026)
Cássia Gomes da Silva
Henrique Botelho Frota
Rodrigo faria G. Iacovini
Coordenação de Comunicação
Bianca Alcântara
Equipe de Pesquisa, Redação e Revisão
André Ruoppolo Biazoti
Elisabeth Grimberg
Isadora da Silva de Melo
Kelly Komatsu Agopyan
Laís Ferreira dos Santos
Lara Cavalcante
Maria Gabriela Feitosa dos Santos
Victor H. Argentino de M. Vieira
Vitor Coelho Nisida
Apoio
Misereor
Global Methane Hub
Instituto Clima e Sociedade – iCS
Energy Transition Fund – ETF
Urban Movement Innovation Fund – UMIFund
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