não é culpa da chuva, mas da falta de políticas públicas habitacionais
No último domingo (30), pessoas morreram em consequência de alagamentos e deslizamentos causados pelas fortes chuvas em São Paulo. Essas mortes se repetem todos os anos em tragédias anunciadas que poderiam ser previstas e evitadas, mas que são esquecidas antes mesmo de soluções serem adotadas.
Enquanto o presidente da república culpabiliza as famílias por morarem em lugares marginalizados, sem infraestrutura, a realidade é que famílias foram despedaçadas com as chuvas e os deslizamentos por não terem possibilidade de moradia em outro local. Devido a ausência do Estado e políticas públicas habitacionais adequadas, foram obrigadas a viver expostas ao risco e à mercê da morte em encostas íngremes ou às margens de córregos e rios que não deveriam ser ocupados devido à sua alta instabilidade. Tudo isso enquanto, do outro lado da cidade, o metro quadrado encarece cada vez mais para enriquecer o bolso de um mercado que fatura bilhões graças à segregação e à desigualdade urbana, resultando na gentrificação de áreas urbanas.
A falta de planejamento urbano interfere ainda mais na vida de grupos sociais menos favorecidos, de acordo com a coordenadora do Pólis, Danielle Klintowitz: “Como a gente não tem nenhuma política habitacional adequada, o que resta à população mais pobre é justamente ir para as áreas não valorizadas pelo mercado, que têm fragilidade ambiental, normalmente irregulares, e que acabam sofrendo quando tem esses eventos climáticos. A culpa não é das chuvas, o que estamos vendo é um “racismo ambiental” às pessoas mais vulneráveis, em sua maioria negras, estão destinados lugares com fragilidades ambientais que estão sujeitas a desastres climáticos. Não é o acaso ou eventos da natureza que provocam anualmente estas mortes, é o poder público com a falta de políticas habitacionais que promovam moradia adequada para as famílias que estão nas áreas de risco. Com as mudanças climáticas e a recessão econômica, se nada for feito, o número de mortes aumentará a cada ano.
O que denominam como fatalidade, na realidade, pode ser lido como racismo ambiental. Isso significa que pessoas marcadas racialmente também são as que mais morrem por consequência da crise climática. A chuva não é a responsável por situações como as que presenciamos. O excesso de chuvas é consequência das mudanças climáticas agravadas pela toada exploratória dos recursos, com a conivência em todas as esferas do poder público, que atinge desproporcionalmente os que menos contribuem para isso e os que menos disponibilizam de recursos financeiros ou tecnológicos para se adaptar às mudanças climáticas e às catástrofes ambientais.
Infelizmente, por mais que insistamos em humanizar as nossas cidades, isso só será possível quando colocarmos fim a este sistema que sacrifica voluntariamente pessoas que não têm condições financeiras de pagar por uma moradia adequada, algo que deveriam ter garantido por direito e não apenas remediadas por uma política como o auxílio emergencial, com um valor ínfimo, que obriga, novamente, essas famílias a voltarem a ocupar áreas com essas características, sem resolver efetivamente o problema. Enquanto isso, R$1 bilhão deixou de ser investido pela prefeitura no Fundo de Desenvolvimento Urbano (Fundurb), contrariando o previsto no Plano Diretor Estratégico.
Para o Instituto Pólis, uma instituição que luta há mais de três décadas pelo direito à cidade, é realmente muito triste observar como a comoção com essas vidas, que habitam moradias precárias e irregulares, só existe após a morte.
Estamos consternados com toda essa situação e sentimos muito por todas as pessoas que perderam entes queridos. Esperamos que no futuro isso possa ser diferente e a morte de ninguém seja definida com base na raça ou classe social a qual pertence. Continuamos na luta por cidades mais justas!