Ao longo de 2020 e 2021, dados sobre hospitalizações, óbitos e vacinação foram reunidos em análises que propuseram fazer leituras urbanas sobre a pandemia na cidade. Além de mapear seus impactos, notadamente desiguais no território e nos diferentes grupos populacionais, esses estudos também buscaram demonstrar a importância de certas estratégias para o adequado monitoramento epidemiológico, controle do contágio e preservação da vida, primando pela redução das iniquidades sociais e pela afirmação de direitos.
Este novo estudo faz um balanço sobre os dados da mortalidade por Covid-19 no Município de São Paulo (MSP) entre 2020 e 2021 e tem como objetivo sintetizar leituras acerca da pandemia na capital paulista, como forma de reforçar algumas recomendações centrais para o enfrentamento da emergência sanitária, que acelerou seu crescimento na nova onda de contágios e mortes.
Danielle Klintowitz, nossa coordenadora geral, foi convidada a participar do 11º Boletim Informativo Mensal da Ouvidoria-Geral da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, disponível aqui. Nele, ela comentou tópicos relacionados ao Dia Mundial da Saúde, comemorado anualmente, todo dia 7 de abril, desde 1950.
Durante a entrevista, Danielle ressaltou a importância do Sistema Único de Saúde (SUS) e explicou como ele poderia ter desempenhado um papel fundamental ao lado das áreas mais vulneráveis da cidade neste momento, monitorando famílias, disseminando informações e fazendo testagens, por exemplo.
Quando perguntada sobre a pesquisa “abordagem territorial e desigualdades raciais na vacinação contra Covid-19”, ela evidenciou como as escolhas de enfrentamento à pandemia fizeram com que a população negra, que reside majoritariamente em territórios periféricos, se tornasse amplamente exposta ao vírus e, consequentemente, mais vulnerável ao adoecimento e ao próprio falecimento em virtude da Covid-19. Confira a entrevista completa logo abaixo:
1) No dia 7 de abril, celebramos o Dia Mundial da Saúde. Na opinião do Instituto Pólis, o que pode e o que não pode ser comemorado nessa data?
O Pólis celebra o SUS. Acreditamos que o Sistema é um grande tesouro para o país. São poucos os países do mundo que têm um sistema de saúde universal como temos. Mas ao mesmo tempo, infelizmente, não podemos celebrar como o SUS tem sido conduzido.
Agora na pandemia, por exemplo, o SUS poderia ter um papel essencial de estar na ponta com o serviço de saúde básica que temos estruturado e como seus agentes de saúde. Estes profissionais de ponta poderia ter feito um trabalho precioso pois conhecem de perto as famílias das áreas mais vulneráveis das cidades e poderiam ser responsáveis por disseminar informação sobre precauções necessárias, fazer testagem e triagem de pessoas infectadas para isolá-las e fazer os primeiros atendimentos, inclusive com os encaminhamentos hospitalares necessários. Mas infelizmente o enfrentamento à pandemia no país ignorou a existência deste sistema básico de saúde que temos montado e muito capilarizado e focou exclusivamente no sistema hospitalar.
2) A recente pesquisa lançada pelo Pólis evidencia o impacto diferenciado da pandemia para a população negra e que reside nos territórios periféricos da cidade. Quais foram os principais apontamentos da pesquisa?
Quando a pandemia chegou ao Brasil havia uma falsa ideia de que seria “democrática” e atingiria a todos os cidadãos da mesma maneira. Mas desde o início os pesquisadores e profissionais que trabalham com as questões territoriais já anunciavam que apesar de os primeiros casos terem sido diagnosticados nos bairros de maior renda, quem sofreria mais seriam os territórios e pessoas mais vulneráveis. E infelizmente isso se comprovou, desde de março de 2020 o Instituto Pólis tem feito pesquisas sobre o avanço territorial da pandemia na cidade de São Paulo e os resultados todos nos mostram que modelo escolhido de enfrentamento da pandemia foi montado de maneira que a classe média fique em casa isolada e as pessoas mais vulneráveis continuem trabalhando, e por consequência se infectando, para garantir este isolamento da classe média. Em relação à questão racial, nossos estudos mostraram que a população negra da cidade tem muito mais chance de morrer que a população branca. Os negros estão morrendo 30% a mais do que se esperaria pela idade média desta população, enquanto os brancos estão morrendo 13, 4% a menos do que se esperaria. Então a população negra tem 39% mais chance de morrer de Covid-19 do que a população branca. Além disso, homens negros são os mais atingidos, tendo 52% mais mortalidade que os homens brancos da mesma idade. E apesar de a Covid-19 ter uma mortalidade menor entre mulheres, as mulheres negras tem uma curva de mortalidade parecida com a dos homens brancos e têm apresentado 56% mais mortalidade que as mulheres brancas. E territorialmente estas mortes de pessoas negras estão concentradas em regiões mais vulneráveis da cidade, onde está concentrada a maior parte da população negra.
3) Especificamente sobre a Defensoria Pública, e considerando os resultados da pesquisa, de que forma o Instituto Pólis vê o papel da DPESP na concretização do direito à saúde no enfrentamento à pandemia?
A defensoria tem um papel muito importante na disseminação de informações e no advocacy junto ao poder público para que a questão regional seja levada em conta no enfrentamento da pandemia. Se há um lugar na cidade e determinadas pessoas que estão morrendo mais que as outras, estas pessoas precisam receber tratamento especial na testagem, nos cuidados dos infectados, e serem priorizados na vacinação.
A pandemia do covid-19 acirrou as desigualdades no Brasil. Além do acesso a aparelhos de saúde, os marcadores de classe, gênero e raça mostram quem são as pessoas que tem condições de fazer ou não quarentena, e de seguir as recomendações de higiene e isolamento da Organização Mundial da Saúde.
Pessoas negras são a maioria (60%) das que trabalham informalmente, sobretudo as mulheres negras (IBGE). Com a forte precarização do trabalho, muitas destas pessoas terão de escolher entre ficar sem nenhuma renda, ou sair de casa correndo o risco de ser contaminada ou de propagar o vírus.
O Brasil tem mais de 3 milhões de famílias vivendo em situação de cohabitação, isso é, quando mais de uma família divide a mesma casa e quase 320 mil vivendo em situação de adensamento excessivo, ou seja, quando há mais de 3 moradores dormindo no mesmo cômodo (FGV 2015). Estas situações são mais recorrentes em favelas e cortiços dos grandes centros urbanos, onde cerca de 70% da população é negra.
No município de São Paulo, 11 distritos não tem nenhum leito hospitalar (Rede Nossa São Paulo, 2019). Não é coincidência que estes também sejam os distritos onde moram mais pessoas não brancas e com menor rendimento. Justamente aquelas que mais dependem do SUS.
Em quatro anos, a população em situação de rua em São Paulo cresceu 53%: passou de 15,9 mil em 2015 para 24,3 mil em 2019. Deste total, cerca de 7 mil tem 50 anos ou mais e são ainda mais vulneráveis ao contágio por Covid-19. A falta de acesso a banheiros e saneamento básico dificulta ainda mais a prevenção. Parte dessas pessoas dormem em albergues e por isso não conseguem evitar aglomerações. Afinal, quem tem direito ao isolamento?
O trabalho informal é a forma de rendimento de mais de 40% da toda população trabalhadora do Brasil (IBGE). Esses profissionais ganham cerca de 40% a menos do que pessoas com carteira assinada, e são em sua maioria mulheres negras (60%). Além disso, as condições de moradia de quem trabalha informalmente e tem rendimento menor também são mais difíceis, com menos acesso à saneamento básico, por exemplo. Babás, motoristas de ônibus, motoboys de aplicativos, atendentes de padaria… Essas pessoas estarão mais expostas ao contágio e a disseminação do vírus. Onde essas pessoas moram? Qual o plano do governo para conter essa tragédia anunciada?
Nossa sociedade patriarcal delega às mulheres 75% do trabalho de cuidado não remunerado em todo o mundo (OXFAM, 2020). Ou seja, cabe a elas o cuidado com os familiares, os afazeres domésticos ou os deslocamentos para abastecer a casa, por exemplo. Por conta disso, cerca de 30% das mulheres acabam por deixar seus trabalhos para cuidar dos filhos, enquanto apenas 7% dos homens tomam a mesma decisão. Neste cenário de pandemia, onde crianças foram liberadas das creches e escolas para evitar a disseminação do vírus, e da flexibilização do trabalho com subtração de direitos, quantas mulheres serão forçadas a abdicar dos seus trabalhos e dos seus rendimentos? Como este contexto afetará a vida das mulheres?
Em uma reportagem da BBC Brasil, Gilson Rodrigues, uma das lideranças de Paraisópolis (SP) alerta sobre como as as favelas estão sendo totalmente ignoradas e as políticas de governo, ao invés de melhorar, só agravam a situação. Esta não é uma realidade só de Paraisópolis. Outras favelas de São Paulo, e lideranças de favelas do Rio de Janeiro, como Raull Santiago, têm demonstrado a mesma preocupação em reportagens ou em suas redes sociais.
As 30 cooperativas que prestam serviços à cidade de São Paulo pararam suas atividades pelos riscos de contaminação dos trabalhadores diante da pandemia provocada pelo Coronavírus Covid-19. A cidade tem o maior foco de infecção no Brasil e reúne o maior número de mortes. Essas famílias não tem outra fonte de sustento.
Vale lembrar que os materiais recicláveis – papel/papelão, metais, vidros, plásticos – que a cidade desvia dos aterros sanitários resultam da atividade que essa categoria de trabalhadores desenvolve há mais de 60 anos. Mas, é fundamental destacar que se o setor empresarial – fabricante, distribuidor, comerciante – já tivesse assumido sua responsabilidade pelo custeio da remuneração dos catadores pelo serviço de classificação dos materiais, assim como pelo custeio da coleta seletiva da fração reciclável dos resíduos domiciliares (30%), como determina a Política Nacional de Resíduos Sólidos de 2010, a situação de absoluta vulnerabilidade dessa categoria não estaria acontecendo.
Para colaborar na arrecadação de recursos para compra de cestas básicas para catadores e catadoras de cooperativas de reciclagem, clique aqui.
A epidemia de COVID 19 tem pressionado os sistemas de saúde de todos os países com casos notificados. O Brasil é o único país do mundo com mais de 100 milhões de habitantes com um sistema de saúde gratuito e universal à toda população. Porém, mesmo antes da epidemia, este sistema já estava sob pressão. ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
Estas distâncias não afetam da mesma forma a população como um todo. Há diferenças regionais (com a região sudeste liderando o número de leitos e de população), mas também intra regionais e até intramunicipais. O Município de São Paulo, por exemplo, apresentava em 2019 11 distritos sem nenhum leito hospitalar (Rede Nossa São Paulo, 2019). Não é coincidência que estes também sejam os distritos onde moram mais pessoas não brancas e com menor rendimento. Justamente aquelas que, como vimos, mais dependem do SUS.
Para além de superar os desafios regionais, o enfrentamento desta pandemia também têm outro desafio: a Emenda Constitucional 95 aprovada em 2016 e que estabelece um teto para os gastos públicos, inclusive na área da Saúde. Naquela época, muitas ONGs e movimentos já alertavam que ela seria a “PEC da morte”. Devemos reverter esta emenda o quanto antes, ou então, assistiremos nosso corpo médico tendo que fazer escolhas impossíveis: eleger quais serão os pacientes que serão atendidos e quais que serão desassistidos.
No Brasil de 2020 há cerca de 4 milhões de pessoas que moram em domicílios sem banheiro! 4 milhões! Para agravar a situação, 35 milhões de brasileiras(os) vivem sem acesso a água tratada e 100 milhões não possuem rede esgoto, segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento em 2018 (SNIS – 2018).
Este cenário é mais estrutural no norte do país, onde cerca de 80% dos domicílios não estão conectados à rede geral de esgoto e no nordeste, onde quase 30% dos domicílios não têm acesso diário à rede de água. Estas duas regiões são aquelas que também abrigam a maior porcentagem de pessoas negras (cerca de 79% da população da região norte e 64,5% da região nordeste é negra) É também mais grave nas favelas e cortiços dos grandes centros urbanos, onde cerca de 70% da população é negra. ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
Essa realidade, além de comprimir a qualidade de vida, também facilita não só a propagação do COVID 19, como também de outras doenças como tuberculose, por exemplo.
Apesar da quarentena em São Paulo, ainda é possível observar muitas pessoas nos ônibus e metrôs da cidade..
Para termos uma ideia da importância do coletivo no cotidiano da cidade – sobretudo para as mulheres negras que, não só tem o menor rendimento familiar, moram mais longe e dependem mais do transporte e de outros serviços públicos – só na Região Metropolitana de São Paulo são realizadas diariamente 15,3 milhões de viagens seja por trem, metrô ou ônibus (Pesquisa Origem Destino, 2017)
Esta mesma região tem três das dez linhas de trem e metrô mais lotadas do mundo (Google Maps, 2019) e nem todas as estações oferecem condições para que suas usuárias e usuários possam se higienizar, seja porque muitas estações se quer oferecem banheiros públicos, seja porque, as que oferecem, muitas vezes não têm sabonetes e toalhas de papel.
Além disso, o tempo médio destas viagens é de quase 2,5 horas e com pelo menos 1 baldeação. Todos estes fatores aumentam os riscos de contaminação das pessoas que usam diariamente o transporte público e que, no final do dia, ainda terão que chegar em casa e cuidar da casa, dos filhos e, pior, das pessoas mais vulneráveis ao COVID 19, as pessoas idosas da família.
Está na pauta da Comissão Especial da Câmara dos Deputados a votação do parecer sobre o PL6299/02 – o Pacote do Veneno. Este pacote é um conjunto de projetos de lei que buscam esfacelar a atual Lei de Agrotóxicos, abrindo de vez a porteira para a farra dos venenos.
Assine a petição: http://chegadeagrotoxicos.org.br/
A proposta troca do nome agrotóxico pelo insuspeito “defensivo fitossanitário” e retira da atual regulação todos os critérios de proibição de agrotóxicos existentes anteriormente. Assim, a possibilidade de causar câncer, mutação genética e má-formação fetal não impedem mais um veneno de ser registrado. Ele também retira o poder dos Ministérios da Saúde e do Meio Ambiente vetarem um novo agrotóxico, e acabou com a proposta de prazo de validade para registro de agrotóxicos.
A sessão na Câmara já começou! Pressione seu parlamentar e, especialmente, os membros da Comissão para rejeitarem a mudança na Lei de Agrotóxicos: https://goo.gl/smmXWs