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Entrevista: o ativista cultural Jorge Blandón fala sobre a importância do I Congresso Latinoamericano de Cultura Viva Comunitária

09/04/2013

O Instituto Pólis entrevistou o colombiano Jorge Blandón, um dos articuladores do I Congresso Latinoamericano de Cultura Viva Comunitária, em passagem por São Paulo, para falar sobre políticas públicas para a cultura, direitos humanos e diversidade na América Latina.

O congresso se define como um fórum continental no qual irá se compartilhar a produção de conhecimentos e intercâmbio com o firme propósito de reconhecer, dialogar, refletir e estimular um encontro entre pares diversos, gente que faz a cultura viva, organizações artísticas, culturais, de comunicação para a transformação, de circo social, hip-hop, escritores, artistas plásticos, ativistas da cultura de paz e de não-violência.

A este encontro também estão convidados legisladores e gestores públicos de cidades e países da América Latina, onde existem hoje ações públicas de Cultura Viva Comunitária, como a dos “Pontos de Cultura”, no Brasil, na Argentina e no Peru e o estímulo às organizações de cultura comunitária na Colômbia.

Como a cultura pode promover os direitos humanos, a dignidade e a paz?
Jorge – A cultura é inerente ao ser humano, portanto é profundamente humana. É a força que faz pulsar um sistema de valores inventado pelo homem e que permite a compreensão do papel do homem no desenvolvimento social, político e econômico.
Atualmente, considera-de muito mais fundamental para a sociedade um tema como a economia e a política e muito menos o assunto da cultura. Mas, a cultura é parte do desenvolvimento dos povos e é parte da cidadania e dos direitos humanos. Estabelecer uma relação entre as manifestações culturais e as comunidades é dizer que a cultura tem a ver com o desenvolvimento humano, com o desenvolvimento das comunidades. Não queremos nada mais nada menos que o reconhecimento da profunda humanidade da cultura. Um congresso como o que vamos realizar pretende que os Estados reconheçam a obrigatoriedade de serem solidários aos movimentos culturais comunitários. E que se possa estabelecer uma articulação entre legisladores preocupados com os temas culturais, que entendam que a cultura não deve existir apenas na perspectiva da indústria cultural, mas da alegria das mulheres e homens das comunidades, para que eles resistam, para que o Estado tenha propostas de alegria em contextos de conflito, para que se estabeleçam propostas de paz. Trata-se da capacidade de construir um cenário de convivência, de alegria e de esperança. Investir em cultura é fundamental para diminuir o índice de violência. Graças à compreensão dos direitos humanos, das culturas de paz, as comunidades conseguem atenuar muitos conflitos territoriais. A cultura não pode seguir atada às limitações dos pressupostos dos governos, tendo menos recursos que os ministérios da Defesa e da Educação, por exemplo. É importante que os ‘chefes da cultura’ (prefeitos, governadores, legisladores) se sentem para discutir o papel articulador que cada cidade tem nesse processo.

O significa o termo Cultura de Paz?

Jorge – Entender a cultura de paz nos obriga a compreender a democracia participativa, deliberativa. Trata-se de um salto qualitativo, onde um espaço se abre para que os cidadãos tenham o lugar da participação. A cultura de paz é uma atitude fundamental, nela a não violência dá lugar ao outro, dá-se voz ao outro, e garante-se o direito a não estar de acordo ou estar, e à confraternização. A cultura de paz estimula cenários de convivência, ela impulsiona o reconhecimento do outro. Nasce do pensamento e tem uma relação com o sentimento. É uma situação relacional, onde é possível compreender o outro, em que vizinhos e diferentes estão de acordo em pensar juntos o futuro. Como diz [o escritor] Carlos Fuentes, ‘a cultura são os sonhos também’. É importante compreender os sonhos dos outros para se pensar o futuro juntos.

Como a diversidade cultural pode promover o desenvolvimento sustentável?

Jorge – Não podemos entender a cultura se não compreendemos a diversidade cultural. Não podemos falar da cultura, se não entendemos as culturas. Não há uma cultura, mas muitas culturas. Com a diversidade queremos criar espaços de igualdade e de responsabilidade. Temos que entender as identidades e territorialidades e criar um cenário de interdependências. Porque  as relações se tornam mais fortes quando se compreende o mundo desse modo, quando nos importamos com os esforços dos outros. Hoje, estamos ameaçados pelos grandes projetos de desenvolvimento, pelas multinacionais penetrando em terrítorios indígenas, sem respeitarem a profunda espiritualidade desses povos. [Para um desenvolvimento sustentável] é importante incluir também as comunidades nos macroprojetos da cultura.

Que ferramentas as organizações culturais comunitárias têm utilizado para expressar a diversidade na arte e na cultura?

Jorge – Uma das ações fundamentais nesse sentido foi criar a rede Cultura Viva Comunitária, para estabelecer um diálogo entre a sociedade civil organizada e os governos e articular o tema da cultura como central. Outra ação foi estabelecer mapeamentos para reconhecimento das organizações que estão nos territórios e que fundamentam o trabalho das redes, para esclarecer quais devem ser as políticas públicas para as comunidades, impulsionando-as a partir de um debate público e comunitário. Formamos assim uma aliança em defesa do direito do cidadão, que não compreende somente pagar impostos, incrementar a renda pública, mas também a garantia de que os recursos públicos retornem às comunidades com projetos que gerem igualdade, emprego e melhores condições de qualidade de vida, potencializando a democracia. As negociações pelas quais as redes começam a trabalhar pensam no papel dos artistas para o desenvolvimento da sociedade criativa. Pensam como criar políticas públicas que nasçam nas comunidades e cheguem aos governos como geradores de transformação. Outras ações são importantes, como o teatro, que é ferramenta importante para que mulheres e homens possam narrar as histórias de suas comunidades. Por fim, buscamos garantir que ao menos 0,1% dos orçamentos governamentais sejam destinados à Cultura Viva Comunitária.

Onde se encontram e se distanciam a Cultura Viva Comunitária e a indústria cultural?

Jorge – A cultura é viva, é dinâmica, está em permanente evolução e obedece à humanidade. Ela está em diálogo permanente com os fazeres éticos e estéticos e os patrimônios materiais e imateriais. Quando falamos de Cultura Viva Comunitária falamos de territórios nos quais não houve historicamente uma incidência política, econômica e social. Territórios que foram marginalizados das políticas públicas, dos meios de comunicação. Há uma cultura viva, que está compreendida nos fazeres das mulheres e dos homens em seus territórios, e que é absolutamente transformadora.  A cultura viva não é e não pode ser indústria cultural. Ela não pode ser colocada embrulhada numa caixa de papelão, virar sistema de gravação (CD) e ser vendida no mercado. Como é possível que o cheiro e o sabor de um bobó de camarão seja condensado em um CD? Que o sorriso de uma criança impacte um material que se possa comprar? Não se compra a ternura dos olhos. Nem tudo é passível de venda. Há uma cultura que está viva e outra que está morta. O ato de consumir pode levá-lo a comprar um outro livro, ver um filme. Mas, não há nada mais edificante do que viver uma festa junina, uma festa do Carnaval del Diablo (na Colômbia), nada mais belo e trepidante que viver um festival de teatro em comunidade, que possa gerar níveis de vivência. Mas tudo isso não  se deseja vender.
É importante que haja também cenários para a indústria criativa. Mas, pedimos cenários onde se possam seguir se desenvolvendo a cultura comunitária, a alegria, o amor, a autoestima das comunidades. Um cenário em que as vozes das cantoras da Colômbia, do Brasil, da Bolívia, sejam reconhecidas não pelo produto que vendem, mas pelo papel transformador que exercem em suas comunidades. Que haja uma ressignificação do trabalho que fazem essas mulheres em seus territórios. Deve-se valorizar isso, parte do dinheiro que o governo arrecada deveria ser devolvida em estímulos para os territórios dessas cantoras. Por isso, é importante criar um fundo para essas culturas, para que elas sejam reconhecidas pelo seu valor na construção de imaginários de jovens e de suas comunidades.

Existe um Fundo Internacional para a Diversidade Cultural, como previa a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) em convenção de 2007?

Jorge – Não há. O que a rede pela Cultura Viva Comunitária pede é que 0,1% dos orçamentos governamentais sejam destinados à cultura comunitária, ao estímulo à criação, para que os sabores e essências sejam possíveis em cada país e cada território. Já temos uma secretaria que organiza e potencializa alguns fundos que alavancam projetos para o desenvolvimento da cultura comunitária. Mas, por enquanto, os recursos são insuficientes. Queremos um fundo mundial de cultura viva comunitária sustentado em duas indústrias: a militar e a petrolífera. De modo que cada arma de fogo disparada no mundo seja multada e que a ação de matar se torne recurso para a cultura viva comunitária.  E para que a retirada do sangue da terra (o petróleo) possa ter um contraponto que alimente a vida em sociedade.

Como você enxerga a cultura comunitária no Brasil? 

Jorge – A América Latina vive um momento muito importante do fazer artístico, estético, ético, da cultura que surge nas comunidades. O Brasil desenvolveu os Pontos de Cultura, essa ‘acupuntura cultural’ que impulsiona a energia da força social. O país também nos convidou em vários momentos para encontros nacionais de cultura.  E nos apresentou a mestres como Paulo Freire e Milton Santos, que sempre imaginaram que outro mundo era possível, imaginavam cenários de resistência coletiva e de luta pacífica, onde a cultura comunitária é o articulador de abraços. Nós somos, mas temos que nos juntar. O Fórum Social Mundial de 2009, em Belém (PA), uniu muita gente da América Latina e do mundo, assim como outros encontros em Brasília,  Buenos Aires, Medelín, Costa Rica, Panamá, México, Cuba, Uruguai etc. Foi se tornando possível promover um diálogo continental que impulsionasse políticas públicas, a comunicação para a democracia, a transfomação social por meio da arte e da cultura viva comunitária. Queremos recorrer à essência espiritual dos pontos de cultura, à essa força que revela o que há por baixo das comunidades. Durante esses encontros construímos a ideia da nossa rede de Cultura Viva Comunitária.

As expressões da cultura comunitária se assemelham na América Latina? 

Jorge – Esse diálogo da plataforma viva tem sido muito importante, por nos possibilitar compreender essas culturas. É muito diferente o que vive o povo no Peru, na Bolívia e no Brasil. Mas, queremos que as relações se fortaleçam e lograr ter um ponto em comum para descobrir nossas identidades.

1º Congresso Latino-Americano de Cultura Viva Comunitária
Data: 17 a 22 de maio
Local: La Paz (Bolívia)
Página: www.culturavivacomunitaria.org