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julho das pretas: confira entrevista com Keit Lima

24/07/2021

Arte feita por Ariane Oliveira (@arianeartista)

O Brasil é um país que violenta e subjuga os corpos de mulheres negras. No entanto, são estas que transformam suas dores em luta e cotidianamente se organizam para combater o racismo, o machismo e o capital criando as melhores esperanças para este país. Angela Davis em 2017, em visita a UFBA, disse que o movimento de mulheres negras é o movimento social mais importante do Brasil pois é ele quem mobiliza transformações históricas no nosso tecido social.

No Dia da Mulher Negra, Latino-Americana e Caribenha, convidamos Keit Lima, ativista dos Direitos Humanos, mulher, preta, gorda, nordestina e periférica, vereadora suplente de SP pelo PSOL. Militante da Educafro, da Marcha das Mulheres Negras SP, da Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas  e Amparar , para responder sob seu ponto de vista e de sua atuação sobre qual é o futuro das mulheres negras no Brasil. Leia a entrevista completa abaixo:

Keit, sua trajetória de luta aponta para saídas através da coletivização. Quais são as intervenções que você e os coletivos que faz parte tem feito para mudar o que está posto e construir uma cidade onde todos tenham seus direitos garantidos?
Não tem uma conquista de direitos em que as mulheres negras não estejam no front e na base. Estamos há anos construindo um novo marco civilizatório, e não vamos parar. Eu não aceito um país, um estado, uma cidade, onde a cor, o cep, o gênero, o tamanho do corpo determine quais são os direitos garatidos para aquela pessoa. E eu estarei até minha última gota de sangue na construção para que todo mundo tenha seus direitos garantidos. Isso é impossível sem coletividade e sem comprometimento. Nós assinamos um dos primeiros pedidos de impeachment para tirar esse genocida, esse desgoverno. Isso não começou agora, há anos nós do movimento negro estamos denunciando esse genocídio contra nossas vidas: a cada 23 minutos um corpo preto tomba. Seguimos sendo assassinados descaradamente pela bala da polícia e pela falta de acesso à saúde pública de qualidade. Somos nós, pessoas pretas, pobres e periféricas, as que mais estamos morrendo. Seguimos na luta para garantir comida na mesa das famílias, pessoas que nunca tiveram o direito ao isolamento social. Seguimos na luta para não permitir que nenhum direito seja tirado, porque todos os direitos foram conquistados com muito sangue e suor. Com o nosso sangue e suor.

A liderança das mulheres negras tem uma tradição de luta por liberdade desde os tempos da escravização até o presente. O que é possível aprender com a ancestralidade que possa nos ajudar a construir um futuro para as mulheres negras no Brasil?
É impossível caminhar sem aprender e sem ser guiada pela minha ancestralidade. Eu acredito muito, e sou muito guiada pela filosofia sankofa, que é estar sempre com os pés virados para frente, mas aprendendo com os que vieram antes de mim, com minha ancestralidade. É isso que me guia, eu sou por causa das minhas que vieram antes de mim. Eu sou por causa das minhas que caminham comigo. E eu sou para abrir caminho para quem vem depois.

Como você vê a presença das mulheres negras dentro dos espaços institucionais, as casas legislativas por exemplo, como caminho para a mudança das estruturas de poder? Quais os desafios e potencialidades?
Não teremos uma democracia real enquanto mulheres negras não estiverem na política institucional. Não teremos uma democracia real enquanto as casas legislativas não representarem e espelharem o que é a realidade brasileira. Então a importância de ter mulheres negras comprometidas na política institucional é sobre mostrar, provar que é possível sim uma nova forma de fazer política, uma forma coletiva, fazer política com “os dois pés na porta”, mas com comprometimento com a diminuição da desigualdade. A desigualdade é um dos problemas estruturais do Brasil, e ela tem cor, raça e classe. É muito mais do que falar sobre isso, é sobre colocar essa questão no centro do debate, discutir com os movimentos sociais, e construir com a sociedade civil. É possível fazer uma construção pelo bem viver, para todo mundo, para que todo mundo tenha seus direitos garantidos. Essa para mim é a importância de ter mulheres negras comprometidas. Não queremos qualquer mulher negra, a nossa luta é para colocar dentro da política mulheres negras comprometidas na sua história, muito além da época de campanha. A gente não precisa voltar para a base, como muita gente fala, nós somos a base, estamos na base o tempo todo.

Poderia nos indicar quais as suas referências e/ou quais as ações que você tem acompanhado que confrontam o estado das coisas? Pode ser perfis, livros e outras referências.
Uma de minhas grandes referências de intelectual, de feminismo interseccional, de debate político, de fazer uma nova política, porque é possível uma nova política, comprometida com a população mais vulnerável, é Lélia Gonzalez. Indico muito o livro Primavera para as Rosas Negras, que é um apanhado de todos os artigos e pensamentos que ela escreveu, debateu e trouxe de forma muito lúcida e acessível.