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É proibido obedecer

29/08/2016

Qual é a definição da desobediência? Especialistas discutem o que é o direito de desobedecer numa sociedade excludente e repressora

A cultura da civilidade, tão aclamada em nome da progresso, impõe ordem e disciplina. Institucionalizada, formula regras sociais que orientam o funcionamento de todas as relações em sociedade. Porém, o que cabe nessa ordem? O que essa disciplina condena? Na abertura do Encontro Estéticas das Periferias, ocorrida dia 23 de agosto, no Auditório Ibirapuera, seis convidados levantaram discussões críticas sobre a cultura da desobediência, rompendo com o ideário de ordem e progresso.

O debate “Direito à Cultura: cultura da desobediência” abriu espaço para Tião Soares (consultor e gestor nas áreas de educação, cultura e desenvolvimento social e humano), Heloisa Buarque de Hollanda (coordenadora do Programa Avançado de Cultura Contemporânea PACC/UFRJ), Regina Egger Pazzanese (historiadora, comunicadora social e doutoranda em História Social pela USP), Marcia Izzo (educadora popular e produtora cultural), Daniela Biancardi (atriz, orientadora teatral e produtora cultural) e Juliana Martins (coordenadora de Políticas de Juventude de São Paulo) manifestarem o que entendem por desobediência numa cultura de exclusão e repressão. A roda teve como mediador Hamilton Faria, poeta e coordenador da área de Cultura do Instituto Pólis.

Da esquerda para a direita: Marcia Izzo, Hamilton Faria, Regina Egger e Tião Soares
Da esquerda para a direita: Marcia Izzo, Hamilton Faria, Regina Egger e Tião Soares

O ato de desobedecer ultrapassa a discussão da legalidade, afinal, esta última é um objeto de enfrentamento, visto que é construída pelo status quo, por aqueles que detém o poder, e se materializa muitas vezes de forma violenta. Na década de 1910, na Inglaterra, o movimento feminista em prol do sufrágio feminino lutou contra as leis vigentes que proibiam as mulheres de votar. Rosa Parks, mulher e negra, na década de 1950, quebrou as regras e se recusou a levantar do banco de um ônibus legalmente destinado aos brancos. Débora Silva, integrante do Mães de Maio, luta diariamente contra as injustiças do Estado diante dos homicídios praticados por policiais militares do estado de São Paulo.

Para Heloisa, desobedecer é ocupar os espaços onde há pouca expressão das minorias sociais a fim de se fazer escutar as vozes silenciadas e reafirmar a existência dessas. Já Juliana, a segunda pessoa da família a se graduar, defende que a população negra deva protagonizar a produção acadêmica sobre negros como uma contranarrativa ao conhecimento hegemônico histórico. Segundo Regina, no caminho oposto ao da violência do obedecer, desobediência é ter afeto e compaixão pela luta do outro, mesmo que não diga respeito a própria. É a quebra de um padrão de relações para algo inovador, construtivo e igualitário. Como pontuou Hamilton Faria, a desobediência é um processo necessário na construção de uma sociedade democrática.

Da esquerda para a direita: Heloisa Buarque de Hollanda, Daniela Biancardi e Hamilton Faria
Da esquerda para a direita: Heloisa Buarque de Hollanda, Daniela Biancardi e Hamilton Faria

Ainda, em sociedades em que as relações são frequentemente mediadas por aparelhos tecnológicos, esses podem ser ferramentas úteis para o exercício da desobediência. Experiência com creative commons, licenças que permitem cópia e compartilhamento de obras, e sites colaborativos como o Wikipedia escancaram a desigualdade digital, onde acesso a informações é privilégio. É o que destacou Regina ao falar sobre a importância do colaborativismo na internet e da difusão de informações sem que haja necessariamente o desembolso de uma quantia de dinheiro por isso. Trata-se de uma maneira de democratização do conhecimento e de valorização de outros saberes.

Outro ponto importante levantado foi a questão do direito à intersubjetividade, de reconhecer as diversas identidades e trocar experiências a partir delas. Heloisa reconhece a necessidade de se afirmar feminista em espaços públicos. Isso, além de desobedecer o comportamento esperado das mulheres e dar espaço para a manifestação da individualidade, cria uma aproximação das mulheres com o tema.

Juliana Martins participou da segunda rodada de debates acompanhada por Daniela e Heloisa
Juliana Martins participou da segunda rodada de debates acompanhada por Daniela e Heloisa

Assim como o direito de se vestir e usar o cabelo como se bem entende, a desobediência como estamos discutindo está na esfera do comportamento e das relações em sociedade, transcende qualquer discussão ligada ao poder, justamente por colocá-lo em crise. Posto isso, o Estéticas das Periferias é, por isso só, um movimento de desobediência, justamente por colocar em evidência produções culturais marginalizadas pelos padrões de cultura impostos historicamente.

O encontro é realizado pela Ação Educativa e tem duração de uma semana. Conta com mais de 500 eventos espalhados pela cidade de São Paulo. Clique para conferir mais informações e a programação completa.