Confira a resposta de mulheres negras e indígenas que articulam-se para o enfrentamento das opressões e organizam as resistências para a construção do bem viver!
Simone Nascimento @simoneehnois é Jornalista, integra a coordenação Estadual do MNU(Movimento Negro Unificado), o movimento RUA Juventude Anticapitalista e a Marcha Das Mulheres Negras de São Paulo.
“Essa cidade do futuro é pra ontem, urgente. Começa com as mulheres negras tendo o direito de falar e construir esse lugar com as tecnologias de sobrevivência e comunidade que o nosso povo tem desenvolvido nos últimos séculos. Em cada bairro desta cidade existem centenas de mulheres negras que sabem de cada detalhe do que acontece com suas comunidades, cada problema e também qual seria melhor a solução. São Paulo é a cidade mais rica do país e a mais desigual. Precisamos construir o bem viver das mulheres negras, isso significa que Justiça social é o mínimo para pensarmos um futuro que não perpetue a violência do estado contra nós. Precisamos de uma cidade em que a PM não pise de botina em nossos pescoços ou mate nossos filhos, irmãos, familiares. Esse futuro digno só existirá se não existir racismo, machismo e miséria, que atravessam nossos corpos. Se tiver direitos para as mulheres negras haverá para todas e todos. Pra começar, uma cidade em que tenhamos direito à cidade! Nós mulheres negras só circulamos na cidade para trabalhar, mas queremos emprego digno, salário igual, moradia, saúde, educação, transporte digno, direito à cultura, sem racismo, sem violência.”
Potyra Guajajara é do povo Guajajara da resistência na Aldeia maracanã, Rio de Janeiro e também artesã indígena.
“Quando a gente fala das cidades primeiro a gente pensa, o que são as cidades hoje? O que a gente espera das cidades? Esperamos que nós indígenas tenhamos nosso lugar, que nossas crianças indígenas tenham também lugar na cidade. Esperamos respeito a nossa cultura. Quando andamos pela cidade as pessoas sempre falam: O que vocês vieram fazer aqui? Respondemos: A gente não veio fazer nada aqui, a gente sempre foi daqui, a gente sempre esteve aqui na cidade, nesse ‘lugar’. A cidade que chegou até nós, não nós que fizemos ou chegamos na cidade. Então é a cidade que tem que aceitar e conseguir de alguma forma incluir todo mundo, ter políticas públicas para todos e respeitar. Na cidade não pode ter racismo contra nós indígenas e contra os negros, não pode ter nenhuma forma de preconceito contra os LGBTQI+, contra as mulheres. É isso que a gente espera da cidades hoje.”
Luana Alves @oiluanaalves é Psicóloga da Saúde Coletiva e Coordenadora da Rede Emancipa.
“Sonho com um mundo em que as mulheres negras não estejam em desvantagem social, econômica, cultural, histórica. E a partir desse mundo, em que as mulheres negras não são colocadas em desvantagem, a cidade é completamente outra. É uma cidade em que a gente pode circular para lazer, para cultura, pra ser feliz, e não só pra trabalhar. É uma cidade que a gente tenha direito a colocar nossa impressão sobre ela, a gente consiga se inscrever nessa cidade não só como trabalhadora, e como base da pirâmide, mas como alguém que pensa a cidade, que faz a cidade culturalmente, que usufrui dela também. Ser produtora, e ser alguém que usufrui, não só como alguém que está construindo o trabalho da base.”
Desde o início da pandemia no Brasil muito tem se debatido acerca dos impactos nos diferentes territórios e segmentos sociais. Algo fundamental tanto para encontrar os melhores meios de prevenir a difusão da doença como de proteger aqueles que estão mais vulneráveis. Entretanto a forma como às informações e os dados têm sido divulgados não auxilia na análise dos impactos territoriais e da difusão espacial da pandemia, dificultando também o seu devido enfrentamento.
Na cidade de São Paulo a escala de análise da pandemia ainda são os distritos, que correspondem a porções enormes do território e com população maior do que muitas cidades de porte médio. Essa visão simplificadora ignora as heterogeneidades e desigualdades territoriais existentes na cidade. Conforme apontamos anteriormente, infelizmente a dimensão territorial não é considerada de forma adequada, prevalecendo uma leitura simplificada e, até mesmo, estigmatizada, como por exemplo quando se afirma ”onde tem favela tem pandemia”.
Em artigo anterior, apresentamos o resultado de pesquisa em outra escala, a da rua. Para tanto mapeamos às hospitalizações e óbitos pós internação pela COVID-19 a partir do CEP – informação fornecida nas fichas dos pacientes hospitalizados com Síndrome Respiratória Aguda e Grave (SRAG) incluindo COVID-19 e disponibilizadas pelo DATASUS até aquele momento (18 de maio de 2020). Esse procedimento permitiu olhar mais detalhadamente para a distribuição territorial da pandemia, e assim evidenciar a complexidade de questões que explicam a sua difusão espacial, não apenas a precariedade habitacional e a presença de favelas.
A partir desta constatação passamos a investigar outros possíveis elementos explicativos, entre eles, a mobilidade urbana durante o período da pandemia, especificamente compreendendo o fluxo de circulação das pessoas na cidade e como isso influencia na difusão espacial da COVID-19. Com base nos dados disponibilizados pela SPTrans sobre dados de GPS dos ônibus, e a partir do roteamento de viagens selecionadas da Pesquisa Origem Destino de 2017, buscamos identificar de onde saíram e para onde foram as pessoas que circularam de transporte coletivo no dia 5 de junho, dia em que, segundo a SPTrans, cerca de 3 milhões de viagens foram realizadas usando os ônibus municipais.
Ao mesmo tempo, fizemos uma leitura territorial sobre a origem das viagens durante o período de pandemia. Para esta análise identificou-se na Pesquisa Origem Destino (2017) as pessoas que usam transporte público como modo principal para chegar ao seu destino, motivadas pela ida ao local de trabalho. Consideramos apenas as viagens realizadas por pessoas sem ensino superior e em cargos não executivos. Esse perfil foi selecionado considerando que pessoas com ensino superior, em cargos executivos e profissionais liberais tenham aderido ao teletrabalho e que viagens com outras motivações, como educação e compras, pararam de ocorrer.. Esses dados de mobilidade foram correlacionados com os dados de hospitalizações por SRAG não identificada, e COVID-19, até o dia 18 de maio, última data para qual o dado do CEP no DATASUS estava disponibilizado pelo Ministério da Saúde.
Desta forma produzimos um mapa que ilustra a distribuição dos lugares de origem das viagens diárias, a partir de uma distribuição que considera número de viagens nas zonas origem-destino e distribuição populacional dentro dessas zonas. O resultado mostra uma forte associação entre os locais que mais concentraram as origens das viagens com as manchas de concentração do local de residência de pessoas hospitalizadas com COVID-19 e Síndrome Respiratória Grave (SRAG) sem identificação, possivelmente casos de COVID-19, mas que não foram testados ou não tiveram resultado confirmado.
Com base neste estudo, pode-se dizer que, em síntese, quem está sendo mais atingido pela COVID são as pessoas que tiveram que sair para trabalhar. Embora tenhamos mapeado os locais que concentram os maiores números de origens ou destinos dos fluxos de circulação por transporte coletivo, não é possível ainda afirmar se o contágio ocorreu no percurso do transporte, no local de trabalho ou no local de moradia, o que vai exigir análises futuras, que serão realizadas no âmbito desta pesquisa. Mas o que está evidente é que quem saiu para trabalhar e realizou percursos longos de transporte coletivo é que quem foi mais impactado pelos óbitos ocorridos. Enquanto esse fator mostrou associação forte com os casos de hospitalizações por SRAG não identificada e COVID-19, a densidade demográfica – frequentemente associada a áreas favelizadas e bairros populares – apresentou associação fraca.
Ainda que preliminares, esses dados apontam para a incoerência e inconsequência da abertura planejada pelas prefeituras e governo do estado. A reabertura de comércios e restaurantes implica em aumentar significativamente o número de áreas de origens com mais densidades de viagens e maior circulação de pessoas no transporte público. Se o maior número de óbitos está nos territórios que tiveram mais pessoas saindo para trabalhar durante o período de isolamento, temos que pensar tanto em políticas que as protejam em seus percursos como ampliar o direito ao isolamento paras as pessoas que não estão envolvidas com serviços essenciais mais precisam trabalhar para garantir seu sustento, o que reforça a importância de políticas de garantia de renda e segurança alimentar, subsídios de aluguel e outras despesas, e ações articuladas a coletivos e organizações locais para a proteção dos que mais estão ameaçados durante a pandemia.
Embora esses dados sejam públicos, nos parece que estão sendo ignorados para a definição de estratégias de enfrentamento a pandemia. É urgente repensar a forma como a política de mobilidade na cidade tem sido pensada, já que foram cometidos equívocos tal como o mega rodízio para veículos individuais, que durou apenas alguns dias e provocou uma superlotação nos transportes públicos ampliando os riscos das pessoas que precisavam sair para trabalhar. Ainda não foram implementadas medidas que garantam condições seguras para que as pessoas dos serviços essenciais pudessem fazer as viagens necessárias para exercer seus trabalhos sem ampliar a difusão da infecção do coronavírus. Bem como não existe uma leitura sobre a mobilidade metropolitana – inclusive não existem dados abertos sobre isso – ignorando as dinâmicas pendulares de pessoas que moram e trabalham em municípios diferentes da região metropolitana.
Esse texto é uma parceria do Labcidade e Instituto Pólis. Os autores são: Aluizio Marino, Danielle Klintowitz, Gisele Brito, Raquel Rolnik, Paula Santoro e Pedro Mendonça
Publicamos há menos de um mês uma discussão acerca dos mapas oficiais sobre a COVID-19 em São Paulo (veja aqui). Mostramos que na medida em que esses mapas escondiam informações isto impossibilitava a elaboração de políticas públicas efetivas de combate à pandemia. Poucos dias depois ficou evidente a falta de uma estratégia territorializada, já que as iniciativas adotadas pelos governos municipal e estadual de São Paulo para garantir o isolamento social – como o “mega rodízio” e o “feriadão”-, não funcionaram.
Nessa semana, mesmo assistindo ao aumento do contágio pelo novo coronavírus, o Governo do Estado de São Paulo iniciou um plano de retomada das atividades econômicas e serviços não essenciais. O Plano São Paulo prevê essa retomada em cinco fases de forma gradual, sendo a fase 1 com mais restrições e a fase 5 com mais atividades liberadas.
Embora seja importante planejar a retomada da economia, impactada pelas medidas de isolamento social, o plano lançado pelo Governo do Estado sofreu inúmeras críticas. Tais críticas apontam, por um lado, que a retomada ainda é precoce e que a atual fase de contágio no estado de São Paulo exigiria medidas mais duras visando a restrição de circulação das pessoas, chamadas também de lockdown; que evidentemente deveriam ser compensadas por medidas de proteção social que garantisse a possibilidade de isolamento para a população de forma geral. Por outro lado, também foi criticada a definição de fases mais restritivas em municípios da Região Metropolitana de São Paulo que apresentam índices (com base nos critérios adotados pelo plano) melhores que o da capital.
O plano de retomada apresenta outra problemática que abordaremos aqui: ele simplifica o território, abstraindo uma série de fatores essenciais para a construção de um planejamento sólido. O lançamento do plano já deixou evidente essa simplificação, apresentando a escala de ação a partir de 17 regiões do território paulista, denominadas “Departamentos Regionais de Saúde”. Na proposta inicial a Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) estava dividida em dois departamentos: (i) a capital; e (ii) todos os outros 38 municípios. Evidente que essa simplificação gerou inúmeras críticas por parte dos gestores locais, como resultado o Governo do Estado ampliou a subdivisão da RMSP. Além da capital, foram definidos cinco recortes territoriais: Norte, Sudeste/ABC, Leste/Alto Tietê, Sudoeste e Oeste.
Mesmo com as mudanças adotadas pelo Governo do Estado, ainda persiste a simplificação de um território bastante complexo e, sobretudo, heterogêneo. A leitura com base de indicadores da capacidade de atendimento da rede de saúde desconsidera elementos urbanísticos essenciais para se pensar em maiores ou menores propensões ao contágio. Desconsidera o fato de que os municípios da RMSP possuem relações e conexões cotidianas, em especial de pessoas que moram em outros municípios e vêm à capital para trabalhar, podendo ampliar a difusão do COVID19 neste fluxo entre casa e trabalho. O plano de retomada proposto dessa forma escancara a ausência de uma estratégia regional territorializada que compreenda a multiplicidade de paisagens e dinâmicas sociais existentes na metrópole e como isso afeta a difusão espacial da doença.
É urgente uma abordagem multidisciplinar para a RMSP, um dos epicentros da pandemia, com a presença não somente de profissionais da saúde, mas também de geógrafos, urbanistas, sociólogos e outros profissionais que pensam o território.
No sentido de contribuir e incidir sobre as políticas públicas emergenciais necessárias, continuamos empenhados em compreender a difusão espacial da COVID-19 em São Paulo. A partir das informações disponibilizadas recentemente via DATASUS elaboramos uma série de mapas temáticos e um mapa interativo. Os dados gerados estão disponibilizados em formato aberto.
Os mapas abaixo possibilitam análises mais precisas da difusão espacial da pandemia do que os mapas oficiais, que utilizam a escala dos distritos ou das cidades. Isso foi possível a partir da identificação do CEP de residência das pessoas que foram hospitalizadas com Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), entre elas a COVID-19.
(Elaboração: Pedro Mendonça)
Utilizamos os mapas de calor como forma de representá-los, uma técnica cartográfica que identifica os locais onde há a maior concentração de eventos, no caso desses mapas, de hospitalizações e óbitos pós-internação por COVID-19 no raio de um quilômetro. No mapa da esquerda , as manchas mais escuras correspondem aos locais com maior concentração de moradores que foram internados em hospitais com diagnóstico de COVID- 19. No lado direito a mesma leitura, só que mostrando as maiores concentrações de moradores que morreram entre aqueles que foram hospitalizados. A análise desses mapas deixa evidente a simplificação de uma leitura por distritos que são complexos e apresentam internamente diferentes contextos territoriais e de condições de urbanização, o que dirá da leitura por cidades ou regiões.
A sub notificação dos casos e óbitos por COVID-19 é um dos principais desafios para compreender a difusão da pandemia, por isso trabalhamos também com os casos de SRAG não identificados, e que muito provavelmente são devido a COVID-19. A idéia de incluir estes dados também se deve ao fato de ter aumentado muito este ano as internações por SRAG, em comparação aos anos anteriores.
(Elaboração: Pedro Mendonça)
A leitura territorial por CEP das hospitalizações por SRAG, que tem grande aderência aos mapas de calor dos endereços dos hospitalizados com COVID-19 nos ajuda a complexificar o debate, ao mesmo tempo em que levanta várias indagações. Simplificações do tipo “onde tem favela tem COVID” ou padrões duais do tipo centro/periferia não se sustentam na busca de compreender os fatores que levam a determinados territórios ter uma maior concentração de casos ou óbitos. Para poder ler estes mapas com o devido cuidado é necessário ainda sobrepor com outros mapas/camadas – fluxos da mobilidade urbana, áreas de comércio e intensa circulação, localização de hospitais e de locais de moradia de profissionais de saúde, concentração de idosos, dados raciais – e sua leitura em múltiplas escalas. É o caminho que as equipes do Instituto Pólis e Lab Cidade ainda estão fazendo, em diálogo com parceiros.
O mapa a seguir, feito a partir de dados de uma unidade de saúde da Região Metropolitana, sugere que, ainda no início da expansão da doença, havia uma associação forte entre os casos de Covid-19 e moradores de áreas com grande fluxo de circulação, em função da presença de áreas comerciais e terminais de transporte. Nesta mesma base de dados identificou-se que 42,8% dos pacientes testados positivos nesta unidade eram profissionais de saúde, que somados informaram ter estabelecido contato com 69 pessoas no interior de suas casas, a maior parte deles, residente da mesma região onde está localizado o equipamento.
(Elaboração: Pedro Mendonça)
Evidente que os mapas disponibilizados aqui não representam a totalidade de casos e óbitos, somente aqueles que foram hospitalizados (DATASUS) ou atendidos pela unidade de saúde mapeada. Além disso existem várias lacunas que precisam ser consideradas: uma parcela considerável dos dados não está representada no mapa, pois não constava a informação relativa ao CEP; os dados são oriundos das fichas médicas, preenchidas pelos profissionais que atuam na linha de frente dos hospitais, que sob forte pressão podem cometer equívocos ou até mesmo omitir informações durante o preenchimento. Ainda assim, eles sinalizam fortemente a necessidade de considerar a heterogeneidade dos territórios para entender – no caso específico de cada cidade – as formas através das quais a epidemia tem se difundido espacialmente e assim traçar estratégias seguras e enraizadas de prevenção e atendimento à saúde.
Esse texto é uma parceria do Instituto Pólis com o Labcidade. Escrito por Aluízio Marino, Raquel Rolnik, Danielle Klintowitz, Gisele Brito, Pedro Mendonça, com colaboração de Vitor Nisida e Lara Cavalcante.
“Para entender a pandemia à moda brasileira é preciso conhecer o Brasil”. O texto das pesquisadoras do Pólis, Cássia Caneco, Graciela Medina e Jéssica Tavares reflete sobre como as desigualdades de raça, gênero e classe constroem diferentes narrativas de futuro pós-pandemia no país.
“Enquanto vivemos a coronacrise, uma outra nos assombra cotidianamente: a naturalização dos abismos entre as condições de vida. A hierarquização da cidadania, daltônica, impede dizer a raça/cor das filas na porta das agências da Caixa Econômica. Naturalizar diferenças não somente silencia debates de raça no Brasil, mas também atrasa a resposta para transformar boletins de mortes em políticas públicas. Políticas que não sejam higienistas e excludentes. Decoloniais.”
A pandemia do covid-19 acirrou as desigualdades no Brasil. Além do acesso a aparelhos de saúde, os marcadores de classe, gênero e raça mostram quem são as pessoas que tem condições de fazer ou não quarentena, e de seguir as recomendações de higiene e isolamento da Organização Mundial da Saúde.
Pessoas negras são a maioria (60%) das que trabalham informalmente, sobretudo as mulheres negras (IBGE). Com a forte precarização do trabalho, muitas destas pessoas terão de escolher entre ficar sem nenhuma renda, ou sair de casa correndo o risco de ser contaminada ou de propagar o vírus.
O Brasil tem mais de 3 milhões de famílias vivendo em situação de cohabitação, isso é, quando mais de uma família divide a mesma casa e quase 320 mil vivendo em situação de adensamento excessivo, ou seja, quando há mais de 3 moradores dormindo no mesmo cômodo (FGV 2015). Estas situações são mais recorrentes em favelas e cortiços dos grandes centros urbanos, onde cerca de 70% da população é negra.
No município de São Paulo, 11 distritos não tem nenhum leito hospitalar (Rede Nossa São Paulo, 2019). Não é coincidência que estes também sejam os distritos onde moram mais pessoas não brancas e com menor rendimento. Justamente aquelas que mais dependem do SUS.
Em quatro anos, a população em situação de rua em São Paulo cresceu 53%: passou de 15,9 mil em 2015 para 24,3 mil em 2019. Deste total, cerca de 7 mil tem 50 anos ou mais e são ainda mais vulneráveis ao contágio por Covid-19. A falta de acesso a banheiros e saneamento básico dificulta ainda mais a prevenção. Parte dessas pessoas dormem em albergues e por isso não conseguem evitar aglomerações. Afinal, quem tem direito ao isolamento?
O trabalho informal é a forma de rendimento de mais de 40% da toda população trabalhadora do Brasil (IBGE). Esses profissionais ganham cerca de 40% a menos do que pessoas com carteira assinada, e são em sua maioria mulheres negras (60%). Além disso, as condições de moradia de quem trabalha informalmente e tem rendimento menor também são mais difíceis, com menos acesso à saneamento básico, por exemplo. Babás, motoristas de ônibus, motoboys de aplicativos, atendentes de padaria… Essas pessoas estarão mais expostas ao contágio e a disseminação do vírus. Onde essas pessoas moram? Qual o plano do governo para conter essa tragédia anunciada?
Nossa sociedade patriarcal delega às mulheres 75% do trabalho de cuidado não remunerado em todo o mundo (OXFAM, 2020). Ou seja, cabe a elas o cuidado com os familiares, os afazeres domésticos ou os deslocamentos para abastecer a casa, por exemplo. Por conta disso, cerca de 30% das mulheres acabam por deixar seus trabalhos para cuidar dos filhos, enquanto apenas 7% dos homens tomam a mesma decisão. Neste cenário de pandemia, onde crianças foram liberadas das creches e escolas para evitar a disseminação do vírus, e da flexibilização do trabalho com subtração de direitos, quantas mulheres serão forçadas a abdicar dos seus trabalhos e dos seus rendimentos? Como este contexto afetará a vida das mulheres?
Em uma reportagem da BBC Brasil, Gilson Rodrigues, uma das lideranças de Paraisópolis (SP) alerta sobre como as as favelas estão sendo totalmente ignoradas e as políticas de governo, ao invés de melhorar, só agravam a situação. Esta não é uma realidade só de Paraisópolis. Outras favelas de São Paulo, e lideranças de favelas do Rio de Janeiro, como Raull Santiago, têm demonstrado a mesma preocupação em reportagens ou em suas redes sociais.
As 30 cooperativas que prestam serviços à cidade de São Paulo pararam suas atividades pelos riscos de contaminação dos trabalhadores diante da pandemia provocada pelo Coronavírus Covid-19. A cidade tem o maior foco de infecção no Brasil e reúne o maior número de mortes. Essas famílias não tem outra fonte de sustento.
Vale lembrar que os materiais recicláveis – papel/papelão, metais, vidros, plásticos – que a cidade desvia dos aterros sanitários resultam da atividade que essa categoria de trabalhadores desenvolve há mais de 60 anos. Mas, é fundamental destacar que se o setor empresarial – fabricante, distribuidor, comerciante – já tivesse assumido sua responsabilidade pelo custeio da remuneração dos catadores pelo serviço de classificação dos materiais, assim como pelo custeio da coleta seletiva da fração reciclável dos resíduos domiciliares (30%), como determina a Política Nacional de Resíduos Sólidos de 2010, a situação de absoluta vulnerabilidade dessa categoria não estaria acontecendo.
Para colaborar na arrecadação de recursos para compra de cestas básicas para catadores e catadoras de cooperativas de reciclagem, clique aqui.
A epidemia de COVID 19 tem pressionado os sistemas de saúde de todos os países com casos notificados. O Brasil é o único país do mundo com mais de 100 milhões de habitantes com um sistema de saúde gratuito e universal à toda população. Porém, mesmo antes da epidemia, este sistema já estava sob pressão. ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
Estas distâncias não afetam da mesma forma a população como um todo. Há diferenças regionais (com a região sudeste liderando o número de leitos e de população), mas também intra regionais e até intramunicipais. O Município de São Paulo, por exemplo, apresentava em 2019 11 distritos sem nenhum leito hospitalar (Rede Nossa São Paulo, 2019). Não é coincidência que estes também sejam os distritos onde moram mais pessoas não brancas e com menor rendimento. Justamente aquelas que, como vimos, mais dependem do SUS.
Para além de superar os desafios regionais, o enfrentamento desta pandemia também têm outro desafio: a Emenda Constitucional 95 aprovada em 2016 e que estabelece um teto para os gastos públicos, inclusive na área da Saúde. Naquela época, muitas ONGs e movimentos já alertavam que ela seria a “PEC da morte”. Devemos reverter esta emenda o quanto antes, ou então, assistiremos nosso corpo médico tendo que fazer escolhas impossíveis: eleger quais serão os pacientes que serão atendidos e quais que serão desassistidos.
No Brasil de 2020 há cerca de 4 milhões de pessoas que moram em domicílios sem banheiro! 4 milhões! Para agravar a situação, 35 milhões de brasileiras(os) vivem sem acesso a água tratada e 100 milhões não possuem rede esgoto, segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento em 2018 (SNIS – 2018).
Este cenário é mais estrutural no norte do país, onde cerca de 80% dos domicílios não estão conectados à rede geral de esgoto e no nordeste, onde quase 30% dos domicílios não têm acesso diário à rede de água. Estas duas regiões são aquelas que também abrigam a maior porcentagem de pessoas negras (cerca de 79% da população da região norte e 64,5% da região nordeste é negra) É também mais grave nas favelas e cortiços dos grandes centros urbanos, onde cerca de 70% da população é negra. ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
Essa realidade, além de comprimir a qualidade de vida, também facilita não só a propagação do COVID 19, como também de outras doenças como tuberculose, por exemplo.
Apesar da quarentena em São Paulo, ainda é possível observar muitas pessoas nos ônibus e metrôs da cidade..
Para termos uma ideia da importância do coletivo no cotidiano da cidade – sobretudo para as mulheres negras que, não só tem o menor rendimento familiar, moram mais longe e dependem mais do transporte e de outros serviços públicos – só na Região Metropolitana de São Paulo são realizadas diariamente 15,3 milhões de viagens seja por trem, metrô ou ônibus (Pesquisa Origem Destino, 2017)
Esta mesma região tem três das dez linhas de trem e metrô mais lotadas do mundo (Google Maps, 2019) e nem todas as estações oferecem condições para que suas usuárias e usuários possam se higienizar, seja porque muitas estações se quer oferecem banheiros públicos, seja porque, as que oferecem, muitas vezes não têm sabonetes e toalhas de papel.
Além disso, o tempo médio destas viagens é de quase 2,5 horas e com pelo menos 1 baldeação. Todos estes fatores aumentam os riscos de contaminação das pessoas que usam diariamente o transporte público e que, no final do dia, ainda terão que chegar em casa e cuidar da casa, dos filhos e, pior, das pessoas mais vulneráveis ao COVID 19, as pessoas idosas da família.
Neste momento em que a ação do poder público para enfrentar crises de escala global se mostra crucial, pensar territórios populares a partir de suas particularidades pode parecer estranho. Porém é este tipo de abordagem que se faz necessário para construir leituras e ações adequadas para as especificidades de cada local, comunidade,assentamento, bairro ou favela. A necessidade de que o Estado esteja presente e seja atuante para diminuir, emergencialmente, os efeitos da pandemia que geram impactos desiguais nas cidades, não exclui o fato de que, em determinadas localidades, a organização e a ação comunitária também sejam essenciais para enfrentar a crise sanitária e o impacto das demais crises urbanas que se somam aos efeitos da pandemia.
O livro digital Planejamento Alternativo: Propostas e Reflexões Coletivas é fruto dos debates, análises e trocas que ocorreram no evento organizado pelo Pólis, em parceria de fomento pelo CAU/SP, em fevereiro de 2019. As reflexões desta publicação partiram de experiências práticas de projetos coletivos e panos populares oriundos de conflitos urbanos em que o próprio Estado, em geral, viola ou participa de alguma violação de direitos. O contexto dessas violações é dado pelas tentativas de remoções forçadas e da negação do direito à cidade e à moradia adequada de comunidades de baixa renda (periféricas ou centrais).
Apesar de discutir conflitos que remontam a crises urbanas mais antigas que a do Coronavírus (mais antigas, porém não superadas), as discussões deste livro partem da premissa de que o enfrentamento das desigualdades socioterritoriais também pode ser feito a partir da organização popular, da autodeterminação e da construção coletiva na chave da afirmação de direitos; sem excluir o diálogo e a relação com o poder público, mesmo quando conflituosa.
O seminário foi estruturado a partir de experiências locais de planos alternativos e/ou projetos coletivos que foram ou estão sendo desenvolvidos em quatro cidades brasileiras: Belo Horizonte, Fortaleza, Rio de Janeiro e São Paulo. Essas experiências jogam luz sobre práticas insurgentes e coletivas que instrumentalizam a formulação de políticas públicas.
Foram convidadas lideranças locais para representarem suas respectivas comunidades e apresentarem as práticas alternativas de planejamento e de projeto junto a técnicos e acadêmicos que acompanharam os processos em cada cidade. Além de promover uma reflexão crítica e de capacitar os estudantes e profissionais de diversas áreas, o evento abriu a possibilidade de debater o tema e criar uma rede multidisciplinar de instituições ligadas a este novo modo – o Planejamento Alternativo – para reflexões contínuas e profícuas sobre as ações desenvolvidas em diferentes contextos do país.
Campos Elíseos Vivo (São Paulo): construção de um plano com moradores do bairro Campos Elíseos a partir da iniciativa do Fórum Aberto Mundaréu da Luz, uma articulação de dezenas de entidades que propuseram um processo de resistência às remoções no centro de São Paulo a partir da formulação de uma contraproposta aos projetos oficiais. Caso relatado por Danielle Klintowitz, do Instituto Pólis, pela professora Lizete Rubano, coordenadora do Mosaico – Escritório Modelo da FAU-Mackenzie, e por Cássia Aparecida da Silva, moradora.
Plano Popular da Vila Autódromo (Rio de Janeiro): experiência premiada internacionalmente que construiu um plano alternativo à remoção da comunidade, ameaçada pelo projeto do parque olímpico do Rio de Janeiro e de tantas outras grandes intervenções públicas. Caso relatado com a participação de Giselle Tanaka, do IPPUR – UFRJ, e de Sandra Teixeira, moradora.
Comunidade Serviluz (Fortaleza): experiência de resistência de uma comunidade litorânea em uma zona de fronteira da especulação imobiliária de Fortaleza, Ceará. e que tem sido assistida pelo Laboratório de Estudos da Habitação (LEHAB). Caso apresentado por Valéria Pinheiro, do Laboratório de Estudos da Habitação LEHAB – UFC, e por Pedro Fernandes, da Comunidade do Titanzinho, situada no Grande Serviluz.
Vila Acaba Mundo (Belo Horizonte): traz reflexões sobre a experiência de projeto compartilhado que vem sendo desenvolvida pelo grupo de pesquisa da UFMG Praxis, em uma vila da cidade Belo Horizonte. Caso apresentado pela pesquisadora Geruza Lustosa e pela moradora Maria das Graças.
A luta do Pólis pelo Direito à Cidade não está somente no enfrentamento das desigualdades territoriais evidenciadas pela crise do Coronavírus. Nos últimos tempos, o Pólis vem propondo debates sobre o Direito à Cidade de forma mais interseccional, para aproximar suas utopias às lutas cotidianas. Com o objetivo de mostrar a relação entre ele (o Direito à Cidade) e pautas de transformação social como as bandeiras do feminismo, dos direitos LGBTQI+ ou a luta antirracista, foi produzido um conjunto de materiais informativos, cujo formato permite a apresentação de dados e de uma visão crítica sobre sobre cada tema.
Cada material teve uma tiragem impressa para poder ser distribuído em eventos e ações de rua, mas você pode conferir a versão PDF em nossa biblioteca ou nos links a seguir:
O contágio da covid-19, que antes parecia estar restrito aos que viajaram ao exterior, e nas classes média/alta, passou a se disseminar pelas periferias paulistanas. De acordo com os dados oficiais, o número de mortes decorrentes da covid-19 são maiores nas regiões periféricas de São Paulo.
As periferias enfrentam precariedades que aumentam diretamente a letalidade frente à contaminação. As aglomerações são oriundas das condições habitacionais e do deslocamento casa-trabalho. As condições de higienização ficam comprometidas com a ausência de saneamento básico, e por fim o atendimento insuficiente dos equipamentos de saúde agravam o quadro dos pacientes.⠀⠀⠀
Antes que as pessoas virem números, precisamos dizer quem são esses corpos. Dados do Ministério da Saúde apontam que 23% (menos de um quarto) das pessoas internadas com síndrome aguda respiratória grave são negras (pretas e pardas). Mas a quantidade de pessoas negras que morrem por covid-19 é de 33% (quase um terço!).
Baseado nos poucos dados que são publicados e apesar das subnotificações, construímos uma sequência de mapas que mostram o movimento da pandemia em direção a bairros periféricos da capital paulista, assim como a sua relação com outros aspectos territoriais. Confira abaixo a arte final e siga-nos nas redes sociais (facebook, twitter e instagram) para acompanhar as atualizações nas publicações futuras.
A Escola da Cidadania está de volta. Em sua nova fase, novos formatos, metodologias e parcerias foram pensados para que possa continuar a ser um espaço de reflexão e formação de pensamento crítico nas diferentes dimensões essenciais à construção da cidadania: direitos humanos, direito à cidade, ativismos, políticas públicas, dentre outros.
Em época de quarentena, temos um encontro marcado toda quarta-feira. Virtual, claro! Cada semana um convidado estará ao vivo em nosso instagrampara bater um papo sobre medidas concretas que estão sendo tomadas pela sociedade civil durante a pandemia, ou ainda para dar dicas de como esquecer o isolamento (mesmo que por uns minutos) com reflexões sobre como melhorar nossas cidades. As lives estão sendo gravadas e podem ser assistidas em nosso IGTV ou Youtube.
CursoDecifrando o Direito à Cidade
O curso “Decifrando o Direito à Cidade” tem por objetivo debater as principais referências nacionais e internacionais sobre o direito à cidade. Distinguiremos conjuntamente as diferentes tendências teóricas e linhas de abordagem, bem como conheceremos as práticas e lutas sociais que vêm mobilizando esse conceito. Buscaremos ainda situar o direito à cidade em relação às agendas políticas contemporâneas no Brasil e no âmbito internacional e problematizar o lugar reservado ao direito à cidade tanto em práticas institucionais e jurídicas quanto insurgentes. O curso é destinada ao público em geral. Qualquer pessoa interessada pode se inscrever. Saiba mais aqui.
Uma nova sociedade passa pela construção coletiva da cidadania e, portanto, do conhecimento. essa sempre foi uma das principais apostas do Pólis, o qual constituiu, no início dos anos 2000, a Escola da Cidadania.
Voltada especialmente ao fortalecimento de movimentos sociais, à qualificação de formadores/gestores públicos e à promoção de debates sobre temas emergentes, a Escola já envolveu milhares de participantes em sua história.
Em 2020, novos formatos, metodologias e parcerias foram pensados para que possa continuar a ser um espaço de reflexão e formação de pensamento crítico nas diferentes dimensões essenciais à construção da cidadania: direitos humanos, direito à cidade, ativismos, políticas públicas, dentre outros.
Relançamos a Escola no meio de uma pandemia. Não foi o lançamento que sonhamos. Em nossos planos, teríamos abraços. salas cheias e uma cervejinha de comemoração depois. Mas acreditamos que, em momentos de acirramento das desigualdades, como o que estamos vivendo agora,, a construção coletiva para a defesa de direitos se torna ainda mais fundamental.
Acompanhe a programação de lives e cursos virtuais aqui.